Edição 91
A indústria de fundos de pensão está paralisada. Desde o último trimestre do ano passado até agora, os dirigentes de fundos de pensão e prestadores de serviços não sabem como reagir à seqüência de mudanças nas regras dos investimentos e ao aumento da idade mínima para as aposentadorias. Empresas que estudavam a possibilidade de criar um fundo de pensão para seus funcionários estão adiando a decisão.
A instabilidade de regras provoca dúvidas no mercado, pois dá origem a questionamentos sobre se as mudanças propostas são definitivas ou provisórias. “Os projetos foram todos engavetados. Não conheço nenhum plano novo que tenha entrado em Brasília neste início de ano”, revela Felinto Sernache, consultor e coordenador da área de previdência da Towers Perrin. Cerca de uma dezena de clientes da consultoria, que estudavam a implantação de novos planos de benefícios através de fundos de pensão, adiaram a decisão. Outros cinco clientes, que estavam planejando mudanças de planos já existentes, também paralisaram o processo.
Tudo começou com a ofensiva do governo e da Receita para tributar o Imposto de Renda das fundações, em meio à discussão do orçamento e do aumento do salário mínimo. Depois vieram as quedas da Resolução n.o 2.720 e do secretário Paulo Kliass. Para substituir a regulamentação, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou outra Resolução, de n.o 2.791, que ao invés de tranquilizar o mercado trouxe algumas regras que desagradaram os gestores.
A seqüência de surpresas continuou se desenrolando quando a SPC decidiu rever os critérios para a paridade e cobertura do déficit das estatais. Antes do encerramento do ano, o CMN ainda aprovou a Resolução n.o 2.810 para solucionar os erros da medida anterior.
O maior choque, porém, veio com a publicação do Decreto n.o 3.721, que aumenta a idade mínima para a aposentadoria dos planos de fundos de pensão. A idade mínima foi ampliada de 55 para 60 anos para os planos de contribuição definida e para 65 anos, nos planos de benefício definido (ler matéria na página 12). A nova regra provoca reflexos imediatos tanto nos planos já existentes como naqueles que estavam sendo desenhados pelas consultorias. “Tínhamos seis regulamentos de novos planos que seriam enviados para a SPC, mas que tiveram, em virtude da nova regra, que voltar para a análise das patrocinadoras”, afirma Valdner Conde, sócio-consultor da Atual, consultoria especializada em previdência privada.
O consultor exemplifica que uma das empresas paralisou a implantação do novo plano para discuti-lo novamente com o sindicato. As negociações entre as partes serão retomadas para que seja tomada uma nova decisão com base na nova norma. “Estamos devolvendo os processos de implantação de planos e não sabemos se as empresas irão manter a decisão de criar um plano de benefícios através de fundo de pensão”, diz Valdner Conde.
Flexibilidade – Um dos problemas apontados pelos especialistas do mercado é a diferenciação nas regulamentações dos segmentos aberto e fechado de previdência privada. “Os planos abertos contam com total flexibilidade, enquanto os planos administrados por fundos de pensão ficam cada vez mais engessados”, declara Lauro Araújo, consultor da William M. Mercer.
Por isso, quem pretendia criar um plano de benefícios para seus funcionários está adiando a decisão ou está implementando-o por meio de uma empresa de previdência aberta. “A sucessão de mudanças na regulamentação está provocando um desestímulo ao crescimento do setor de fundos de pensão”, opina o consultor da Mercer. Ele revela que a consultoria tem três clientes que decidiram paralisar os estudos de criação do plano de benefícios.
Se for mantida a diferenciação entre os segmentos, a tendência inevitável será a canalização da maioria dos novos planos para a previdência aberta, enquanto a fechada ficará estagnada. “Neste momento, a porta está fechada para os fundos de pensão. Existe um nítido incentivo para as empresas de previdência aberta, sobretudo para o PGBL”, explica Rogério Aguirre, diretor de previdência fechada do CCF.
Ao contrário do que se verificou no ínício do ano passado, quando o fundo de pensão multipatrocinado do CCF registrava a adesão de diversas novas patrocinadoras, o ritmo do começo de 2001 está totalmente desaquecido. “Recebemos nas últimas semanas seis pedidos de cancelamento de estudos de planos”, revela Aguirre. Além disso, uma das patrocinadoras do fundo está tomando a decisão de migrar o plano de benefícios para a previdência aberta. O diretor do CCF explica que instabilidade de regras para a previdência fechada está abrindo caminho para a expansão do segmento das abertas. “Nossa área comercial está registrando a procura bem maior por parte das empresas por planos do tipo PGBL do que pelo fundo de pensão”, diz. O CCF também atua na área de previdência aberta.
Gestores parados – Não são apenas as consultorias que estão sofrendo a paralisação de suas atividades. Os gestores de recursos e demais empresas que prestam serviços na área financeira e tecnológica também estão com suas áreas comerciais inertes. Nada de clientes novos. O trabalho concentra-se apenas na resolução das dúvidas e problemas dos clientes antigos. “Foram tantas as mudanças nas regras dos investimentos que estão todos aguardando a regulamentação definitiva”, afirma Gilberto Poso, diretor de operações com clientes da Lloyds Asset Management.
O maior problema é que a sucessão de alterações foi tão intensa que ninguém mais está disposto a tomar uma decisão neste momento de instabilidade. Os fundos de pensão estavam se adequando à Resolução n.o 2.720 e muitos já haviam implantado novos sistemas de gestão de recursos quando a regulamentação caiu no final do ano. Como a Resolução que a substituiu, a de n.o 2.791, trazia alguns problemas como a obrigatoriedade de aplicação dos recursos em fundos referenciados, as fundações não quiseram reverter o que havia sido mudado. “Muitos fundos de pensão e gestores haviam investido no processo de adaptação à 2.720. Foi gasto muito dinheiro sem necessidade, ainda que muitas coisas possam ser aproveitadas”, declara Poso.
Antes de encerrar o ano, o CMN trocou a Resolução n.o 2.791 pela de n.o 2.810 e deixou claro que esta seria provisória. A regulamentação definitiva está sendo preparada, devendo ser aprovada até o final de fevereiro. Por enquanto fica valendo a antiga Resolução n.o 2.324 com algumas restrições quanto aos fundos com taxa de performance, que deverá ser cobrada semestralmente. Está proibida a cobrança de taxas de performance em fundos de ações. Para os fundos de renda fixa, as performances devem ser calculadas com base na taxa Selic. “As restrições quanto às taxas de performance tiram a capacidade de criação de produtos pelos gestores. Os fundos de pensão ficam com as opções mais limitadas”, afirma Bruno Amadei, diretor comercial da BMG.
Porém, as restrições quanto às taxas de performance não são apontadas como o principal problema pelo diretor do BMG. “O principal problema é que não estamos entendendo as lógicas das mudanças e a incerteza vai tomando conta do mercado”, afirma. Bruno Amadei revela que houve redução no ritmo de negócios nos últimos meses e que os dirigentes de fundos de pensão estão adiando ao máximo todas as decisões referentes às novas mudanças na gestão dos recursos.
O fundo de pensão da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), por exemplo, estava elaborando a implantação de um novo sistema para administrar suas carteiras de investimentos. O sistema deveria entrar em funcionamento já no início deste ano, com o objetivo de adequar a gestão dos recursos à Resolução n.o 2.720. A fundação estava selecionando um custodiante central e uma consultoria de risco, mas decidiu retardar o processo de escolha devido às mudanças nas regras. “Ainda queremos implantar um novo modelo de gestão, mas devemos esperar a publicação da nova resolução”, afirma Luis Fernando Perdigão, diretor presidente da CBS, fundo de pensão da CSN.
Outra decisão que está sendo adiada é a adequação de alguns investimentos que a CBS mantém em fundos com taxa de performance. “Vamos esperar até o último minuto para tomar a decisão”, diz Perdigão. Já foram solicitados estudos sobre as mudanças nestes investimentos.
O Cifrão (Casa da Moeda) é outro fundo de pensão que também paralisou um processo de reestruturação de seu sistema de administração de recursos. O modelo desenhado previa a segregação entre as funções de administrador e gestor. “Decidimos adiar a implantação do novo sistema, mas continuamos com a intenção de mudar”, diz Ricardo Valle, diretor financeiro da Cifrão.
Turbilhão de mudanças
– Ameaça de tributação do Imposto de Renda sobre as reservas e sobre a rentabilidade dos fundos de pensão – outubro e novembro de 2000
– Queda do secretário Paulo Kliass – novembro de 2000
– A Resolução n.o 2.791 substitui a n.o 2.720 – dezembro de 2000
– A SPC e o MPAS apertam o cerco sobre as fundações patrocinadas por estatais na adequação da paridade.
– A Resolução n.o 2.810 substitui a n.o 2.791 – dezembro de 2000
– Intervenção e fiscalização em diversas fundações – dezembro de 2000 e janeiro de 2001
– Elevação da idade mínima para a aposentadoria dos planos de fundos de pensão – janeiro de 2001