Males que vêm para o bem | Com suspensão da tramitação da reforma...

Edição 301

 

O adiamento da implantação de uma reforma previdenciária no país, deixando a tarefa para o próximo governo, não foi visto com olhos tão negativos pelo segmento de previdência complementar. Apesar da reforma da previdência ser esperada e considerada necessária, a expectativa agora é que haja mais tempo para elaboração de um novo texto que contemple mudanças estruturais no setor previdenciário. A esperada reforma da previdência, apresentada pela equipe do governo no final de 2016, teve sua tramitação suspensa no Planalto desde que o presidente Michel Temer decretou intervenção federal na área de segurança no estado do Rio de Janeiro. A Constituição impede que propostas de emenda à Constituição (PECs) sejam votadas em meio à uma intervenção do governo em unidades da Federação.
Na visão do presidente da Associação Brasileira da Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Luís Ricardo Martins, a reforma é fundamental quando se olha para o desequilíbrio que a previdência provoca hoje no Brasil, mas é preciso pensar em uma reforma estrutural. “Mesmo que tivesse vindo uma reforma paramétrica, como a que foi apresentada, isso não afastaria uma discussão maior de uma reforma estrutural no futuro”, destaca.Como dificilmente a PEC da previdência será aprovada este ano, Martins entende que isso representa uma oportunidade para que o setor de previdência complementar se organize para apresentar propostas mais estruturais. “Nossa proposta é quebrar o regime de repartição simples, que é um pacto entre gerações, mantendo o Estado como provedor das aposentadorias, mas reduzindo o teto para os novos entrantes para R$ 2 mil. Um segundo pilar que defendemos é o da capitalização obrigatória, em especial para pessoas que ganhem entre R$ 2 mil reais e R$ 8 mil reais. Um terceiro pilar, facultativo, é a criação de planos coletivos capitalizados, e um quarto pilar, também facultativo, é a formação da poupança individual, com capitalização e incentivo para poupança de longo prazo”, explica.
Martins ressalta, contudo, que mesmo limitada, a aprovação de uma reforma paramétrica traria benefícios para o país, cuja nota de rating foi rebaixada recentemente pelas agências por suspeita de que as mudanças não aconteceriam. Além de desconstruir a versão das agências, teria repercussão positiva no mercado financeiro. “Ainda assim, até onde notamos, a suspensão da reforma previdenciária não causou efeitos drásticos na economia. De fato, se tivéssemos uma reforma paramétrica aprovada seria importante, mas já que não veio, podemos aproveitar as circunstâncias positivamente para reabrir a proposta”.
O presidente da Abrapp destaca que a associação integra um fórum da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica da USP (FIPE) que apresenta premissas sobre importância da poupança de longo prazo. “Apostamos nesse fórum para que a gente possa levar aos principais candidatos à presidência da República a proposta de uma reforma previdenciária estrutural”, diz Martins. O fórum é composto por entidades que defendem a previdência complementar e a ideia central é consolidar as propostas desse grupo e abrir um diálogo com os candidatos à corrida presidencial e seus assessores econômicos.

Avanços – Apesar de ter sua tramitação suspensa, as discussões acerca da reforma já trouxeram avanços à previdência complementar. O presidente da Abrapp afirma que desde 2016, o número de adesões à planos do regime complementar subiu expressivamente. Ele destaca que não há dúvidas sobre o aumento do interesse das pessoas em relação ao tema desde que a PEC foi apresentada, há pouco mais de um ano. “Ao longo de 2016, quando a reforma foi apresentada, contabilizamos uma média de 420 adesões por mês em planos de previdência complementar. No final daquele ano, o número tinha subido para 600 adesões por mês e no início de 2017 estávamos com mais de 700 adesões por mês”, diz Martins.
Também tem havido uma procura maior pelas entidades abertas de previdência. Segundo o superintendente da Icatu Seguros em São Paulo, Paulo André Barqueiro, houve um crescimento forte na busca por planos no ano passado. “Acredito que é natural que as pessoas tenham começado a se preocupar mais com a aposentadoria”, diz. De acordo com ele, a postergação da votação da PEC não deve ser vista como negativa, pois a reforma continuará a ser necessária e “as pessoas vão continuar se preocupando com esse tema”.
Barqueiro destaca que a reforma atual trazia pontos que favorecem a previdência privada, e que uma nova proposta não deve eliminar esses aspectos. “No nosso ponto de vista, o texto atual já beneficia a previdência privada, mas ainda temos muito à contribuir em caso de uma nova discussão”, complementa.
Para Luis Ricardo Martins, a reforma deveria priorizar o incremento das entidades fechadas de previdência complementar. Segundo ele, “nosso produto é de longo prazo, mas não podemos dizer o mesmo sobre os planos das abertas, que tem produtos com duration de 4 meses. O PGBL já é um produto mais de longo prazo, mas temos uma defesa dos nosso pleitos específicos para as entidades fechadas”.
A Abrapp defende uma impropriedade jurídica do atual texto, que abre às entidades abertas a gestão dos planos previdenciários de servidores públicos. “Esse tipo de gestão deve ser feito pelos fundos de pensão. Se essa brecha se mantiver nas discussões futuras, vamos continuar defendendo a impropriedade formal”, afirma Martins.

Dificuldades – O presidente da Abrapp ressalta que os números mostram uma repercussão positiva e uma sociedade mais consciente em relação ao tema, mas que é prevista uma dificuldade para retomar as discussões sobre a previdência de maneira aquecida em um período eleitoral. “Estamos em um final de governo, entrando em fase de eleição e acaba sendo mais difícil falar da previdência por questões políticas. Não é uma medida popular para quem precisa de voto. Mas como o debate tem impactado positivamente a previdência privada, vemos que existe uma sensibilidade maior sobre o tema”, afirma.
Ele destaca que as discussões trazidas até então fizeram com que a sociedade se preocupasse com temas como a longevidade e o bem-estar na aposentadoria, que são centrais nas discussões da previdência complementar. “Já houve uma repercussão positiva para nós. Com o novo governo e uma sociedade mais consciente, um novo parlamento terá um período para trabalhar nisso. É um fortalecimento para se buscar essa reforma estrutural”, diz. “Espero que seja discutido um texto amplo e estrutural, novo, por meio do qual a gente possa dar uma solução não de curto prazo, mas de longo prazo para a previdência, que só virá com a quebra do pacto entre gerações e com a capitalização dos recursos”, complementar Martins.