Edição 351
O fechamento do ano de 2022 acena com ventos mais favoráveis para os fundos de pensão do País, após as turbulências sofridas em 2021, quando o retorno de boa parte dos planos ficou abaixo das metas atuariais, com um déficit de R$ 36,4 bilhões no período. O mau desempenho dos planos no ano passado, em condições normais de temperatura e pressão, levaria à necessidade de equacionamento de déficit neste ano, mas conforme decisão do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC) tal processo acabou sendo adiado para 2023. Só que, neste ano, principalmente a partir do segundo semestre, o cenário começou a mudar e o balanço de muitas fundações abandonou o vermelho e passou a exibir retornos bem próximos, ou mesmo superiores, às metas atuariais. Dois motivos estão por trás das boas rentabilidades obtidas: a escalada dos juros ao longo de 2022 e a performance positiva da renda variável.
A Selic, que saiu de 9,25% em dezembro do ano passado para os atuais 13,75%, favoreceu alocações em títulos do Tesouro, enquanto a performance do Ibovespa, que acumulou alta de 10,60% entre janeiro e outubro, virou um presente e tanto para gestores de Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) que resistiram à tentação de vender posições com o aumento do risco. Diante disso, várias EFPCs já apostam na reversão dos déficits de 2021 para superávits em 2022. É o caso, por exemplo, da Real Grandeza, fundação dos funcionários de Furnas e Eletronuclear. “Estamos com excelente perspectiva para 2022, embora o ano tenha começado com uma expectativa muito ruim”, diz Sérgio Wilson Fontes, presidente da fundação. “Devemos fechar o ano com resultados melhores, apontando para pequeno superávit ou, se permanecer déficit deve ser muito pequeno, muito longe do limite legal para equacionamento”.
No ano passado, a rentabilidade da carteira de investimentos da Real Grandeza ficou em 2,8% para uma meta atuarial de 15,45% no período. Agora, a fotografia é outra. No plano de Benefício Definido (BD), o maior da fundação, com portfólio de R$ 16,2 bilhões, o retorno superou a meta atuarial em 2,5 pontos percentuais nos 10 primeiros meses deste ano, tendo atingido 10,9%, para uma meta de 8,4% (INPC mais 4,74% ao ano). “Estamos com margem bastante folgada”, comemora Fontes. Boa parte do bom desempenho da Real Grandeza pode ser creditada à performance da carteira de renda variável, que concentra 17,5% da carteira da fundação. Ao contrário do que ocorreu com vários fundos de previdência fechada ao longo do ano, cujas gestões optaram por reduzir o portfólio de ações, a Real Grandeza manteve sua posição, obtendo uma rentabilidade de 17,3% nos ativos de renda variável até outubro.
A alocação em títulos públicos gerou, naturalmente, resultados menos atrativos, mas ainda assim essa classe foi beneficiada pela escalada da Selic, que uniu o melhor de dois mundos – bom retorno e baixo risco de crédito. Hoje, 77% da carteira do plano BD está alocada em renda fixa, incluindo uma parcela em NTN-B e ou NTN-C 2031 –45% dos papéis estão na curva, que reflete o valor do título, e 55% são marcados a mercado, que flutua de acordo com os juros.
“Até setembro de 2021, ninguém imaginava que os juros da NTN-B iam passar com folga a meta atuarial. Os fundos praticamente pararam de comprar títulos públicos. Nós começamos a comprar no início da disparada dos juros, com os títulos pagando cerca de 6% mais IPCA. Foi uma oportunidade que alavancou nossa performance em 2022”, explica Fontes. Os gestores da Real Grandeza compraram R$ 1,5 bilhão desde outubro de 2021, o que representa 9,5% da carteira do BD.
Já no CD, que soma investimentos totais de R$ 2,2 bilhões, a compra de títulos públicos também foi acelerada nos últimos meses, somando 15% do portfólio atual. Com 72,1% das reservas em renda fixa e 24,9% em renda variável, o plano rendeu 10,1% até outubro, superando os 8,9% de meta atuarial. Apesar disso, em função de ter o IGP-DI como indexador (índice que disparou entre 2020 e 2021), deve fechar o ano com resultados acumulados menos brilhantes. “Vamos diminuir o déficit, mas não atingiremos superávit”, reconhece Fontes. Segundo ele, o Conselho Deliberativo estuda a adoção de um plano de equacionamento para o CD, que embora seja um plano de contribuição definida tem algumas características semelhantes a um contribuição variável.
A diretoria da fundação está dando os últimos retoques no estudo anual de ALM (Asset Liability Management) para definir a composição das carteiras estratégicas com visão de longo prazo, em linha com as políticas de investimentos já aprovadas para o período de 2022 a 2026. Para 2023, tudo aponta para a continuidade de compra de títulos públicos até a esperada queda da Selic em meados do ano. Além disso, o fundo se prepara para iniciar investimentos em multimercados. O momento é de seleção de gestores especializados. “Estamos na fase final de definição e vamos ver qual o melhor momento para alocar capital”, diz Fontes.
Outra iniciativa prevista para 2023 é a entrada no mercado externo de renda variável, por meio de ETFs. “Entendemos que é razoável ter algum percentual da carteira em ativos de risco que não seja só renda variável”, explica o presidente da Real Grandeza, citando o que ocorre com fundos de pensão de diversos países, inclusive da América do Sul. “Pensando em longo prazo, é inevitável investir em outras classes de ativos, como multimercado e exterior”, conclui.
A Eletros, fundo de pensão que reúne funcionários da Eletrobras, EPE e ONS, também deverá fechar 2022 com superávit no plano BD, dono de um patrimônio de R$ 1,8 bilhão. “Tanto a renda fixa quanto a variável renderam mais que a meta atuarial até outubro”, diz Luiz Guilherme Nobre Pinto, gerente de investimentos da fundação. A rentabilidade de 14,53%, bem acima da meta atuarial de 9,02%, contou também com outro fator positivo e, em certo sentido, fora da agenda, que contribuiu com cerca de 4,5 pontos percentuais do retorno nos primeiros dez meses do ano: a contabilização das Obrigações do Fundo Nacional de Desenvolvimento (OFND), corrigida pelo IPC, antigo pleito das fundações que foi objeto de acordo entre a Procuradoria da União e 89 entidades fechadas de previdência, no início de 2022.
No BD, o principal movimento foi o aumento da alocação em títulos longos (NTN-2060), adquiridos com recursos oriundos da venda de parte da carteira de renda variável. “As taxas pagas por esses títulos, na faixa de IPCA mais 5,80%, estão acima do atuarial do plano, que é de INPC mais 4,80%. Passa a ser interessante fazer investimentos em títulos longos, casando ativos e passivos”, diz Pinto. Segundo ele, para fazer esse movimento a posição em renda variável foi reduzida de 26% para 22% ao longo do ano. Ainda assim, trata-se de uma carteira de vulto, uma vez que o portfólio em renda variável do segmento era de apenas 6,27% em setembro, segundo dados da consultoria Aditus. A alocação em renda variável dos fundos de pensão brasileiros é, historicamente, muito baixa quando comparada a de países com mercados mais desenvolvidos, cuja média está em cerca de 60%.
Jogou contra o retorno do BD da Eletros a performance dos ativos no exterior, que tiveram queda de 25,1% até outubro. O estrago só não foi maior pela pequena participação, de 2,25%, dessa classe de ativos na carteira total do fundo.
Já nos CDs, os títulos públicos presentes nos cinco CDs da Eletros, cujo patrimônio somado é de R$ 3,5 bilhões, rentabilizaram 8,27% até outubro com marcação a mercado. A renda variável rentabilizou 12,65% no ano no mesmo período. Pesou contra os CDs o fato de não contarem com os aportes extraordinários das OFNDs, resultando numa performance inferior à dos BDs. Para 2023, pode haver aumento da participação em renda variável, mas tudo vai depender do comportamento dos mercados, que será ditado, em grande parte, pela condução da política fiscal e econômica do próximo governo, avalia Pinto. “Com esses juros, acho difícil alocar mais recursos na renda variável”, diz.
Os planos repactuados da Petros, segundo maior fundo de pensão do País, estão entre os beneficiados com a decisão do CNPC de congelamento do equacionamento dos déficits este ano. O fundo dos funcionários da Petrobras, que fechou 2021 com retração (é déficit?) de 1,33% na rentabilidade consolidada dos investimentos, deverá encerrar este ano com “rentabilidade próxima do objetivo de retorno e com tendência de superar a meta atuarial até dezembro”, segundo a fundação. A maior parte dos planos de contribuição variável e de contribuição definida está com desempenho acima da média de mercado. A rentabilidade acumulada até outubro do PP-2, por exemplo, maior plano de contribuição variável do País, atingiu 9,96%, acima dos 8,7% da meta atuarial.
Os gestores da Petros aproveitaram a volatilidade dos mercados iniciada em 2021, juntamente com a escalada da Selic, para adquirir títulos públicos pagando acima da meta atuarial. Em paralelo, reduziram os riscos da carteira. A combinação das duas estratégias ajudou no bom desempenho de alguns fundos. De acordo com a Petros, “diante da conjuntura econômica ainda desafiadora, nosso objetivo tem sido aproveitar a mudança de patamar nas taxas de juros, que estão acima da meta atuarial, para dar continuidade a esse processo de imunização. Para isso, estamos adquirindo títulos públicos marcados na curva, que não têm oscilação diária de preços, casando o nosso fluxo de caixa com compromissos de pagamento aos aposentados e pensionistas”. De acordo com a Petros, os reflexos positivos serão visíveis a partir de 2023.
Em outubro deste ano, a patrocinadora Petrobras formalizou confissão de dívida e compromisso de pagamento referente às contribuições extraordinárias patronais do Plano de Equacionamento do Déficit – 2015 (PED 2015), adotado em 2017, relativo aos planos de Petros Repactuados e Não Repactuados.