Edição 303
A governança em investimentos dos fundos de pensão tem sido a prioridade do sistema, tanto do lado dos próprios atores quanto do lado dos fiscalizadores. O tema foi debatido durante o Fórum Governança e Dever Fiduciário na Gestão de Investimentos das EFPC, promovido no dia 26 de abril, em São Paulo, pela revista Investidor Institucional. Na ocasião, o diretor de fiscalização e monitoramento da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), Sérgio Taniguchi, declarou que o órgão fiscalizador está monitorando R$ 30 bilhões em títulos públicos que devem vencer nas carteiras dos fundos de pensão nos próximos cinco anos.
Segundo ele, os reinvestimentos anuais dessa soma, que serão feitos à medida em que os títulos forem vencendo, será uma tarefa que exigirá muita habilidade dos dirigentes das fundações. O diretor destacou em sua apresentação o trabalho que a autarquia tem realizado para “fortalecer as linhas de defesa” do sistema, citando entre essas iniciativas a adoção do modelo de supervisão baseada em risco, a elaboração do relatório de estabilidade e a segregação das Entidades Sistematicamente Importantes (ESI), que reúne as fundações de grande porte.
Ele notou ainda que o índice médio de solvência das EFPC é satisfatório, com baixo risco de liquidez, o que dá algum conforto, na visão da autarquia, para que as fundações possam aumentar a diversificação e o risco de suas carteiras em um cenário de juros sem prêmios suficientemente elevados para fazer frente às metas atuariais.
Dever fiduciário – Já o sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Rodrigues Advogados, Flávio Martins Rodrigues, enfatizou a responsabilidade fiduciária dos gestores externos terceirizados junto aos fundos de pensão. “Em um cenário no qual o relacionamento entre fundações e gestores terceirizados tende a se ampliar nos próximos anos diante da necessidade de aumento das alocações em ativos da economia real, temos defendido o modelo de compartilhamento dos custos entre várias entidades que podem vir a contratar a mesma casa”.
O advogado sugeriu em sua apresentação a criação de um amplo fórum de discussões envolvendo todos os participantes do sistema de previdência complementar fechada, com o intuito de produzir debates conjuntos que possam resultar em propostas para o desenvolvimento do segmento. “Acredito que os fundos de pensão precisam repensar seus processos internos de governança e compliance como instrumentos para atingir o objetivo de pagamento de benefícios previdenciários”, pontuou Rodrigues.
Segundo ele, muitas fundações seguem processos de investimento rígidos que passam por diversos órgãos internos até que ocorra a deliberação final. Para o especialista, que questionou a real eficácia de tal método, “nem sempre o fato de ter muita gente envolvida nas decisões se reflete em um bom processo”.
Matheus Corredato Rossi, advogado e sócio do mesmo escritório, ressaltou que a terceirização da gestão de investimentos merece atenção especial das entidades, já que 90% dos autos de infração são relativos à área de investimentos, e que enquanto houver crises éticas e financeiras esse tema estará em pauta. “Não basta terceirizar, tem que acompanhar, pois a Previc muitas vezes entende que o dirigente que terceirizou é também responsável pela diligência no acompanhamento do gestor externo”, destacou o advogado.
Para ele, as melhores práticas de investimentos devem ficar no nível da autorregulação. Além disso, as entidades devem seguir a risca as guias da Previc, o código da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) e as novas resolução do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), principalmente a mais recente que trata da auditoria em fundos de pensão. “Esses mecanismos são utilizados para a melhoria do processo de investimento”, ressaltou Rossi.
Autorregulação – O coordenador da Comissão Mista de Autorregulação da Abrapp, ICSS e Sindapp, José Luiz Rauen, também esteve presente na ocasião para destacar a importância da autorregulação do sistema de fundos de pensão. Segundo ele, a autorregulação surgiu de um inconformismo com a regulação estatal, que tem características que “não são as mais desejáveis”. Ele destacou que enquanto as regras dos fiscalizadores do sistema tendem a “ordenar, proibir e sancionar”, a autorregulação surge para pensar na sustentabilidade econômica no longo prazo.
O primeiro código de autorregulação das entidades fechadas de previdência complementar foi sobre investimentos. Agora, a comissão mista liderada por Rauen já prepara um segundo código, que vai autorregular a governança dos processo das entidades. “Vamos analisar um conjunto de práticas para otimizar o desempenho e favorecer a sustentabilidade das entidades”, disse Rauen. A ideia, segundo ele, é proteger o “dono do negócio”, que é o próprio participante dos planos de benefícios.
Medidas implementadas – Ainda durante o Fórum, o presidente da Fundação Real Grandeza, Sérgio Wilson Ferraz Fontes, falou sobre a evolução da governança na sua entidade, tanto na parte atuarial, enfatizando os cuidados que são necessários para calcular adequadamente os passivos, como na relacionada aos investimentos, mostrando os rígidos controles sobre os ativos para evitar que os erros ocorridos no passado voltem a acontecer. “Não adianta fazer um bom programa de governança dos investimentos e blindar os recursos se, por algum erro de cálculo atuarial, a fundação tenha de fazer aportes para promover o ajuste”, afirmou Fontes. Segundo ele, erros de cálculo atuarial podem gerar ajustes que penalizarão a entidade durante vários anos. Fontes iniciou sua apresentação citando uma frase do secretário de Previdência, Marcello Caetano, segundo a qual “a governança é o meio para se alcançar os melhores resultados nos fundos de pensão”.
Entre as medidas implementadas pela Real Grandeza nos últimos anos para aprimorar sua governança, o presidente da fundação citou, no caso dos aspectos atuariais, a elaboração de relatórios mensais de monitoramento dos riscos para averiguar eventuais desvios em relação às hipóteses previamente estabelecidas e processos de seleção de profissionais qualificados por meio de empresas de ‘headhunter’. No caso dos ativos da entidade, Fontes citou a criação de manuais de conduta a serem seguidos pelo pessoal da área de investimentos e a apreciação de todas as propostas recebidas de gestoras, com a devida identificação dos proponentes. “Com a identificação que fazemos de todos que nos trazem propostas, conseguimos evitar o recebimento de sugestões ruins de investimentos”.
Métricas – A superintendente de influência e vocalização do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Valéria Café, também esteve presente na ocasião para falar sobre as métricas de governança corporativa criada pelo IBGC. Segundo ela, as métricas são ferramentas de autoavaliação que empresas podem utilizar com base em um questionário elaborado pelo instituto. “Não é um ranking, nem um selo, mas sim uma métrica de gestão”, explicou Valéria.
Para ela, os fundos de pensão podem utilizar essas métricas na hora de avaliar a governança das empresas investidas. “A avaliação passa por cinco dimensões: sócios; diretoria; conselho; conduta e conflito de interesse; e órgão fiscalizador”, destacou. Por fim, a avaliação indica como a empresa pode melhorar sua governança por meio de recomendações do próprio IBGC.