Edição 106
A concentração do setor de asset management no Brasil é um fato, mesmo que poucos estejam se dando conta dela. Nos últimos meses, vários bancos de pequeno porte abandonaram o cenário, cedendo suas posições a players de maior expressão. A última grande movimentação no segmento foi a compra, pelo Itaú, da Lloyds TSB Asset Management (LAM), do Lloyds TSB Group. Numa única tacada, o segundo maior banco varejista nacional abocanhou uma considerável carteira avaliada em R$ 5,2 bilhões, proveniente de 150 clientes institucionais, 42 clientes corporate e 3.870 mil clientes private. Com isso, o Itaú, que já era o maior private doméstico do País e o maior gestor privado de recursos de fundos de pensão, reforça sua posição de maneira espetacular. “Construir uma base dessas demora anos, e estamos ampliando nossa posição”, afirma o diretor de produtos de investimentos e clientes institucionais do Itaú, Alexandre Zákia.
A releitura da transação pelo mercado foi imediata: uma tentativa de travar com o Bradesco uma disputa pela segunda colocação no ranking de gestão de recursos de terceiros, hoje liderado pelo Banco do Brasil. Sem dúvida, com a aquisição o Itaú transfere para a área de asset a competição que tradicionalmente mantém, palmo a palmo, com o Bradesco na área do varejo. O Bradesco, que aliás esteve entre os interessados na LAM na primeira rodada de negociações, já tinha mostrado sua disposição de crescer no segmento de administração de terceiros ao anunciar, em fevereiro último, a fusão da sua área de recursos de terceiros com a BCN Alliance, a Bradesco Templeton e a Boavista Espírito Santo, criando a Bradesco Asset Management – BRAM.
Como resultado dessa fusão, a BRAM largou em fevereiro já com R$ 60 bilhões em carteira, ou 15% do total da indústria de fundos, e anunciou na ocasião planos de chegar a 20% do mercado total até o final deste ano. “Com a BRAM, o Bradesco já deu sinais de que vai apostar alto, investir muito em propaganda e crescer organicamente. Anda estudando associações e não descarta aquisições. A briga promete ser boa”, analisa Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Asis, empresa especializada no mercado em análise de risco de crédito e investimento.
Agregar valor – O diretor Alexandre Zákia assegura que a decisão de compra não foi única e exclusivamente porque asset management é um negócio de escala no mundo inteiro ou por uma questão de ranking. “É inegável que levamos isso em consideração. Obviamente que, com a aquisição, o banco enquanto gestor de recursos do mercado de fundos de pensão e seguradoras fica melhor, mais fortalecido. Mas o que mais nos atraiu foi o que pudemos agregar em valor, pessoas, produtos, clientes e processos. Mesmo porque, ao adquirirmos uma asset, não destruímos a sua cultura, mas assimilamos o que ela tem de melhor, de maneira a enriquecer o processo”, garante.
Como exemplo disso, ele cita as compras e fusões que o Itaú fez no passado, com o Itaú Bankers Trust e o BFB, que fortaleceram “tremendamente” a asset do Itaú. “Já somos o segundo maior gestor de fundos de derivativos do mercado e essa é uma tecnologia que basicamente veio na esteira dessas aquisições”, complementa Zákia.
Na disputa pela asset do Lloyds, apenas quatro dos doze bancos que participaram das primeiras conversas, e dos oito que apresentaram propostas, chegaram à reta final. Desses quatro (Unibanco, BBA e BNP Paribas e Itaú), a proposta que mais seduziu o Lloyds foi a do Itaú, que o mercado avalia ter ficado entre R$ 200 milhões e R$ 250 milhões. “Não foi, necessariamente, a melhor proposta em preço”, corrige Zákia, enfatizando que estiveram em jogo aspectos financeiros, contratuais e a capacidade de promover uma transição “sem traumas” para os clientes. “O Lloyds preserva muito sua imagem, seu relacionamento de 140 anos com o business brasileiro, por isso quis ter a certeza de que o comprador teria condições de dar continuidade aos seus negócios e fazer a transição sem nenhum prejuízo para seus clientes”, acrescenta.
Os motivos que levaram o Lloyds a se desfazer da LAM não chegaram a surpreender o mercado: as três áreas que a compunham (institucional, private e corporate) não estavam dando o retorno esperado pelos acionistas. Já pelo prisma do Itaú a situação é outra: o banco não esconde que se trata de um negócio importante mas dependente, cada vez mais, de escala, a qual determina a sua rentabilidade. “Essa área já gera parte relevante das receitas de serviços que o grupo tem, ou seja, é um core business”, diz, confirmando a receita de R$ 900 milhões originária de taxas de administração.
No segmento de investidores institucionais, o banco, que já contabilizava cerca de 250 clientes ativos movimentando R$ 15,321 bilhões no final de setembro, soma agora R$ 2,320 bilhões de recursos provenientes dos 56 clientes originários da LAM. Ou seja, o Itaú passa a figurar, num primeiro retrato, com R$ 17,641 bilhões em recursos de institucionais. “Já éramos, pelo ranking Top Asset da Investidor Institucional, o maior gestor privado do Brasil. Agora, com a aquisição da LAM, aumentamos a diferença em relação ao segundo lugar (o Citigroup) e consolidamos nossa posição”, diz Zákia.
Ele admite que, na ponta do lápis, somar os recursos da LAM ao Itaú vai requerer um esforço adicional do banco pelas próximas semanas. Dos clientes institucionais, pelo menos metade é comum aos dois bancos. A outra metade é de novos clientes, que passam agora por um intenso trabalho de visitas e prospecção. “Esperamos uma retenção elevada, principalmente porque estamos mantendo toda a equipe de gestão e de atendimento, e não estamos alterando nenhuma característica dos 50 fundos adquiridos. Evidentemente que, aos poucos, vamos buscar aproveitar o melhor das práticas no processo de gestão da LAM e vice-versa.”
Comprar ou vender – O dilema enfrentado pela LAM, voltada até então aos segmentos de institucionais e private, é semelhante ao da grande maioria das assets do seu tamanho: comprar e ganhar escala para compensar as baixas taxas de administração, principalmente no segmento institucional, ou vender e abandonar o business. Resumindo: as que se encontram no limiar dessa decisão não são grandes o suficiente para ter uma escala e tornar o negócio rentável, mas têm, por outro lado, um tamanho relativamente importante para justificar o aguçado apetite por parte dos grandes.
Por esse raciocínio, e obedecendo a esse perfil, com a venda da LAM a asset mais cobiçada do mercado passa a ser a BankBoston Asset. Com uma carteira de institucionais da ordem de R$ 2,3 bilhões ao final de junho, a asset do BankBoston também participou da concorrência pelo Lloyds, mas não levou. “Como a lógica é comprar e crescer ou sair do negócio, a tendência do Boston, a partir de agora, pode ser a de procurar um comprador”, deduz um analista.
Embora seja a asset mais cobiçada no momento, outras candidatas de menor porte também entram no cardápio, alvos de um forte movimento rumo à concentração. Entre elas, costuma-se citar com freqüência o nome do BMG, uma cobiçada jóia com 78% dos seus recursos provenientes de clientes institucionais. “Pelo menos metade das pequenas assets está disposta a conversar, a ouvir propostas”, conta o presidente da Austin Asis.
Segundo ele, a indústria de asset está vivendo um processo de concentração semelhante ao que já ocorre no varejo, ou seja, quem não tem expertise, canais de distribuições de fundos e especialização é sério candidato à compra. “Em dois anos, no máximo, os dez maiores gestores devem deter mais de 90% do mercado”, avalia Rodrigues.
Para Lauro Araújo, da William M. Mercer, pelo menos durante os próximos três anos o mercado ainda verá um forte movimento de fusões e aquisições, além de uma intensa agregação de valor por parte dos gestores na constituição de novos serviços e produtos, tanto para pessoas físicas, quanto jurídicas e médias fundações. “Do jeito que a indústria de fundos está estruturada não há espaço para tantos players, os serviços são muito parecidos, apesar da diversidade das carteiras de clientes. Precisamos de mais criatividade”, diz Araújo.
Segundo ele, a tendência é que o mercado evolua no sentido de contar com gestores mais especializados. “Vão ficar os administradores generalistas – com gerenciamento próximo aos benchmarks do mercado e custos extremamente competitivos – e os especialistas – com carteiras menores e de alto risco, que se especializam num determinado segmento, mais agressivos, como já fazem a Schroders, BBA e Icatu, por exemplo”, diz Araújo. “Acho muito improvável que um banco se enquadre nos dois perfis”, avalia.
Paralelamente, os grandes bancos de varejo vão tornar-se distribuidores de fundos de terceiros, diluindo custos. “Cada vez mais, o gestor especialista vai valer-se da capacidade de distribuição dos grandes para colocar seus produtos e economizar na distribuição e vendas, podendo dedicar-se mais às pesquisas que sua atividade requer”, afirma Araújo.