Edição 284
A Previc tem mudado seu foco de fiscalização sobre os fundos de pensão, buscando uma abordagem menos reativa e mais preventiva. Para evitar investimentos mal sucedidos e problemas de governança, a autarquia tem feito cada vez mais questionamentos e apontamentos em suas fiscalizações sobre o processo decisório dos fundos de pensão, principalmente sobre suas aplicações.
“O nível dos questionamentos da Previc sobre as decisões de investimentos vem aumentando, o que pode evitar operações inadequadas. A fiscalização dessa forma é mais efetiva do que tentar remediar e punir algo que já aconteceu”, diz Evandro Oliveira, líder de previdência da consultoria Willis Towers Watson.
Os fundos de pensão protagonizaram muitas manchetes negativas devido a aplicações que causaram grandes prejuízos e escândalos de corrupção no passado recente. Tanto que parte deles culminou em uma Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI) para apurar aplicações suspeitas de fundações de empresas estatais. O processo terminou, neste ano, com o indiciamento civil e criminal de pessoas ligadas a fundos de pensão, instituições financeiras e empresas de consultoria e auditoria, além de cobrar providências para cobrar judicialmente o ressarcimento de perdas. Antes desse caso, não foram poucos os fundos de pensão que reportaram prejuízos e engrossaram as filas de credores de bancos que tiveram liquidação extrajudicial decretadas pelo Banco Central nos últimos anos, como BVA, Rural e Cruzeiro do Sul.
“Nos últimos dois anos tivemos um processo de intensificação e de revisão do modelo de supervisão baseado em risco, principalmente com foco na prevenção. Se formos bem sucedidos, vamos evitar que ocorram problemas ou vamos identificá-los quando eles ainda estiverem nascendo, podendo tratá-los ou mitigá-los antes que se tornem mais relevantes”, afirma Sérgio Djundi Taniguchi, diretor de fiscalização da Previc. “Acreditamos que vamos criar um modelo em que teremos um número muito menor de situações para serem averiguadas, com muito menos questões de compliance a serem auditadas no futuro.”
Há uma preocupação maior da fiscalização para entender o processo de seleção dos ativos, sejam eles geridos pelo próprio fundo de pensão ou de forma terceirizada. Nos casos de gestão própria, a Previc quer saber qual é o modelo usado, como e com qual profundidade as aplicações são analisadas e como os riscos são medidos e reduzidos. No caso de gestão terceirizada, a autarquia quer saber como é feito o acompanhando do gestor.
E não escapam do crivo nem aplicações de baixo risco. “Mesmo em títulos públicos, é preciso saber e entender qual é a estratégia da entidade para a alocação de determinados ativos. Os títulos públicos têm prazos diferenciados de vencimento. Qual é a estratégia adotada pela entidade? Ela pensou em uma estratégia? Há uma lógica para concentrar aplicações em papéis com vencimento em um determinado ano? Isso está casado com o seu passivo?”, conta Taniguchi.
Área de inteligência – A supervisão ganhou um reforço com a criação de uma área de inteligência, que tem como objetivo antecipar e evitar situações de risco. A área foi criada devido a necessidade de trabalhar de forma mais inteligente e integrada o grande volume de informações que a Previc recebe das próprias fundações e de outros órgãos públicos. O objetivo aqui não é apenas identificar irregularidades, mas também comportamentos para orientar a fiscalização e a regulamentação do setor.
Para viabilizar uma atuação preventiva a costura de convênios com outros órgãos reguladores é fundamental. O convênio mais recente foi fechado com o Banco Central, no início deste ano, e permite o cruzamento de informações. Dessa forma a Previc consegue ter uma visão mais ampla das operações financeiras realizadas pelos fundos de pensão. É possível, por exemplo, verificar se uma determinada operação que uma entidade estiver estruturando – uma informação detida pelo BC – é compatível com o que é previsto em sua política de investimentos – documento que a Previc possui.
A Previc passa a ter acesso a informações detalhadas sobre determinadas operações financeiras, como taxas, prazo, emissor, distribuidor e agência de classificação de risco. Essas informações são cruzadas com um histórico e, a partir dessa comparação, é possível saber se a operação tem características dentro das ofertadas pelo mercado e, assim, deduzir se tem maiores ou menores chances de gerar prejuízo. Em diversos investimentos mau sucedidos do setor no passado era possível identificar a atuação em comum de algumas empresas de gestão e estruturação de operações, bem como de agências de rating. A Previc não tem o poder de vetar essas operações, apenas alertar as fundações sobre o risco envolvido. O mais provável, porém, é de que o gestor não vá em frente em um negócio sobre o qual o regulador já esta sob alerta. Há relatos no setor sobre operações que já foram abortadas depois dessa abordagem da Previc.
Segundo Taniguchi, a autarquia está conversando com outros órgãos para estabelecer cooperação e troca de informações, entre elas a Receita Federal, o Sistema Especial de Liquidação e de Custodia (Selic) e a Controladoria Geral da União (CGU).
O modelo de supervisão preventivo, porém, não se restringe apenas a área de investimentos, mas aborda também as questões atuariais, de benefícios e de governança. “É um modelo em que queremos ter um raio-X da entidade, entender os seus processos, entender os seus modelos de trabalho, para que como órgão de supervisão possamos ajudá-las a ter um modelo de gestão baseada em risco, de forma que minimize ou mitigue os riscos a que ela está exposta”, afirma o diretor de fiscalização da Previc.
Dentro do modelo de supervisão baseada em risco é feita uma análise dos planos e uma avaliação dos riscos a que eles estão expostos. “Uma fundação com patrocinador público tem riscos diferentes de uma entidade com uma patrocinadora privada, que são diferentes ainda dos de uma entidade multipatrocinada”, afirma Luciana Dias Prado, sócia do escritório de advocacia Mattos Filho. Ela observa que fundações públicas podem ter problemas de ingerência política, o que não ocorre com as privadas, enquanto os multipatrocinados precisam observar questões de representatividade na composição de seus conselhos e diretoria.
As diferenças dos riscos também devem ser levadas em consideração de acordo com a modalidade dos planos. Enquanto um plano de benefício definido (BD) tem riscos mais voltados a solvência, os planos de contribuição definida (CD) tem riscos mais focados na governança. “Não faz muito sentido analisar a questão da longevidade em um plano CD, por exemplo, que tem contas apartadas para cada participante”, diz a advogada.
Mapeamento de risco – O que se percebe pelas ações da Previc é que ela fez um mapeamento de risco dentro do sistema, de acordo com o porte e o histórico da fundação. A partir daí, estabeleceu um contato mais próximo com essas entidades. É o caso do fundo de pensão dos funcionários do Metrô, o Metrus, que reportou perdas com operações estruturadas e com títulos de bancos liquidados nos últimos anos.
“Em situações particulares, devido ao porte ou problemas passados, a Previc tem adotado um contato mais próximo. No nosso caso, ele tem se dado com uma presença mais efetiva de técnicos em contato com os conselheiros e gestores da fundação”, diz Rubens Scaff, presidente do Metrus que assumiu o cargo há seis meses. Ele relata que mais do que a solicitação de informações, a Previc tem mantido conversas para entender os processos de governança da entidade e dar orientações. Também no sentido de aprimorar a governança, a fundação está alterando seu estatuto para a criação de uma diretoria de investimentos – hoje a estrutura da diretoria é constituída pela presidência, área administrativo financeira e a de benefícios.
Mas não é só a Previc que tem subido a régua nos controles do setor. Patrocinadoras e participantes estão mais ativos na supervisão de seus planos. “Um movimento que temos notado é que empresas, principalmente multinacionais que mantêm planos em entidades de previdência multipatrocinadas, têm se preocupado com os processos de governança devido à crise e aos escândalos de corrupção recentes no país de uma forma geral”, relata Ana Maria Martin, consultora jurídica sênior da Mercer. Na outra ponta, os participantes têm se mostrado mais ativos, ainda mais depois que vários reportaram déficits e aumentaram as contribuições para equacioná-los.