Edição 263
Detentores de 13% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, os fundos de pensão representam um papel fundamental no fomento aos investimentos produtivos do país. Ainda assim, no que diz respeito à sustentabilidade de suas alocações, e o efeito que suas escolhas trazem para a sociedade e para o meio ambiente no longo prazo, as fundações deixam muito a desejar.
Segundo levantamento da consultoria Sitawi – Finanças do Bem, obtido com exclusividade pela revista Investidor Institucional, 58% dos 50 maiores fundos de pensão do país tratam da sustentabilidade apenas como uma aspiração em suas políticas de investimento. Isso significa que a maioria das fundações apenas citam, como intenção de investimento para um futuro próximo, estratégias de alocação voltadas para preservação do meio ambiente, desenvolvimento sustentável e governança corporativa.
Embora a Resolução 3792, do Conselho Monetário Nacional, determine que os fundos de pensão reservem um capítulo da política de investimentos para aplicações sustentáveis, 10% das fundações não apresentaram estratégias de ESG (Environmental, Social and Governance) no documento.
Já entre os 32% que possuem e descrevem suas estratégias de investimento sustentável, 16% citam exemplos de aplicações que foram feitas pelo fundo. Já 11% foram além e detalharam em que fase estavam esses investimentos no presente. Apenas 5% das fundações apresentaram um nível de transparência considerado “exemplar” pela consultoria. Foram as entidades que, além dos dados fornecidos pelas demais, incluíram informações de como acompanhar o desempenho de tais aplicações e quais foram os critérios de seleção dos ativos para a carteira de ESG.
Segundo Gustavo Pimentel, diretor da Sitawi, de forma geral os dados da pesquisa revelam que os fundos de pensão brasileiros ainda estão pautados em um conceito “primário” de sustentabilidade, em comparação com o resto do mundo. Isso porque a política de ESG mais utilizada pelas fundações é o filtro negativo, ou “investimento temático”. Essa prática consiste na proibição de alocação de recursos em papéis de empresas de determinados setores, como bebidas alcoolicas, tabaco, energia nuclear, ou de companhias envolvidas em práticas criminosas, como o trabalho infantil e o escravo.
“Embora haja uma crescente demanda por parte das fundações em aderir a práticas de investimento sustentável, a instrumentalização desse anseio ainda é muito incipiente no Brasil”, afirma Pimentel. Para ele, uma abordagem mais sofisticada pelos fundos de pensão seria analisar e acompanhar dentro de cada empresa investida quais ações de sustentabilidade ela pratica, ou seja, de que forma ela contribui para a sociedade e para o meio ambiente. “Desta maneira, a fundação poderia elaborar uma lista de companhias elegíveis para investimentos de acordo com o grau de sustentabilidade e aderência às boas práticas de mercado”, complementa.
O diretor da Sitawi destaca, ainda, que no caso das dez maiores fundações o principal instrumento utilizado é o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da bolsa enquanto benchmark. Poucas, contudo, passaram para um estágio mais avançado, e alinhado com as melhores práticas globais: o desenvolvimento de metodologias próprias para seleção de quais empresas devem receber investimentos, de acordo com níveis de sustentabilidade estabelecidos.
Tal processo de aperfeiçoamento das políticas de investimento em ativos ESG demonstra que o Brasil está em linha com as tendências globais. “Normalmente, o assunto ingressa nas fundações por meio dos filtros de exclusão. Depois as práticas vão ficando mais sofisticadas e as entidades desenvolvem critérios mais adequados para seleção de ativos em suas carteiras”, explica Pimentel.
Enquanto o Brasil ainda tem muito o que desenvolver no âmbito dos investimentos sustentáveis, o país está bem situado em comparação aos demais emergentes, perdendo apenas para a África do Sul. “Lá o órgão regulador foi mais incisivo na exigência de práticas de ESG e as grandes fundações já saíram da fase aspiracional para a instrumental. Nos demais emergentes, o assunto mal chegou aos comitês de investimento das fundações”, afirma.
Rentabilidade em primeiro lugar – Um dos entraves para o desenvolvimento de políticas de investimento em ativos sustentáveis no Brasil está no cenário doméstico. Com a taxa de juros no patamar de 11% ao ano – a quinta maior do mundo – investimentos de renda fixa tradicionais ficam mais atraentes aos olhos dos institucionais que precisam bater meta atuarial.
“Os investimentos em ativos responsáveis só crescem quando o mercado é favorável. Ainda estamos enfrentando os resquícios da crise de 2008, os juros domésticos atingiram os dois dígitos novamente, o CDI está rendendo bem. Há muitas alternativas rentáveis e de baixo risco para o fundo de pensão atualmente”, analisa Nathan Batista, sócio da consultoria Aditus.
Em 2014, o ISE também perdeu atratividade para o tradicional Ibovespa, pela primeira vez desde 2010. Enquanto o Ibovespa acumulou alta de 20% entre janeiro e agosto, o crescimento do ISE foi de apenas 9,4%. Este ano, particularmente, o que mais tem puxado o Ibovespa é o “rali eleitoral”, deixando o índice de sustentabilidade para trás. Mas, desde sua criação, em 2005, o ISE registrou valorização de 171%, contra 94% do Ibovespa.
“A rentabilidade é muito importante e deve sim ser um dos principais quesitos na hora de avaliar um investimento. Em 2014 houve um desconto em relação ao Ibovespa, mas a valorização do ISE no longo prazo mostra como a sustentabilidade agrega muito valor ao negócio”, avalia Sonia Favaretto, diretora de imprensa e de sustentabilidade da BM&FBovespa.
Fazem parte do ISE 40 papéis de companhias listadas na bolsa, escolhidas entre aquelas que possuem as 200 ações mais líquidas. As empresas respondem a um questionário no qual detalham iniciativas voltadas para o meio ambiente, desenvolvimento social, governança corporativa, natureza do produto que comercializam e outros quesitos. O trabalho de seleção e desenvolvimento do questionário é feito em parceria com a Fundação Getulio Vargas.
“O ISE tem sido utilizado pelos fundos de pensão como benchmark, mas ele possui um número limitado de papéis listados e há uma concentração setorial muito grande”, pondera Nathan. Ele destaca que 60% das ações que compõem o índice são dos setores financeiro e de energia elétrica.
Para Sonia, independentemente das limitações do benchmark de sustentabilidade da bolsa, ele tem um papel fundamental na disseminação do conceito de investimento responsável no mercado. “Trabalhamos em duas frentes, estimulando tanto as empresas listadas quanto os investidores a valorizar uma agenda sustentável”, afirma.
Uma forma de incentivar esse mercado foi lançada em fevereiro deste ano, com um simulado do ISE, disponível para todas as empresas da BM&FBovespa que planejam incorporar o conceito da sustentabilidade em suas operações, mesmo quando não são elegíveis ao ISE. “Tivemos uma procura muito grande por esse simulado, o que mostra que muitas companhias já perceberam a importância dos investimentos responsáveis para o mercado”, analisa Sonia. A executiva não revelou o número de companhias interessadas no simulado. Ela também não acredita que seja necessário ampliar o número de ações listadas no ISE nem os critérios de elegibilidade.