Transparência gera valor | Adoção de governança forte pelas entid...

“Como eu posso saber se não vai acontecer comigo o mesmo que aconteceu com os participantes do Postalis?”, questiona um funcionário da prefeitura de Curitiba durante apresentação do CuritibaPrev, o plano de previdência complementar dos servidores públicos da capital paranaense, lançado em outubro do ano passado. Fraudes e desvio de recursos que desestruturaram alguns fundos de pensão, basicamente de grandes empresas estatais como os Correios, patrocinadora do Postalis, abalaram a reputação do sistema de previdência fechada e estão pesando na decisão dos funcionários das empresas de aderir aos novos planos.
Para contrabalancear essa imagem negativa, o sistema começa a investir em um conjunto de ações que formam uma política de governança. Transparência, compliance e compartilhamento de gestão são apenas alguns dos pilares dessas políticas, que prometem reduzir custos, aumentar resultados e garantir a credibilidade do sistema.
“Notamos uma mudança muito grande no comportamento das entidades de previdência complementar em relação à governança como prioridade”, observa Francisca Albuquerque Brasileiro, sócia responsável pela área de Gestão Estratégica de Recursos Institucionais da TAG Investimentos. “A transparência, o embasamento e o registro de todas as decisões, bem como sua divulgação, garantem a credibilidade das entidades”, afirma a executiva, lembrando que a resolução 4661/18, do Conselho Monetário Nacional (CMN), aumentou as exigências quanto às diretrizes de aplicação dos recursos garantidores dos planos administrados pelas EFPC.
Francisca destaca que a adoção de boas práticas de governança não se dá apenas por questões normativas ou de reputação. “Um cenário mais desafiador, envolvendo a redução da taxa de juros, também obriga à adoção de processos mais criteriosos na política de investimentos. Governança não é apenas uma questão de ser legal, mas de compromisso com retorno e com entrega de resultados”, afirma. “Juros mais baixos exigem a procura de novos ativos que levam a processo de decisão mais complexos.” Segundo ela, a resistência cultural em relação à implementação de governança vai ser vencida pela necessidade de entregar resultados financeiros. “Algumas poucas entidades que tiveram problemas elevaram a régua de todo o sistema”, ressalta.

Geração de valor de longo prazo – Segundo Henrique Trinckquel, presidente interino e diretor administrativo e financeiro da Petros, desde a deflagração em setembro de 2016 pela Polícia Federal da Operação Greenfield, que apura desvios de recursos nos maiores fundos de pensão do País, a fundação vem aprofundando medidas para aprimoramento da sua governança. “Adotar práticas de governança é um investimento que proporciona benefícios internos e externos à fundação, que impactam na geração de valor de longo prazo”, afirma. “Um sistema de governança efetivo tende a melhorar as decisões da alta gestão, com a separação mais clara de papéis e do fluxo de informações, melhor gestão dos riscos, controles internos e maior transparência.”
Trinckquel relata que, entre as medidas adotadas pela Petros, estão o fortalecimento dos processos internos de tomada de decisões, como a revisão de normas e políticas – incluindo a que institui a seleção de conselheiros externos para empresas investidas, com base em critérios técnicos –, o desenvolvimento de um programa de integridade – que envolve um Canal de Denúncias independente –, além da criação de comitês, como o de precificação, para avaliação de ativos sem valor estabelecido pelo mercado formal. Ele destaca ainda a criação de comitês de assessoramento ao Conselho Deliberativo, como o Comitê de Auditoria, e uma área dedicada à governança dentro da Secretaria Executiva, órgão diretamente ligado à presidência da Petros.
“Os casos de polícia envolvendo desvios e fraudes em fundos de pensão geraram uma grande desconfiança por parte da sociedade em relação ao sistema”, lamenta José Luiz Rauen, coordenador da Comissão Mista de Autorregulação e diretor do Sindapp, que junto com Abrapp e ICSS compõe o trio de entidades que representa o sistema de previdência complementar fechada. Em março, foi oficialmente lançado o Código de Autorregulação em Governança Corporativa, assinado pelas três entidades.
Para Rauen, os códigos comprovam a maturidade do sistema para se autorregular, “não em tudo, mas em uma grande parte dos seus processos”. Já são cinco entidades certificadas com o selo de autorregulação (Centrus, Petros, Faelba, Ecos e Previ) e outras seis já estão em processo de certificação. “Transparência, prestação de contas, equidade e compliance trazem segurança ao participante e geram credibilidade para o sistema”, ressalta Rauen. Segundo ele, a Abrapp pretende firmar um convênio com a nova agência ou autarquia de fiscalização que surgir a partir da fusão da Susep com a Previc, para obter o reconhecimento do selo. “O órgão regulador do Estado precisa reconhecer o valor da autorregulação.”
Além do selo da Abrapp, Trinckquel conta que a Petros já conquistou as certificações do Código de Princípios e Deveres dos Investidores Institucionais – Stewardship, da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), e do Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção do Instituto Ethos. “O propósito deste trabalho é deixar um legado de boas práticas à fundação, blindando e protegendo a Petros contra retrocessos e riscos que possam causar danos à sua imagem e reputação.”

Escola da patrocinadora – Quinta maior entidade de previdência do País, a Fundação Itaú-Unibanco, por outro lado, não vê como prioridade a certificação da Abrapp para garantir sua boa reputação. “A nossa governança segue a escola da patrocinadora. Todos os conceitos, parâmetros e padrões adotados pelo Itaú são replicados na fundação”, afirma Reginaldo Camilo, presidente da Fundação Itaú-Unibanco. O processo pelo qual a entidade está passando é o de estruturar sua própria política de governança com alguns ajustes em relação às práticas do Itaú, desenvolvendo identidade, código de ética, comunicação e manual de governança próprios, com diretrizes e práticas alinhadas com a sua missão.
Camilo destaca ainda a qualificação dos dirigentes e das equipes internas para atender especificamente o negócio da fundação, que é diferente do banco. “Mas aproveitamos as sinergias possíveis, como programa de combate à lavagem de dinheiro e mecanismos para avaliação e escolha de prestadores de serviço”, exemplifica.
Camilo defende a autorregulação proposta pela Abrapp, mas o novo código está sendo avaliado no Comitê de Compliance, para determinar o grau de aderência. “Há alguns detalhes a serem estudados para avaliar se vale a pena, por conta de custos e eficiências”, afirma. O presidente da Fundação Itaú-Unibanco sugere a criação de níveis de aderência ao código, para aprimorar a autorregulação. “Uma ESI [entidade sistemicamente importante] tem que ter um nível alto de governança. A nossa fundação administra 20 planos no País inteiro, enquanto outras têm apenas um plano. São níveis de exigência muito diferentes”, observa.
Para Rauen, haverá uma grande dificuldade de entidades pouco organizadas em aderir à autorregulação. “As entidades que precisarem terão consultoria gratuita na fase de mudanças, até a inscrição, para obtenção da certificação”, informa.
Francisca Brasileiro também concorda que implementar uma política de boa governança tem um custo associado. “As fundações estão buscando seu ponto de equilíbrio financeiro, como mostrou o relatório de custos administrativos das EFPC, divulgado pela Previc, demonstrando uma maturidade do sistema”, afirma. Para ela, é possível ter um processo robusto de governança sem necessariamente ter de instituir uma estrutura complexa dentro da fundação, buscando parceiros estratégicos para várias atividades, como contabilidade, administração de passivo, advisory, entre outras. “Os dirigentes têm que estar preparados para fazer o acompanhando de todos os processos, mas não com todas as atividades sendo desenvolvidas internamente.”
A terceirização com parceiros estratégicos, por outro lado, traz novos desafios para os próprios gestores, principalmente aqueles com gestão de fundos exclusivos, segundo Francisca. “O cliente deve ter acesso a todo o processo decisório, ao racional do investimento. No início, é mais trabalhoso, mas depois, não gera questionamentos. Gestor e cliente ficam alinhados, independentemente do resultado do investimento.”