Edição 353
Mandatos com menor abrangência, circunscritos à economia dos Estados Unidos e com uma trava bem definida para explorar as oportunidades nos ativos de renda fixa global investment grade, caracterizam a nova etapa da alocação internacional da Fapes – Fundação de Assistência e Previdência Social do BNDES. Desde a estreia nesse mercado, que ocorreu em 2018, a entidade tem feito ajustes graduais em sua estratégia e em 2023 dá início à terceira fase dessa evolução, que pretende garantir uma posição estratégica mais consistente com o atual cenário internacional. A mudança foi aprovada pela governança da entidade, que trata agora de refazer os seus atuais mandatos de investment solutions de modo que eles reflitam a nova orientação.
O modelo original, de 2018, que era restrito aos fundos exclusivos locais que aplicavam em gestores internacionais, havia sido substituído em 2020 por mandatos mais abrangentes de solutions, em diversas geografias. A atual transição, explica Leonardo Mandelblatt, diretor de investimentos, será feita de forma suave, inclusive com a redução do número de fundos investidos, que chegavam a 38, o que ajudará a simplificar e dar maior assertividade ao acompanhamento das carteiras. “Em seguida, faremos um ajuste fino dentro desse contexto para calibrar o tipo de empresas a que a carteira estará exposta. Queremos fazer um flight to quality dentro do flight to quality da economia americana”, diz. O objetivo, depois de refazer os mandatos, é ir sofisticando aos poucos em classes de ativos e geografias, mas sem perder a assertividade.
Além disso, houve também uma redução no percentual de exposição total da carteira ao exterior, o que não reflete uma descrença na diversificação global, diz o diretor, até porque ela oferece uma expectativa de retorno relevante, permite capturar macro tendências setoriais e traz os benefícios da descorrelação com os ativos locais. Ainda que no ano passado, por conta dos movimentos abruptos dos mercados, o exterior tenha tido a pior rentabilidade do ano entre as diferentes caixinhas de alocação da entidade, é preciso olhar para uma janela um pouco maior para ter ideia dos ganhos.
O retorno acumulado desde 2020 pela Fapes com a sua alocação internacional foi de 13,91%, acima portanto da meta atuarial acumulada de 12,14%. “Tivemos esse retorno mesmo considerando o desempenho fraco de 2022. O exterior funciona como um seguro contra a volatilidade da carteira local e protege os nossos balanços contra variações”, ressalta. Apesar dessa convicção, o dilema da gestão, no final do dia, é sempre uma conta de soma zero e a entidade quer continuar a aproveitar a oportunidade excepcional de ganho oferecida pelos títulos públicos federais – NTN-Bs- longos, o que exige realocar parte dos recursos que estavam em exterior para a compra desses papéis, marcados na curva, para blindar o balanço. “Nosso plano principal é de Benefício Definido e os títulos públicos garantem o casamento perfeito tanto em duration como em taxas, então estamos aproveitando desde setembro de 2022 essa janela para comprar papéis, principalmente na curva, o que é o melhor dos mundos”, explica.
Por conta disso, a fundação, que em anos anteriores já chegou a ficar desenquadrada por ultrapassar o limite máximo de 10% dos seus ativos alocados em exterior, havia reajustado esse percentual para 9% mas tem recuado para o patamar de 6%. Até novembro de 2022 havia R$ 999 milhões alocados, o que na época correspondia a 6,9% da carteira total da entidade, percentual atualmente reduzido para 6,5%. Os recursos estão divididos entre três gestoras: Schroders (38%), Aberdeen (31%) e Franklin Templeton (Legg Mason) também com 31%. As três casas continuam com os mandatos, mesmo porque sua seleção foi fruto de um processo cuidadoso desde 2020 e elas tiveram boa atribuição de performance, segundo Mandelblatt.
Em setembro de 2022, quando assumiu a diretoria de investimentos, Mandelblatt lembra que já havia um amadurecimento dessa área e estrutura de governança necessária para recalibrar a estratégia frente à nova conjuntura dos mercados. “Nesses dois últimos anos, houve mudanças transformacionais no mercado lá fora, que saiu de juro zero ou negativo para um forte ciclo de alta. Houve um cavalo de pau na economia dos EUA, os efeitos da pandemia, da guerra entre Rússia e Ucrânia e os consequentes remédios adotados pelos bancos centrais, que impactaram preços de c ommodities e todos os mercados”, afirma.
A renda fixa global, uma classe que era considerada quase como “não investível” até então, passou a ser reconsiderada depois da elevação dos juros. “Hoje temos renda fixa com bonds de primeira linha que pagam 5% ao ano, então era necessário fazer uma reflexão para mudar nossos mandatos”, avalia. Os novos mandatos serão carimbados com uma trava de 30% a serem alocados em renda fixa e poderão investir 70% em renda variável mas, nessa classe, sairão do indexador MSCI World para o S&P para que a exposição seja efetivamente direcionada para os EUA. Ele lembra que o índice S & P tem garantido retorno de 10,4% a.a. ao longo dos últimos dez anos, ou seja, é a economia que dá maior segurança e funciona como porto seguro, enquanto outras sofrem com maior número de incertezas.
Depois de agir preventivamente contra os efeitos desfavoráveis do cenário global e reduzir em 90% sua exposição internacional logo no início de janeiro do ano passado, a Vivest mantém hoje apenas 1,6% de sua carteira total alocada nesses ativos e não tem apetite para elevar esse percentual ao menos num horizonte de seis meses, até porque segue com uma estratégia de investimentos conservadora no atual cenário de juros elevados e incertezas. A rentabilidade da carteira de exterior foi negativa em 2022, com uma perda de 19,4% em dólar. “Se considerarmos o S&P 500 em reais, foi uma desvalorização de pouco mais de 24%, mas o fato de termos apenas 1,6% dos recursos investidos mostra que a venda feita em janeiro de 2022 ajudou muito”, diz Jorge Simino, diretor de investimentos.
Exterior foi a carteira que mais perdeu em reais frente ao benchmark, mas os ganhos com os fundos de ações globais em 2021 haviam chegado a 26% e compensaram essa perda. “No resultado somado dos dois anos, podemos dizer que ganhamos “de balde” – tivemos 26% de retorno em 2021, quando 14% dos recursos totais da fundação estavam aplicados em exterior – e perdemos “de canequinha” em 2022, com o resultado negativo de 24% para uma parcela de apenas 1,6% dos recursos aplicados”, avalia.
Daqui para a frente, não há apetite pelos mercados internacionais frente a duas preocupações básicas. “A média das estimativas do mercado aponta que o Federal Reserve irá interromper a alta do juro dos títulos do Tesouro quando estiver no patamar de 5% e depois começaria a fazer cortes. Eu fico alinhado com a outra corrente do mercado,que aposta numa alta dos Fed funds até 5,5% e sem cortes este ano”, diz.
O segundo ponto de atenção está ligado às projeções de lucros para as empresas que compõem o S&P 500 e que embutem uma expectativa de aproximadamente 10% crescimento nos lucros em relação a 2022. “Acreditamos que o banco que mais vocaliza uma expectativa diferente, o Morgan Stanley, está correto, e que haverá uma queda de 5% nos lucros, então há muita diferença entre as duas projeções”, adverte. A estimativa de queda está alinhada à expectativa de uma recessão global no segundo semestre deste ano, enquanto as projeções mais otimistas não vêem recessão e apostam num pequeno aumento dos lucros. “Eu creio que a visão de recessão, no mais tardar no quarto trimestre deste ano e que continuará em 2024, é a abordagem mais consistente, então dá para esperar mais um pouco antes de pensar em voltar a investir de modo mais significativo no exterior este ano, pelo menos nos próximos seis meses”, diz.
Além das incertezas quanto ao cenário global, ele lembra que o juro real doméstico de 6% a 7% não favorece a compra de ativos de risco lá fora em ambiente de incertezas elevadas. “Para que fosse vantajosa essa diversificação, teria que haver um grau muito baixo de incerteza”, afirma. A estratégia, portanto, é manter a alocação externa no atual patamar, até porque desinvestir traria um problema operacional e gastos duas ou três vezes maiores em governança, burocracia, custodiantes e outros. Há todo um circuito operacional; burocrático e regulatório para desinvestir, que leva de dois a três meses e outros tantos para voltar a investir mais adiante, então é preferível manter.
A alocação em exterior da Fundação Copel teve início em maio de 2021, em processo robusto montado com três gestores e, no início do ano seguinte, quando a inflação levou à abertura das taxas de juros globais, com impactos negativos sobre os ativos, a decisão foi por manter o posicionamento, então equivalente a 10% de seus ativos totais. “Nós mal tínhamos começado a investir e continuamos posicionados, mas os retornos de MSCI e S&P não foram positivos no ano passado. Não fizemos resgates mas também não fizemos novos aportes de recursos e estamos com apenas R$ 205 milhões investidos”, diz José Carlos Lakoski, diretor financeiro. A entidade segue cautelosa em relação ao cenário externo e mantém apenas uma alocação estratégica. Os recursos alocados em exterior representam hoje 9% dos ativos dos planos CD (plano família e a parte CD dos ativos), do plano 3 e do plano CV.
Os recursos estão aplicados em três estratégias diferentes das casas Schroders, Man Group e Wellington – Compass. Uma delas, um fundo que faz ajustes sistemáticos, aloca em várias classes incluindo equities, bonds, commodities e títulos atrelados à inflação. A segunda é uma estratégia de total retorno em ações e bonds e a terceira investe mais em renda fixa high grade mas também em equities. Ao todo, o objetivo é manter uma carteira bem pulverizada e diversificada entre classes e geografias. A rentabilidade nominal, que havia sido positiva em 7% em 2021, foi negativa em 14% no ano passado.
“Nossa decisão foi por não sair queimando posições, mas talvez seja necessário reduzir um pouco essa exposição este ano por conta do reenquadramento decorrente da privatização da patrocinadora e que deverá trazer, no segundo semestre, um grande número de Programas de Demissão Incentivada (PDI), com muitas aposentadorias no plano CD, de onde vêm 95% dos recursos que estão investidos no exterior”, diz. Apesar dessa eventual adequação, Lakoski lembra que a entidade não pretende “jogar a toalha” em relação ao investimento no exterior, alternativa de diversificação que faz todo sentido.
Na Forluz, que chegou a ter perto de 4% de seus ativos totais aplicados no exterior em 2021, o ano passado foi de redução gradual dessa exposição até chegar a menos de 2% dos ativos no fechamento de 2022. O movimento foi feito nos três planos de benefícios e seguiu uma estratégia motivada por fatores ligados ao cenário local e internacional. “No ambiente externo, houve o impacto do conflito entre Rússia e Ucrânia, assim como a elevação da inflação e o risco de recessão, enquanto no cenário local também tivemos a elevação da inflação e dos juros. Tudo isso somado tornou mais complexo o interesse por investimentos de risco”, conta Emílio Cafaro, diretor de investimento e controle.
Nesse ambiente de menor apetite ao risco, a fundação precisou realocar recursos devido à migração dos participantes entre os perfis de investimento do seu plano que tem maior liquidez e que registrou a saída de recursos dos perfis mais arrojados para os mais conservadores. “Essa migração levou a uma redução da parcela de renda variável e, até para rebalancear a carteira, tivemos que mexer no investimento em exterior, que fechou o ano com com um volume equivalente a menos de 2% do nosso patrimônio total”, afirma. Parte desses recursos está alocada por meio da carteira própria da fundação, com 19% em renda fixa, 37% em multimercados e 43% em equities, e outra parte por meio de um fundo de fundos (FoF).
A menor exposição ajudou a amenizar o efeito da rentabilidade negativa registrada pelo investimento internacional e o impacto sobre a carteira total foi pequeno. Entre 2022 e 2023, com o juro ainda elevado, incertezas fiscais no Brasil e dúvidas sobre a recessão no exterior, ainda não há convicção sobre o momento certo para voltar a elevar a alocação internacional. “Essa é uma alternativa de investimento estruturalmente importante p ara nós, mas por enquanto não há convicção suficiente para retomar, o que vai depender do juro ceder lá fora e de haver maior transparência sobre a economia no Brasil, incluindo questões como a da reforma tributária”, diz. A perspectiva será melhor definida ao longo do ano, com maior probabilidade de alguma mudança a partir do segundo semestre.
A Prevcom -Fundação de Previdência Complementar do Estado de São Paulo – fechou 2022 com uma redução de sua exposição aos mercados internacionais, que caiu de 5% para 2% dos ativos totais, informa Francis Nascimento, diretora de investimentos. “Ouvimos gestores e consultores e acreditamos que ainda haverá grande volatilidade nos mercados, o que nos levou a decidir manter uma postura conservadora”, diz.
A entidade zerou posição em uma das duas estratégias que mantinha em exterior, ambas exclusivamente de renda variável. “Foi um ano complicado e zeramos a carteira de EUA porque não estava seguindo o mandato para papéis americanos, além de estarmos com uma participação grande no fundo local”, explica. O que mais pesou, contudo, foi a decisão de manter o foco em renda fixa local, que representa atualmente 92% dos investimentos totais da entidade incluindo crédito privado e estruturados (multimercados e FIPs), sem buscar maior percentual de risco. “Estamos conservadores no momento e não vemos espaço para aumentar posições no exterior a curto ou médio prazo diante da volatilidade dos mercados aqui e lá fora”, afirma.