Caos na Transbrasil vira solução no Aerus | Como boa parte dos de...

Edição 113

O plano da Transbrasil, que faz parte do multipatrocinado Aerus, por incrível que pareça está próximo do ajuste. Apesar de um rombo de R$ 82 milhões provenientes de dívidas não pagas e de apropriações indébitas de recursos por parte da patrocinadora, o plano está sendo ajustado exatamente em função da situação caótica da empresa.
Com dívidas imensas junto aos cofres públicos, aos fornecedores e aos próprios empregados, além de ter um ex-presidente com os bens indisponíveis, a Transbrasil é hoje um dos lugares menos atraentes do mundo para se trabalhar. Dos 3.500 funcionários que tinha no final dos anos 90, só restam 2.500. A maioria foi demitida ou resolveu pedir as contas quando achou opção melhor de emprego. Mesmo os atuais, a não ser aqueles que estão muito próximos da aposentadoria, devem deixar a empresa nos próximos meses, demitidos ou por vontade própria.
Ironicamente, isso que do ponto de vista social é uma tragédia, do ponto de vista atuarial é uma beleza. Como os que saem da empresa antes da aposentadoria só levam os aportes feitos por eles mesmos, não tendo direito aos aportes da patrocinadora (inclusive os não feitos), a responsabilidade do plano em pouco tempo deve se restringir aos 600 inativos e aos poucos ativos que, por estarem muito próximos da aposentadoria, resolvam carregar o plano até o final. Mas, para isso, devem continuar contribuindo com a sua parte e também com a parte da patrocinadora, que deixou de pagar.
Pelos cálculos do departamento atuarial do Aerus, o plano da Transbrasil (que é totalmente segregado dos outros planos da fundação) conta com reservas de R$ 213 milhões, incluindo uma confissão de dívida consolidada assinada em maio de 1999 pela empresa, cujo valor atual é de R$ 80 milhões. Com essa confissão, a empresa ganhou dois anos de carência e outros 20 anos para acertar essa conta, o que deveria começar a acontecer a partir de maio deste ano.
Mas, mesmo depois de assinada a confissão de dívida e feito o acordo de pagamento em 20 anos, a empresa continuou a atrasar os aportes e, pior, passou a não repassar as contribuições dos participantes. Em maio do ano passado, para saldar a nova dívida, que já somava R$ 12 milhões, a empresa repassou à fundação os 15% que detinha do sistema de reservas de passagens Amadeus.
O repasse dos 15% do Amadeus foi possível graças ao consentimento da Secretaria de Previdência Complementar, que recebeu dos outros sócios do Amadeus (as outras companhias aéreas) a confirmação de que comprariam essa participação no futuro. Com isso, a dívida da patrocinadora voltou a ser aquela reconhecida no acordo de 1999. Mas, em situação já extremamente precária, a companhia continuou a atrasar os seus repasses e a apropriar-se dos aportes dos participantes a partir de junho de 2001. Deixou de pagar junho, julho, agosto e setembro, quando o Aerus passou a recolher os aportes dos participantes diretamente, via boleto de cobrança. A nova dívida da empresa já soma R$ 2 milhões.

Provisionamento – Certa de que a Transbrasil não iria honrar os acertos passados, a fundação resolveu promover um ajuste no plano, provisionando os R$ 80 milhões da dívida confessada em 1999 numa conta especial, separada das reservas. Com isso, baixa o patrimônio líquido do plano da Transbrasil de R$ 213 milhões para R$ 133 milhões. Com esse valor, consegue pagar todos os ativos que deixarem a empresa nos próximos meses (estima que sejam necessários cerca de R$ 26 milhões para tanto), restando R$ 107 milhões para o pagamento dos inativos, incluindo os 600 atuais e alguns poucos que resolvam permanecer na empresa.
“É cruel, mas o ajuste está sendo feito às custas dos participantes ativos”, analisa um funcionário do Aerus. “Os inativos, bem ou mal, continuarão a receber seus benefícios”, diz. Para o departamento de atuária, bem aplicados, esses R$ 107 milhões devem ser suficientes para arcar com o pagamento dos benefícios dos inativos no futuro, principalmente com algumas pequenas mudanças, como a cobrança de uma taxa dos inativos para o custeio da fundação (o que deveria ser feito pela patrocinadora).
Para o presidente do Aerus, Odilon César Nogueira Junqueira, a situação é irreversível. “A Transbrasil não tem realmente como honrar os seus compromissos”, diz. “Por recomendação da consultoria Artur Andersen, decidimos iniciar em janeiro último o provisionamento da dívida, para que não hajam conseqüências de maior monta para o Aerus”.
Quando vieram à tona as dificuldades da empresa, em fins de 1998, a relação entre ela e a fundação azedou. As 20 patrocinadoras e o conselho de curadores do fundo de pensão chegaram a requerer à SPC a saída do plano da empresa dos seus quadros, como forma de preservar a saúde financeira do fundo de pensão. A TAM, uma das patrocinadoras, na ocasião, acabou optando por retirar-se do Aerus, migrando para um fundo multipatrocinado – o Multipensions Bradesco.
Hoje, com o atual quadro, as outras patrocinadoras respiram mais aliviadas. Elas esperam tranqüilas pela definição de um novo comando da empresa, ou até por sua falência, se for o caso. Mesmo porque, o processo de exclusão de um fundo de pensão segue um longo ritual na SPC e uma das exigências é o pagamento da dívida. “Do ponto de vista atuarial, o plano da Transbrasil está saudável. Não há déficit”, assegura Junqueira.

Salários atrasados – Com os salários em atraso desde outubro do ano passado, os funcionários da Transbrasil têm nas retiradas do Aerus, quando deixam a empresa, uma das únicas fontes de renda. Muitos têm saído pressionados por dívidas acumuladas e de olho nesses recursos.
Segundo Junqueira, os aeroviários, em sua maioria, vêm preferindo sacar as reservas de poupança. “Normalmente esta categoria tem menor poder aquisitivo e, como estão sem receber salários da Transbrasil, o único dinheiro com o qual podem contar é o que acumularam no Aerus. Uma vez demitida, a grande maioria está sacando o dinheiro.”
Ainda de acordo com o presidente da fundação, “estabelecemos uma política flexível e bastante transparente para atender tanto àqueles funcionários de menor renda quanto aos que ganhavam bons salários”, afirma Junqueira. Ele explica que o fundo está devolvendo o dinheiro de uma vez só, ao invés de pagar uma quantia mensalmente aos que se demitem, como estabelece o plano.
Além disso, a fundação está oferecendo aos funcionários as opções de continuar ou deixar o plano e/ou reduzir o valor de sua contribuição. Também podem deixar de contribuir e manter o dinheiro sob a administração da fundação, que será devolvido quando a pessoa se desligar da companhia. “Damos a opção, inclusive, de cancelar na Aerus e receber o dinheiro de volta quando da saída da empresa”, diz Junqueira.

Ex-diretor de RH da Varig no comando
O administrador de empresa Odilon César Nogueira Junqueira tomou posse no Instituto Aerus de Seguridade Social em maio do ano passado, logo depois da saída de Mizael Matos Vaz, que entrara substituindo José Alberto Teixeira com a missão de reerguer o fundo de pensão. O ex-presidente da Abrapp ficou no cargo apenas 45 dias.
Ex-diretor de Recursos Humanos da Varig e formado em Administração de Empresas, Junqueira tem 25 anos na aviação brasileira. Foi vice-presidente e hoje é diretor do Sindicato das Empresas Aéreas. “Sempre administrei a falta de dinheiro. É muito melhor administrar o dinheiro”, diz, acentuando que, ao contrário do que se imagina, o Aerus “é um fundo muito vigoroso, com situação financeira bastante sólida”.
“Obviamente que temos desafios interessantes, do ponto de vista técnico, claro. Temos soluções e essas até reforçam a saúde de todo o sistema. Em situações como esta, o segredo está em agir com cautela. O que não pode é deixar que o problema isolado de uma patrocinadora fira o direito dos participantes do fundo de pensão.