Edição 234
A Eletra – Fundação Celg de Seguridade Social está dando os primeiros passos rumo ao mercado internacional. A entidade incluiu, em sua política de investimentos para 2012, um percentual dedicado a aplicações no exterior. A intenção é preencher os 3% liberados para o segmento ainda no decorrer deste ano.
Sandro Rogério Lima Belo, diretor administrativo-financeiro da entidade, afirma que a Eletra decidiu colocar um limite de 3% para aplicações no exterior em sua política com o intuito de ter contato com esse segmento. “Não que o percentual seja relevante, mas preferimos levar esse número para apreciação do conselho porque acreditamos que é bom se familiarizar com essa modalidade de investimento. Até porque entendemos que uma estratégia que faz sentido do médio prazo em diante é ter uma posição significativa da carteira em ativos no exterior”, justifica o diretor.
Belo detalha que a Eletra deve estrear no segmento fazendo investimentos em renda variável. “Nossa aposta será focada em empresas com atuação em consumo e serviços. Já estamos em contato com duas gestoras que nos apresentaram produtos cuja tese de investimento se baseia na continuidade do crescimento do consumo no âmbito dos Brics [Brasil, Rússia, Índia e China]”, diz ele, acrescentando que a estratégia dos fundos em questão tem como alvo final empresas que se beneficiam desse movimento.
Uma definição sobre se esta já é ou não a hora de dar início às aplicações deve acontecer em meados de março, quando ocorre a reunião do comitê de investimentos e do conselho deliberativo da fundação. “Queremos pelo menos fomentar a discussão. Se olharmos a média do sistema brasileiro de fundos de pensão, o investimento em ativos no exterior é quase nulo, bem diferente do que acontece em outros países. Será que nós somos os certos e todos os outros estão errados? De qualquer forma, acho que o momento é de ao menos debatermos o assunto, para ver se a aplicação é válida agora ou se dá para esperar e se há consistência na queda da taxa de juros”, afirma o diretor. Para Belo, com o aumento da dificuldade em bater as metas atuariais, os fundos de pensão terão de buscar prêmios em outros mercados e, mais do que isso, é preciso diversificar riscos. “Investir fora é uma maneira de também não correr só o risco local de Bolsa”, lembra.
Mais simples – Viviane Werneck, consultora sênior de investimentos da Luz Engenharia Financeira, concorda que a renda variável é a grande aposta das fundações que começam a avaliar investimentos fora do País. “A taxa de juros brasileira é uma das maiores do mundo e os títulos atrelados a inflação, como as NTN-Bs, também podem trazer uma rentabilidade relativamente alta. Por isso que, na renda fixa, talvez não seja o momento de arriscar um investimento em outro país, já que por aqui há taxas boas. É possível que uma estratégia com hedge de moedas fizesse sentido, mas na minha opinião é um tanto arriscado nesse momento inicial”, observa ela.
A consultora completa que é mais fácil mensurar e avaliar o investimento em ações porque o acesso a informações das empresas é simples. Além disso, os ativos têm liquidez diária e, como são negociados em bolsa, sua cotação é de domínio público. “Investimentos de renda fixa trariam uma dificuldade adicional em termos de precificação e custódia”, adiciona Viviane.
Outro ponto é que o investidor pode acessar no exterior ações de empresas que fazem negócios no Brasil mas não são listadas na BM&FBovespa. “A Bolsa brasileira ainda apresenta um domínio das commodities. O mercado interno tem empresas e setores sem muita representatividade na Bolsa. Por isso, o investidor pode acessar em Nova York ou Londres, por exemplo, os papéis de companhias que ele conhece, sabe qual é o público, tem notícias de que estão fazendo investimentos pesados no Brasil, mas não são listadas aqui. Essa é uma forma de fazer a diversificação da carteira de renda variável da fundação”, endossa Viviane.
Terceirização – De olho nessa concentração da Bolsa brasileira, a Eletra está colocando em prática outra estratégia para diversificar suas aplicações em renda variável. Até hoje, a gestão da carteira era totalmente interna, com perfil IBrX-50 ativo. Agora, a ideia é terceirizar algo como 80% do portfólio para gestores com foco em valor e governança.
“Não faz mais sentido manter uma gestão indexada, seja ela ativa ou passiva. Acreditamos que o crescimento da classe média brasileira vai continuar, e o Ibovespa e o IBrX não refletem a dinâmica do nosso PIB [Produto Interno Bruto]. Optamos por terceirizar a maior parte da renda variável junto a gestores com estratégias de valor e governança justamente para capturar esse movimento do PIB. Porque somos otimistas em relação à economia brasileira, mas esse otimismo não se reflete nos principais índices da Bolsa”, argumenta Belo. Ele explica que, devido ao seu porte, a fundação não tem escala para manter uma equipe dedicada a fazer uma gestão diferenciada como a das assets independentes. “Essas casas têm analistas especializados, dependendo do caso participam do bloco de controle das empresas, participam do dia a dia das companhias e conseguem avaliar um número maior de ações do que nós”, compara o diretor. Segundo Belo, não muda muita coisa em termos de custos para a entidade, que na prática está trocando o que pagava em taxa de corretagem pelo que vai passar a pagar como taxa de administração. “Pode até ser que o custo fique menor”, estima ele.
Por enquanto, a ideia é que a terceirização de parte da carteira de renda variável da Eletra contemple a criação de dois fundos exclusivos, cada um gerido por uma asset independente. O processo de concorrência para escolha das gestoras começou no fim do ano passado e deve acabar agora em março. Entre os critérios para a seleção das assets estão o histórico de rentabilidade, que deve ser de pelo menos cinco anos em produtos similares ao fundo exclusivo que a entidade pretende montar; o histórico de indicadores de risco, mostrando a consistência da gestão; e a rentabilidade média real da carteira. “Colocamos um piso de INPC+15%. Se nos últimos cinco anos o gestor teve rentabilidade média inferior a isso, é desclassificado do processo. É claro que esse corte não garante a rentabilidade no futuro, mas se for o caso [de piora no desempenho], nós revemos a decisão”, avisa o diretor.
Belo comenta que, por conta do tamanho da carteira, não faz sentido, do ponto de vista de custos fixos, pulverizar muito a terceirização da gestão de renda variável da Eletra. “À medida que forem feitos novos aportes e houver um crescimento orgânico da carteira, podemos contratar um terceiro gestor para constituir mais um fundo exclusivo. Além disso, queremos usar essa terceirização para fazer alocações em fundos abertos de dividendos”, afirma Belo, acrescentando que nada impede que também sejam compradas cotas de fundos abertos focados em valor e governança. “Só não queremos fundos indexados. Podemos investir em vários tipos de produtos, incluindo os de small caps”, completa.
Na parte que cabe à carteira própria de renda variável, a parcela ativa (em torno de 70%) permanecerá com a gestão indexada e a passiva será baseada em ETFs (Exchange Traded Funds, ou fundos de índices), preferencialmente o de dividendos – o IT Now IDIV, referenciado ao Índice de Dividendos e gerido pelo Itaú.
Dos R$ 600 milhões de patrimônio da Eletra, cerca de 30% se referem a operações com a patrocinadora (dívidas); aproximadamente 30% está em renda fixa tradicional, como fundos e carteira própria de títulos públicos e de emissão privada; 15% em renda variável; 15% em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (Fidcs); e 10% em estruturados.
No segmento de estruturados, a maior parte está em Fundos de Investimento em Participações (FIPs) dedicados ao setor de energia, área de atuação da Celg, patrocinadora da Eletra. Há também fundos que investem em projetos no mercado imobiliário.
Entraves da legislação
Assim como no sistema brasileiro de fundos de pensão de maneira geral, ainda não é possível ver entre as fundações que são clientes da Luz Engenharia Financeira uma grande inclinação a já começar a fazer aplicações no exterior. “Na nossa amostra de clientes, não há um movimento no sentido de experimentar os investimentos fora do País. O que vemos é uma iniciativa das assets em estruturar produtos com esse perfil para oferecer aos fundos de pensão”, observa Viviane Werneck.
A consultora sênior de investimentos da Luz diz que algumas fundações de maior porte estão começando a estudar o assunto para diversificar o portfólio, e a movimentação só não é tão grande por conta das barreiras legais. Ela lembra que, pela Resolução número 3.792 do Conselho Monetário Nacional (CMN), uma entidade não pode deter, como cotista, mais de 25% do patrimônio de um fundo que investe em ativos no exterior. “É preciso haver pelo menos quatro fundações interessadas para viabilizar um fundo. Acredito que mais fundações poderiam apostar nesse tipo de investimento se não houvesse esse entrave da legislação. Muitas temem que, caso um dos cotistas tenha que sair do fundo por algum motivo, elas sejam obrigadas a desmontar a estratégia. Esse é um grande problema”, aponta Viviane.
Outro motivo que inibe o investimento no exterior – e que segundo a consultora tem grande influência sobre as decisões dos clientes da Luz – é o tamanho das oportunidades ainda disponíveis no mercado brasileiro. “Trabalhamos com fundações com patrimônio entre R$ 200 milhões e R$ 4 bilhões, principalmente de patrocínio privado e multinacional. São patrocinadoras com matriz lá fora e, por conta disso, os executivos têm a visão de que os juros no Brasil ainda são muito elevados. Nós não estamos acostumados com juros na casa de um dígito, mas para eles isso é normal. Por isso, na visão deles ainda não faria sentido sair daqui para investir lá”, afirma ela.