Livro dá pistas sobre o que pensa Gushiken | Editado pela Secreta...

Edição 127

Nos dias seguintes à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República, definido o primeiro núcleo da equipe de transição, algumas pistas já poderiam ser procuradas sobre as prováveis diretrizes petistas para a área previdenciária. Um livro escrito pelo ex-deputado federal do PT, Luiz Gushiken, em parceria com seus sócios no escritório Gushiken e Associados, deixa antever em linhas gerais o que pensa da questão previdenciária do funcionalismo público aquele que é o principal assessor de Lula para o assunto.
Editado pela Secretaria de Previdência Social, do MPAS, o livro “Regime próprio de previdência dos servidores: como implementar” tem 356 páginas. Dessas, entretanto, as mais importantes para quem pretende ter uma visão geral da filosofia dos autores são aquelas do capítulo 1, intitulado “As razões da reforma da previdência dos servidores públicos no Brasil”, que vai da página 11 até a 27.
Para começar, o livro retoma a discussão sobre as vantagens dos dois modos de financiar o custo previdenciário do funcionalismo público: pelo regime de repartição simples e pelo regime de capitalização. A conclusão do livro é que nenhum dos dois regimes pode ser taxativamente apontado como superior ao outro.
“Nos debates sobre a matéria, não raras vezes foi a motivação puramente mercantil que fez com que os regimes capitalizados fossem propagados na sociedade com velocidade, desenvoltura e forte presença… Mais recentemente, porém, pesquisas empíricas demonstraram a inexatidão de vários postulados que buscavam demonstrar essa superioridade natural.”
Com relação à experiência do Chile, que adotou o modelo de capitalização puro, o livro cita que “a experiência … evidencia fortemente sua inadequação como modelo a ser seguido: o gasto público elevou-se em função do chamado ‘custo de transição’, a cobertura previdenciária reduziu-se, o custo previdenciário aumentou e o valor dos benefícios oscila de acordo com a flutuação do mercado financeiro, gerando incertezas.”
Páginas adiante, o livro cita que dentre as experiências de reforma previdenciária, a do Brasil é uma das mais ricas, pois “foi a que mais apresentou elementos inovadores no debate doutrinário”. Continuando, o livro diz que o Brasil “não implodiu o regime de repartição simples e tampouco o substituiu pelo regime de capitalização, como fez o Chile. A reforma se fez por dentro das instituições já existentes, combinando em seu interior ambos os regimes de financiamento”.
Fundamental para entender esse debate é um raciocínio dos autores, que explica que para ocorrer a capitalização deve haver excedente de poupança, para que os governos possam financiar no presente uma aposentadoria que só ocorrerá no futuro. Quando não há esse excedente de poupança, os governos acabam usando os recursos disponíveis para financiar outras obrigações do estado, como a saúde e a educação, em primeiro lugar. Mas, provavelmente, o sistema mais adequado é aquele que permite uma combinação do melhor desses dois sistemas, através de um regime de transição suportável.
O livro aponta que, anterior à discussão sobre o melhor sistema para financiar o custo das aposentadorias dos funcionários públicos, está a discussão sobre esse próprio custo. Essa discussão deve ser encarada de uma forma independente da questão do seu financiamento. “É importante ressaltar que custo previdenciário não se confunde com regimes de financiamento, pois é dependente de outras variáveis, principalmente da combinação das variáveis de natureza social com a fiscal. Social, porque diz respeito ao padrão de vida que se pretende oferecer aos aposentados e às condições que lhes devem ser exigidas para fazer jus ao referido padrão. Fiscal, em razão da necessidade de se definir os limites da factibilidade do financiamento pelo poder público”.
Sobre a questão do custo, o livro mostra que “os efeitos da longevidade crescente e o grau de generosidade na elevação do valor do benefício e nos critérios da sua concessão – carência, idade mínima etc – incidem de forma direta nos custos previdenciários, podendo elevá-los a níveis críticos”. Em outra parte, o livro aponta que “o pagamento de aposentadorias (dos funcionários públicos) com características de integralidade em seus proventos e gozando de paridade entre remuneração de ativos e inativos, não deixa de representar uma verdadeira armadilha para as finanças públicas”.
Duas normas legais servem para “bloquear a tendência de gastos crescentes do poder público com despesas previdenciárias”. A primeira é a limitação das contribuições previdenciárias do poder público, que não poderão exceder o dobro das contribuições do servidor, e a segunda é a limitação com inativos, que não poderão exceder a 12% da receita corrente líquida do ente federado. Mas, além delas, a grande mudança provém da adoção de dois novos princípios, que segundo o livro são “os eixos distintivos do novo modelo previdenciário brasileiro: o caráter contributivo e o equilíbrio financeiro e atuarial da previdência”.
Explicando esses novos eixos, o livro diz que, “simplesmente, deve-se contribuir para receber aposentadoria. Esse princípio permitirá, doravante e de forma permanente, a recepção, por parte do ente federado, de um significativo volume de novos recursos oriundos dos servidores para o compartilhamento das obrigações com suas aposentadorias, aliviando, assim, o caixa do Tesouro. E com a obrigatoriedade da busca do equilíbrio atuarial, os custos previdenciários são trazidos à luz, evidenciando-se mais claramente a sua formação e, no que tange ao processo de financiamento do plano, as causas dos déficits ou superávits são mais facilmente identificáveis”.
Embora não conste do livro, uma imagem tem sido utilizada com frequência pelo atual coordenador adjunto da equipe de transição, em palestras sobre o tema da previdência dos funcionários públicos. Gushiken costuma comparar os benefícios previdenciários à escolha de um carro por parte do consumidor. Esse pode escolher entre ter um “fusca” ou ter uma Ferrari, mas essa escolha deve levar em conta que cada carro tem um custo diferente e deve ser compatível com a sua renda. “Mesmo com o melhor sistema de financiamento, a compra de uma Ferrari é impossível para a maioria, porque o seu custo é proibitivo. Então, nesse caso, não se trata de discutir a questão da melhor forma de financiamento, mas de discutir o custo, que deve baixar”, exemplifica.
E, reconhem os autores, as duas únicas variáveis conhecidas hoje para baixar o custo previdenciário são a redução dos benefícios ou o retardamento do início de fruição desses benefícios.
Continuando, o livro aponta que, resolvidas essas duas questões iniciais, que são o custo e a forma de financiar esse custo, resta a questão final, que é a escolha da melhor forma de transição. Essa questão encerra armadilhas, como aquela na qual caiu a Argentina, ao repassar para o sistema privado de capitalização todo o ingresso de receitas novas do sistema, deixando às províncias o pagamento do estoque de aposentados. Para fazer face a esses compromissos que assumiram proporções gigantescas, sem ter acesso aos novos recursos, as províncias passaram a emitir títulos, que foram um dos estopins da crise atual. Também no Chile, o custo de transição representou uma significativa elevação do endividamento público, diz o livro.
A transição, portanto, deve ser equacionada de uma forma a não comprometer o funcionamento dos entes federados. A conclusão do livro é que “talvez não seja possível a criação de uma solução universal padrão… e as soluções para eventuais crises nos sistemas previdenciários, em que pese a relevância dos seus aspectos técnicos, serão particulares e somente encontráveis na ação política”.