Efeito manada veio antes | Saques nos fundos geridos pela institu...

Edição 153

Se às vésperas da intervenção do Banco Santos o saque de R$ 2 milhões feito pelo presidente do Senado José Sarney (PMDB) surpreende, o que dizer então de outros R$ 60 milhões que sangraram dos fundos administrados e geridos pela instituição em apenas sete dias úteis de novembro? Ou dos R$ 333 milhões que já haviam abandonado o barco ao longo do mês anterior, alar-deando para os técnicos do Banco Cen-tral (BC) que a informação privilegiada de alguns já tinha, e há muito, sido compartilhada entre vários?
Não fosse assim, a instituição de Edemar Cid Ferreira não teria ficado sem liquidez já um dia antes da sua intervenção, em 12 de novembro. Quem correu para lá no dia 10 comprou o bilhete e perdeu o bonde. Em outras palavras, pediu o resgate das cotas e na manhã seguinte não viu um tostão: dia 11, segundo dados enviados à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), nada mais pôde ser retirado dos fundos do Santos, em uma clara demonstração de que foi preciso estourar o sinal vermelho para que uma faixa amarela finalmente lacrasse a instituição na noite de sexta.
Sarney, amigo pessoal do mecenas Edemar, foi um, apenas um, dos 967 atentos cotistas dos fundos do Santos que deram outro rumo para suas aplicações entre setembro e novembro. Não era para menos. Quem acompanhava de perto os números da instituição não precisava consultar uma agência de rating ou jantar na mansão cinematográfica de R$ 50 milhões de Edemar para supor que a quebradeira era uma questão de tempo. Pouco a pouco, os saques foram superando as captações até que, em novembro, o patrimônio dos 54 fundos administrados e geridos pelo Santos, somados, apresentou pela primeira vez uma perda de R$ 27,8 milhões.
Esses 54 fundos detêm pouco mais de R$ 2 bilhões. Destes, pelo menos R$ 262 milhões são pertencentes a fundos de pensão de empresas de energia e R$ 140 milhões, de fundações de bancos estaduais – os dois grupos mais “assí-duos” da instituição. Outros R$ 359 mi-lhões são provenientes de diferentes tipos de fundos de pensão e cerca de R$ 900 milhões estavam em fundos abertos, dos quais participavam quase 2,6 mil cotistas. Havia, ainda, mais R$ 360 milhões distribuídos por 14 cotistas não informados publicamente pela instituição e outros R$ 9 milhões em fundos voltados para os seguros de previdência aberta do próprio Banco Santos.
Entre os fundos de pensão que tinham recursos em fundos exclusivos na instituição estavam o Bases (Banco Baneb), Capof (Banco do Estado do Maranhão), Centrus (Banco Central), Ceres (Sistema Embrapa e Embrater), Eletra (Celg), Elos (Eletrosul), Fapa (Emater do Paraná), FIPECq (Finep, Ipea, CNPq, Inpe e Inpa), Fundação Alpha (empresas de Curitiba), Fusan (Sanepar), Geap (INSS), Marisol Seguridade (Marisol), Previg (Tractebel Energia), Real Grandeza (Furnas) e Regius (Banco de Brasília). Fundações como Núcleos (Eletronuclear) e Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento) aplicavam em fundos apenas administrados pelo Santos – estes somavam 22 fundos com patrimônio de R$ 536,5 milhões.
Levantamento da Secretaria de Previdência Complementar (SPC), entretanto, informa que 41 fundações tinham dinheiro no Banco Santos, entre elas fundos como Funcef (Caixa), Fibra (Itaipu), Postalis (Correios), Infraprev (Infraero) e vários institutos próprios de previdência de estados e municípios. Ainda de acordo com a SPC, as entidades fechadas perderam cerca de R$ 625 milhões na instituição, o que representa 0,25% do patrimônio total do sistema. “Do ponto de vista de risco sistêmico, esse valor não é relevante”, afirma o titular da pasta, Adacir Reis.
Grande parte desse valor foi provi-sionado no balanço dos fundos de pensão, entretanto somente aqueles que aplicavam em papéis da instituição – como Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) e Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) – deverão ter perdas. Um dos casos mais graves é o do fundo Santos Credit Yield (condomínio aberto), que aplicava 90% do patrimônio de R$ 600 milhões em CCBs do Santos. Este, aliás, foi um dos fundos em que houve grande retirada às vésperas da intervenção: 37 cotistas resgataram mais de R$ 30 milhões só em novembro.
Para os demais fundos, uma troca de gestor e administrador deverá ser o maior desgaste – até porque os recursos depositados nos fundos de investimento não se confundem com o patrimônio da instituição. Isso, se não se confirmarem as suspeitas da CVM de que as cotas dos fundos do Santos não foram precificadas corretamente. Caso contrário, ou seja, se as cotas estiverem superavaliadas, aqueles que resgataram antes causaram um prejuízo ainda maior do que o imaginado para os cotistas que ficaram.
Segundo o gerente de acompanhamento da CVM, Luiz Américo, a autarquia deve apresentar conclusões sobre a situação dos fundos do Santos até o final do ano. “Alguns fundos farão cisão para separar a parte contaminada da boa, que poderão resgatar. Outros fundos estão sadios. Outros têm uma parcela pequena de papéis do Santos e os casos mais graves têm quase a totalidade do fundo aplicada em ativos ilíquidos e contaminados pela instituição. Nestes casos, cada fundo de pensão deverá deliberar em Assembléia se liquida o fundo e provisiona os ativos”, diz, ressaltando que esses casos são poucos, mas com volumes expressivos.
O executivo informa que a CVM está estudando os resgates feitos nos fundos, mas ainda não dá para emitir uma opinião conclusiva a respeito. “A princípio, a CVM não tinha visto anormalidade alguma. Tem muito fundo cujo movimento é cíclico mesmo. Não acho que houve antecipação do problema. Os cotistas foram surpreendidos pela intervenção”, diz.

Abrindo a porteira – Agora, problema mesmo são os resquícios que so-braram para os bancos de pequeno e médio portes. Vários fundos de pensão já zeraram suas posições nessas insti-tuições com medo de que elas venham no vácuo do Santos. Não é para menos: a agência de classificação Moody’s colocou sob revisão, para possível rebaixamento, os ratings dos bancos Rural, Fibra e Indusval Multistock.
E a Fitch, no final de novembro, também afirmou ver riscos acentuados, embora gerenciáveis, de que a desconfiança gerada pelo Santos tivesse impacto sobre as operações de bancos pequenos e médios. A agência, inclusive, já rebaixou para negativo o rating de longo prazo do banco Brascan. Além disso, analistas do setor saíram por aí afirmando que o risco de insolvência estaria beirando de 25 a 30 instituições desse porte.
Para quem aplicou no Santos com base em relatórios favoráveis de agências de rating – como a Austin Rating e a Lopes & Filho –, esses pareceres tornaram-se completamente descartáveis. Afinal, não é a primeira vez que analistas de riscos reagem às próprias falhas com ataques preventivos. Vide o caso das crises da Ásia, em 1997, e do México, em 1994. Entretanto, como as reações de mercado ocorrem no boato e não no fato, a precaução falou mais alto e a preferência, agora, racional ou não, recai mesmo nas instituições aparentemente mais sólidas.
A FIPECq confirma que saiu de toda a posição agressiva do fundo. “Não trabalhamos mais com bancos pequenos e médios. Zeramos tudo e vamos ficar assim por um bom tempo”, diz um representante da fundação que preferiu não se identificar. O fundo de pensão tinha aplicação em cerca de cinco a dez instituições pequenas. No Santos, ela aplica no fundo Santos Protecq, que tem um patrimônio de R$ 13,7 milhões.
Igual caminho será percorrido pela fundação Eletra. De acordo com seu diretor administrativo e financeiro, Wagner Percussor Campos, a fundação irá buscar instituições mais consolidadas e irá se desfazer dos R$ 8 milhões em CDBs de bancos pequenos e médios. Mais do que isso: correrá para títulos públicos.
E parece que a Eletra não está só. Em novembro deste ano, a quantidade aceita de papéis públicos superou, pe-la primeira vez desde o início do governo Lula, a quantidade ofertada pelo Tesouro Nacional (vide tabela ao lado). Foram aceitos 14,7 milhões de Letras Financeiras do Tesouro (LFT) e Notas do Tesouro Nacional série C (NTN-C), ante a oferta de 11,7 milhões.
Campos, da Eletra, confirma que ouviu o boato sobre a situa-ção crítica do Banco Santos e, em outubro, se desfez de R$ 4,5 milhões em CDBs da instituição. “Tirei o dinheiro para não correr risco. Sabia que tinha fiscal do Banco Central lá dentro uma semana antes da intervenção e eu já estava até procurando outro gestor para o fundo que temos no Santos, mas não deu tempo”, diz. A fundação da Companhia Energética de Goiás (Celg) aplica no fundo Minerva, cujo patrimônio é de R$ 13,9 milhões. O executivo confirma que ouviu casos de investidores e fundos de pensão que tentaram sacar os recursos no dia 10, mas já não havia mais liquidez.
Outro fundo de pensão da área de energia, o Real Grandeza, também está preocupado em blindar os seus investimentos. “Temos feito reuniões constantes com o objetivo de definir a melhor maneira de fazer isso. O episódio do Banco Santos só veio consolidar a nossa opção de investir em renda fixa”, informa o diretor de investimentos da fundação, Jorge Luiz Monteiro de Freitas. O fundo de pensão de Furnas temR$ 149 milhões (cerca de 3% do patrimônio) aplicados no Santos, além de dois fundos exclusivos – Dolphin e Ocean – no valor de R$ 64,7 milhões cada.
Já a fundação Centrus, de alguns aposentados do Banco Central (BC), não quis se manifestar. Disse, por meio de sua assessoria, que existem funcionários da autoridade monetária no Conselho Deliberativo do fundo e que qualquer declaração poderia caracterizar uso de informação privilegiada, levando-a a ser responsabilizada judicialmente.
A Centrus, que aplica R$ 52 milhões no Santos Penfolds (e detém R$ 34 milhões em CBDs da instituição), já havia sido tema de uma matéria da Investidor Institucional (edição 149), que demons-trou que ela obtivera um ganho superior a 400% em aplicações acionárias de 99 a junho de 2004, destoando da rentabi-lidade alcançada no setor pelos cinco maiores fundos de pensão do País.

Os precavidos – Devido ao seu regulamento, a Elos não terá que provisionar os recursos aplicados no Banco Santos. A fundação da Eletrosul tem três fundos exclusivos: Santos Joaquina, com R$ 11 milhões, Usina Salto Osório, com R$ 24 milhões, e Canasvieiras, com R$ 23,5 milhões. O seu regulamento, informa o diretor financeiro interino, Nelson de Andrade, impede que o fundo abrigue papéis do banco que faz a gestão. A Elos já está à procura de um novo gestor para esses fundos. Atualmente, a fundação trabalha com ABN, BNP Paribas, HSBC, Safra e Votorantim. “Nessas horas, não é o tamanho do banco que importa, mas a segurança que você preserva via regulamento”, diz.
Outra fundação que blinda seus recursos é a Ceres, do Sistema Embrapa e Embrater. De acordo com o seu diretor de investimentos, Luciano Fernandes, a política de investimentos da fundação é bastante rígida e só permite aplicação em papéis de instituições bancárias que tenham patrimônio superior a R$ 500 milhões, rating mínimo “A” e nota acima de dez classificada pelo sistema RiskBank, da consultoria Lopes & Filho. Além disso, a fundação faz a gestão compartilhada de seus fundos, o que lhe dá o direito de veto nas aplicações. “Nada é colocado no fundo sem a nossa autorização, porque temos um acordo com o custodiante”, explica. A fundação tem R$ 177,7 milhões aplicados no fundo Eros e sua administração deverá ser entregue ao Banco Votorantim.
Fernandes reconhece que chegou a aplicar em CDBs do Banco Santos, mas sempre com prazo máximo de 30 dias. “Nós éramos parceiros do Banco Santos há mais de 18 anos, desde quando não passavam de uma corretora. E eles sempre nos prestaram um excelente serviço”, diz. O “excelente serviço”a que se referiu o executivo, incluíndo suas altas taxas de retorno, foi citado pela maioria dos fundos consultados por esta reportagem. Pena que as fundações também não se lembraram do ditado que diz que banco que paga altas taxas precisa desesperadamente de caixa!
O fundo de pensão Fusan, da Sanepar, também tem aplicações no Banco Santos: o fundo é o Passaúna, com R$ 59,3 milhões. Porém, da mesma forma que a Ceres, seu regulamento impede operações com contraparte. Ou seja, o fundo não detinha papéis do Santos. Segundo o seu diretor administrativo e financeiro, Alcir Empinotti, a fundação estuda se irá zerar suas aplicações em bancos pequenos e médios. “Se isso ocorrer, o risco diminui, mas também a rentabilidade diminui e é complicado para quem tem meta atuarial a cumprir”, lembra. Esse, provavelmente, será o maior desafio dos fundos de pensão em 2005: obter rentabilidade diante da perspectiva de queda do juro e do crescimento da inflação, sem perder de vista a segurança das aplicações.