Edição 331
A próxima reunião do Conselho Nacional de Previdência Complementa (CNPC), que acontecerá dia 9 de dezembro, deve colocar em pauta um assunto polêmico que só ganhou destaque nos últimos meses porque o IGP-M e o IGP-DI, índices usados para corrigir benefícios dos planos, se descolaram da inflação e jogaram a meta atuarial de algumas fundações para as alturas. Como tais metas devem fechar o ano em torno de 30%, somando cerca de 25% dos índices + 5% de juros como ordem de grandeza, é pouco provável que as fundações consigam batê-las, criando situações de déficits que terão que ser suportados por patrocinadoras e participantes.Uma chance de evitar isso seria mudar os índices de correção desses planos, através de um pedido à Previc, conforme determina a Resolução 8. Acontece que a autarquia, a quem cabe permitir ou não tais mudanças, ao receber esses pedidos resolveu encaminhar ao CNPC uma proposta mais ampla de alteração da Resolução 8 para as fundações pudessem excluir dos regulamentos dos planos o indexador dos benefícios. Com isso, a substituição de um índice por outro seria feita internamente, como um mero ato de gestão, sem depender da chancela da autarquia.
Na última reunião do CNPC, ocorrida em julho, a Anapar, que representa os participantes, pediu vistas dessa proposta e com isso conseguiu suspender as análises e deliberações sobre ela. A entidade avalia que a exclusão do indexador do regulamento dos planos prejudicaria os participantes. “Argumentamos, em nosso voto de vistas, que contratos em vigor, como os planos de previdência complementar, têm de ser respeitados”, diz à Investidor Institucional o vice-presidente da Anapar e desde agosto o representante titular dos participantes no CNPC, Marcel Barros. “Defendemos que os índices de correção constem obrigatoriamente dos regulamentos dos planos de benefícios, assim como as proporções contributivas de participantes e patrocinadores”.
Nessa mesma reunião, o presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Luís Ricardo Marcondes Martins, votou a favor da mudança. “Numa relação tão longeva, de trinta a quarenta anos de acumulação e outros tantos de recebimento de benefícios, como acontece nos planos previdenciários, muitas oscilações podem acontecer e o plano deve ter flexibilidade para buscar seu reequilíbrio”, diz. “Eu respeito a Anapar mas discordo da posição dela, acho que o índice não deve fazer parte do regulamento dos planos e sua mudança, quando necessária, deve ser feita diretamente pela entidade sem depender do aval da Previc”.
A posição da Abrapp, segundo o voto de Martins na reunião do CNPC de julho, é de que as mudanças não podem suprimir os reajustes dos planos, devendo garantir, sempre, algum tipo de recomposição de valores aos planos. Além disso, devem ser baseadas em estudos técnicos discutidos e aprovados nos canais internos da entidade, inclusive no seu Conselho Deliberativo, a quem caberia a palavra final. “Teriam que respeitar todos os ritos de tomada de decisão, a boa governança tem que funcionar”, diz Martins.
Ele acredita que manter o indexador no regulamento do plano engessa as mudanças, com prejuízos às patrocinadoras e aos participantes. “O índice a ser adotado deve ser o mais adequado ao equilíbrio do contrato, e quem mais conhece quando esse equilíbrio está sendo comprometido e precisa ser repensado são as partes”, defende Martins. “No final das contas, quando um índice prevê um reajuste irrealista e o plano entra em déficit, tanto a patrocinadora quanto os participantes pagam, pois os aportes adicionais vão para ambos”.Uma das entidades mais prejudicadas pela disparada do IGP-DI neste ano é a Vivest, antiga Fundação CESP, cujos planos são corrigidos por esse indexador. A inadequação desse índice para reajustar pagamentos de benefícios previdenciários é um tema discutido há tempos pelo mercado, com maior ênfase desde 2008 quando o Tesouro anunciou a decisão de não mais emitir títulos indexados a esses índices, as NTN-Cs. Era claro o risco de futuro descasamento entre ativos e passivos, que se agravaria à medida em que os títulos em carteira se aproximassem das datas dos vencimentos. Sem poder adquirir novos lotes para lastrear as carteiras de investimentos, muitas EFPCs trataram de abandonar esses indicadores. “Hoje, segundo dados da Previc, apenas 7% dos benefícios pagos pelo sistema de previdência complementar fechada ainda são indexados pelo IGP-M ou pelo IGP-DI, sendo que metade deles está na Vivest, ou seja, somos um caso isolado no sistema”, conta o presidente da Vivest, Walter Mendes.
A Vivest começou a pensar em mudar seu indexador de IGP-DI para IPCA entre 2010/2011, mas não houve consenso nos comitês gestores e a discussão foi interrompida até 2018, quando o tema foi retomado. Em 2019 dois comitês gestores aprovaram a proposta de mudança do índice e a seguir ela foi ratificada pelo Conselho Deliberativo, que a encaminhou à Previc no início deste ano. Agora, com direcionamento da questão para o CNPC, que vai deliberar sobre uma nova Resolução 8, a entidade está na expectativa.
Segundo o presidente da Vivest, Walter Mendes, a troca do indexador dos benefícios da fundação é fator determinante para a sustentabilidade e o equilíbrio dos seus planos de previdência. “A proposta é na verdade parte do dever fiduciário dos gestores da entidade, procurando reduzir a possibilidade de prejuízos futuros aos participantes e às patrocinadoras”, afirma ele.
Uma mudança nos índices, mesmo aprovada agora, não eliminaria o impacto inevitável sobre os planos de benefícios da Vivest neste ano, mas poderia reduzir o risco de futuros descasamentos entre ativos e passivos a partir de 2021. Estudos e argumentos técnicos embasaram todas as discussões sobre o assunto na entidade, desde 2010, sempre com a preocupação de reduzir os riscos de gestão a longo prazo, ressalta Mendes. Em 2020, a explosão do câmbio e de outros elementos que pesam no IGP-DI, com uma alta que deverá ultrapassar os 20% e levar a meta atuarial da fundação para algo perto de 31%, serviu apenas para concretizar o risco que a entidade antevia há uma década.
Mendes lembra que o descasamento parcial que já existe entre os investimentos e o pagamento de benefícios aumentará significativamente com o vencimento de uma grande quantidade de títulos atrelados ao IGP-DI em abril de 2021, o que torna a alteração do índice ainda mais urgente. “Em abril vencerão R 8 bilhões em títulos indexados ao IGP-DI e, se nada mudar, teremos que reinvestir esses recursos em papéis atrelados ao IPCA, ampliando o descasamento; é triste olhar para trás e ver que esse risco poderia ter sido evitado em 2011 caso o assunto tivesse sido tratado com uma visão de longo prazo”, lamenta Mendes. Além do lote que vencerá em abril do próximo ano, há outro para vencer em janeiro de 2031.
Segundo Mendes, a proposta de excluir o indexador do regulamento do plano faz todo sentido. “É melhor não explicitar isso no regulamento, facilitando assim eventuais alterações no futuro”, acredita Mendes. De acordo com o executivo, a proposta tem forte embasamento legal, além de técnico, já que o indexador em si não é considerado um direito adquirido dos participantes, segundo parecer emitido pelo STJ em 2015 e referendado por parecer da Procuradoria da Previc, que se reporta à AGU. “A correção dos benefícios sim é direito adquirido, mas não o índice específico que será utilizado. O parecer do STJ foi taxativo sobre isso mas alguns sindicatos e associações continuam batendo nessa tecla”.
A boa rentabilidade da carteira da Vivest neste ano, que acumulava desempenho positivo de 9,69% no ano até outubro, nem de longe se aproximará da meta atuarial que deve fica próxima de 31%. “Mesmo com um retorno comparável aos dos bons fundos multimercados, em pleno ano de pandemia e turbulência, não vamos bater a meta”, lembra o dirigente. “A situação é absurda. Por mais risco que corrêssemos, e mesmo que investíssemos 100% dos ativos no exterior, seria inviável bater uma meta em IGP-DI nessas circunstâncias”, diz.
O impacto do déficit incidirá de modo diferenciado sobre os participantes e patrocinadoras dos diversos planos da Vivest, distribuídos em três diferentes submassas. Na primeira delas está o plano BD maior, saldado. Na época do saldamento foi feito um acordo de dívida com as patrocinadoras, renegociado a cada ano dependendo de haver déficit ou superávit. Nesse caso, poderá haver eventuais aumentos das dívidas das patrocinadoras com alguns planos. Na segunda submassa está o BD menor, também saldado, em que a obrigação de um eventual equacionamento é dividida entre patrocinadoras e participantes. Na terceira submassa estão os planos de Contribuição Variável, em que o eventual equacionamento poderá trazer aumentos significativos nas contribuições dos participantes da ordem de 20% a 25%.