Holanda na berlinda | As turbulências do mercado em agosto intens...

Edição 230

No centro das controvérsias está uma mudança na maneira de calcular as necessidades atuariais, baseada não numa taxa livre de risco mas numa combinação de fatores que incluem as expectativas de retorno dos investimentos.

A idéia é promover um intenso debate num dos mais sólidos sistemas de pensões de benefício definido no mundo, ainda que esteja sofrendo de enjoos devido à volatilidade financeira mundial. Nos últimos três meses, a média de solvência dos fundos de pensão holandeses caiu cerca de oito pontos percentuais, para 102% segundo estimativas da empresa de consultoria local Aon Hewitt. Em agosto, a média de solvência caiu para 98% mas se recuperou ligeiramente no final do mês. As bruscas flutuações acrescentaram um sentido de urgência à necessidade de reformas do sistema de fundos de pensão holandês, avaliam fontes.
“Se olharmos para os EUA, os fundos de pensão estatais possuem um déficit de US$ 3 trilhões originados por erros do passado no cálculo dos passivos atuariais e no pagamento de pensões muito altas aos aposentados”, diz Theo Kocken, CEO do Grupo Cardano, com sede em Roterdã. “A Holanda irá seguir por esse mesmo caminho, se algo não for feito. Estou esperançoso de que as discussões atuais … levarão a ajustes da proposta para realmente proporcionar melhorias no sistema que temos hoje.”
Um acordo mais amplo de mudanças poderá efetivamente empurrar o gigantesco sistema holandês, de US $ 1,1 trilhões em reservas, em direção a um modelo de contribuição definida coletiva – também apelidado de “ambição definida” por alguns proponentes. “Quando os holandeses decidem fazer grandes alterações no seu sistema de pensões, o resto do mundo deveria prestar atenção”, diz Keith Ambachtsheer, presidente da consultoria de gestão de pensões KPA Consultivo, de Toronto. “As perguntas que eles estão fazendo é de como mudar o sistema para que ele continue a ser sustentável. Esta é uma luta de todos no mundo, mas os holandeses – mais do que qualquer outro país – estão tentando lidar com essas realidades de uma forma justa e transparente “.
Embora o sistema de fundos de pensão holandês seja considerado um dos mais estáveis, ele não é imune a problemas, acrescentou Jelle Beenen, que chefia a consultoria de investimentos da Mercer para a Bélgica, Holanda e Luxemburgo. “A recente crise apontou para suas vulnerabilidades, levando o público a perder um pouco a confiança no sistema. Essa nova percepção é um dos fatores responsáveis pelas negociações rumo a um novo modelo”.
As negociações que estão sendo propostas prevêem um aumento da idade de aposentadoria de 65 para 66 anos e também um teto para as taxas de contribuição. Além disso, os membros deverão desistir de uma “garantia nominal”, ou de um nível mínimo de aposentadoria que não leve em conta os pagamentos linkados à inflação. Dessa forma, os pagamentos poderão ser maiores ou menores do que os benefícios nominais, estando sujeitos às mudanças nas condições de mercado, projeções de expectativa de vida e do perfil de risco/retorno das carteiras do fundo de investimento.
Os passivos, por sua vez, “não serão baseados numa taxa de desconto livre de risco, mas a expectativa de retorno do portfólio poderá ser usada como base máxima da taxa de desconto”, indica o projeto. Os críticos argumentam que, como a proposta está escrita, os executivos dos fundos de pensões poderão ser tentados a reduzir suas responsabilidades futuras e aumentar a expectativa de retorno das carteira, através de mudanças rumo a ativos mais arriscados. “Nas companhias aéreas, calcular a altura acima do nível do mar baseada em pés ou metros não muda em nada a altura real. Acontece o mesmo com índices de cobertura: Mudar o método de cálculo não vai deixá-lo com mais ou menos dinheiro em seu fundo “, disse Toine van der Stee, CEO do Grupo Sky Blue, um gestor com cerca de US$ 19,47 bilhões em ativos sob gestão provenientes principalmente da KLM Linhas Aéreas Holandesas.
“Precisamos de reformas, mas não reformas drásticas”, diz van der Stee. Em média, os índices de cobertura dos fundos de pensão KLM caíram cerca de cinco pontos percentuais em agosto, mas todos permanecem acima do limite legal de 105% que é o limite abaixo do qual um plano entra em processo de recuperação. Nesse processo, o fundo de pensão é obrigado a eliminar riscos, aumentar as contribuições ou cortar benefícios. Como, no ambiente político atual, é mais difícil cortar benefícios ou aumentar as contribuições, as autoridades são mais propensos a eliminar riscos o que torna ainda mais difícil a recuperação, analisam as fontes.
Analistas de investimento dizem que não esperam que o acordo proposto afete imediatamente a alocação dos ativos atuais. No entanto, o quadro atual de pagamentos de aposentadorias – que desconta passivos usando taxas de juros baixas por causa da fuga das aplicações rumo à qualidade de títulos holandeses – poderia obrigar alguns fundos de pensão a significativas mudanças de alocação que poderiam machucar alguns participante, avalia Alwin Oerlemans, diretor da gestora APG.
“Se você começar a tirar o risco das carteiras, você estará efetivamente aceitando que as expectativas de retorno sejam menor”, diz Oerlemans. Mas se o desempenho melhorar, os fundos que estão na fase de desacumulação – como são hoje muitos planos holandeses – poderão se recuperar. Em comparação, um fundo que está na fase de acumulação teria uma taxa relativamente maior de contribuições e um horizonte de investimento de longo prazo para amortecer a volatilidade do curto prazo.
Além disso, segundo Jean Frijns, professor de teoria do investimento da VU University, de Amsterdã, a adição de risco em uma carteira na fase de desacumulação poderia prejudicar os participantes.
“Se você seguir uma estratégia de alto risco, não há quase nenhum ganho para os aposentados. Mas, no pior dos cenários, se (os fundos) acabam no lado errado do risco, o direito à pensão nominal terá que ser reduzida”, diz Frijns, que em 2010 dirigiu um comitê sobre reformas no sistema de pensões da Holanda, encomendado pelo Ministério dos Assuntos Sociais e Emprego.
Para o presidente da consultoria KPA, Keith Ambachtsheer, uma falha na proposta é a suposição de que “um perfil de risco coletivo” possa tomar em conta as tolerâncias de risco individuais de todos os membros, jovens e velhos. Ele propõe separar as carteiras de investimento de acordo com o perfil de risco dos participantes, criando “pools de investimento” que atendam diferentes perfis de participantes individuais.