Agora a reforma vai? | Com paciência oriental, Gushiken tornou-se...

Edição 127

Em 15 de março de 1995, pouco mais de três meses depois de colocar a faixa presidencial no peito pela primeira vez, o presidente Fernando Henrique Cardoso enviou ao Congresso um projeto que considerava fundamental para o seu governo. Tratava-se do Projeto de Emenda Constitucional nº 33, que ficou conhecido como PEC 33, o qual definia as linhas gerais da reforma da previdência no país.
O ministro de FHC para a previdência era então Reinhold Stephanes, do PFL, partido aliás que sempre manteve as rédeas desse ministério. A reforma que pretendia FHC tinha como núcleo central o estabelecimento da idade mínima para a aposentadoria, de 60 anos para homens e 55 anos para mulher, com o que pretendia-se acabar com as escandalosas aposentadorias aos 40 anos de idade, e até menos em alguns casos.
No Partido dos Trabalhadores (PT), o então deputado Luiz Gushiken, em seu terceiro mandato, tomou à si a tarefa de entender e destrinchar esse tema, para muitos tido como extremamente técnico. Tornou-se um dos mais assíduos freqüentadores das reuniões que debatiam o tema, a ponto de em pouco tempo ter se tornado um importante interlocutor, curiosamente esgrimindo desde então a tese de que a reforma previdenciária tinha a ver fundamentalmente com a questão das receitas e não apenas com a questão dos benefícios.
Essa tese ele tem defendido desde então, inclusive durante a campanha presidencial, onde foi o coordenador da campanha e um dos principais conselheiros do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, como um dos coordenadores da equipe de transição, ele tem reconhecido a necessidade de fazer ajustes em alguns benefícios do funcionalismo público, principalmente naqueles que constituem claramente privilégios, mas paralelamente a isso ele tem enfatizado constantemente a necessidade de elevar as receitas do estado, através do crescimento econômico, da formalização do emprego e da simplificação no sistema de coleta das contribuições previdenciárias.
Ou seja, a discussão da reforma não passa apenas pela discussão do corte de benefícios. Stephanes, na época, acostumou-se a ver aquele neófito do PT envolvido nas discussões da reforma e, em pouco tempo, passou a considerar a sua opinião sobre os vários assuntos da pauta previdenciária. Outro que passou a levar em conta sua opinião foi o relator da reforma no Senado, o senador Beni Veras, do PSDB, que várias vezes reuniu-se com ele para tratar da reforma. Entre outras coisas, Gushiken teve participação decisiva na definição das regras dos fundos de pensão, expressas no artigo 202 da Emenda 20, que tornaram facultativa a adesão dos participantes, além de definirem o regime complementar como autônomo e baseado na constituição de reservas.

Pensamento liberal – Na época, ele chegou a bater de frente por várias vezes com os representantes do Instituto Atlântico, um núcleo de pensamento liberal do Rio de Janeiro, que tem como um dos seus principais expoentes o economista Paulo Rabelo de Castro. O Instituto Atlântico, ao contrário do que ficou firmado no artigo 202, defendia uma previdência básica até 3 salários mínimos, uma previdência complementar compulsória de 3 a 10 salários mínimos e uma previdência suplementar facultativa a partir de 10 salários mínimos.
Gushiken defendia a idéia de uma previdência básica até 10 salários mínimos e uma previdência complementar facultativa a partir daí. Embora a proposta do governo não falasse em compulsoriedade ela deixava o campo em aberto, mas com a intervenção do PT o texto constitucional consagrou a tese da vinculação facultativa a partir dos10 salários mínimos. Apesar disso, como os 10 salários mínimos foram estabelecidos na época em valores monetários, hoje esse valor corresponde a cerca de apenas 7 salários mínimos.
A PEC 33, apresentada imediatamente após a posse pelo governo de FHC, com todas as mudanças e transformações que sofreu só veio a ser aprovada realmente quase três anos depois, com a Emenda 20. Segundo um qualificado observador, a estratégia do PT para votar uma reforma previdenciária parece ser diferente. O PT está constituindo um grupo inicial para debater a questão e para buscar, aos poucos, fazer acordos e aparar as arestas com outros partidos, adiando a apresentação da reforma apenas para o segundo semestre de 2003. “O Lula quer primeiro formular e negociar, para só depois apresentar”, diz esse observador.

CPI dos fundos – Outro episódio no qual o deputado Gushiken teve um destacado papel foi na CPI do fundos de pensão, pedida em 1995 pelo deputado Freire Junior, do PMDM de Tocantins. A CPI foi requerida originalmente para investigar irregularidades contra os fundos de pensão, mas pessoas de dentro do sistema comentam que “pretendia-se criar um circo para desacreditar o sistema de previdência fechada, em favor da previdência aberta”.
Já então amplamente favorável ao sistema de fundos de pensão, o deputado Gushiken jogou, junto com o então deputado Manoel Castro, do PFL da Bahia, um papel chave na organização do sistema e na estratégia de impedir que a CPI se transformasse “em um circo”, como pareciam querer alguns. Dos debates da época, saíram importantes sugestões que, mais tarde, acabaram sendo incorporadas na normatização do sistema, como a presença de representantes dos participantes nos órgãos de direção das fundações. Hoje, com as leis 108 e 109, os representantes dos participantes participam das diretorias dos fundos na proporção de 1/3 (fundações de patrocinadoras privadas) e ½ (fundações de patrocinadoras públicas).
Outras regras que começaram a ser discutidas na época da CPI foram a questão da portabilidade e dos fundos de instituídos, que então eram chamados de fundos setoriais. Na regulamentação da lei 109 esses dois assuntos foram contemplados. O relator da lei, o então deputado Manoel Castro e hoje ministro do Tribunal de Contas da Bahia, reuniu-se por várias vezes com Gushiken, mesmo após ele ter deixado a atividade parlamentar, em fevereiro de 1999, para discutir o projeto de lei.

Fundos de instituidor – A inclusão dos fundos instituídos, direcionados a sindicatos e entidades de classe, na lei 109 foi resultado da intensa atividade do deputado petista em favor dessa idéia. Na sua regulamentação pelo Conselho de Gestão da Previdência Complementar, entretanto, ocorrida recentemente, foram eliminados dois pontos considerados como descaracterizadores: a possibilidade de contribuições empresariais em nome dos participantes e o ingresso em fundos multipatrocinados de qualquer origem das patrocinadoras, privadas ou estatais. É possível que essas duas mudanças do CGPC sejam revistas.
Um outro tema que tem sido sempre abordado pelo ex-deputado e hoje coordenador adjunto da equipe de transição é quanto ao aparato de fiscalização e regulamentação para o sistema de fundos de pensão. Ele tem constantemente defendido que o órgão regulador tenha “um status de aparelho de estado”, com quadros permanentes e funcionamento mais orgânico, capaz de dar conta com mais agilidade das tarefas de fiscalizar e regulamentar.

Ministério – Embora a mídia tenha destacado sua atuação anterior no campo da previdência e assinado que ele poderia vir a ocupar o Ministério da Previdência e Assistência Social, é pouco provável que isso venha a ocorrer. Com a saúde fragilizada devido a duas cirurgias delicadas ocorridas num curto intervalo de tempo, a primeira cardíaca e a segunda do estômago, Gushiken não se sente fisicamente preparado para assumir um posto executivo. Segundo tem comentado, isso demandaria uma rotina de trabalho, incluindo viagens, que não se sente em condições de enfrentar no momento.
O mais provável é que venha a ocupar um posto de articulador, num cargo existente ou a ser criado, junto ao presidente Lula da Silva.
Um dos nomes que poderiam vir a ocupar o posto de ministro da Previdência, segundo já se comenta, seria o do deputado federal Ricardo Berzoini. Também egresso do Sindicato dos Bancários de São Paulo, como Gushiken, Berzoini passou a envolver-se intimamente com as questões da reforma da previdência e dos fundos de pensão depois que Gushiken abandonou a atividade parlamentar.

Da Previ para a equipe de transição
Outro nome saído do sistema de fundos de pensão e que passa a compor a equipe de transição é o do ex-diretor de administração da Previ, Sérgio Rosa. Funcionário de carreira do Banco do Brasil, ex-diretor do Sindicato do Bancários e ex-presidente da Confederação Nacional dos Bancários (CNB), Rosa foi um dos interlocutores nas negociações para a votação da lei nº 109. Sua atuação se deveu, na época, à sua atividade como sindicalista.
Seu ingresso como diretor eleito da Previ se deu em março de 2000, para o cargo de diretor de participações. Durante os dois anos de sua gestão no cargo, foi sempre um ardoroso defensor da independência da fundação em relação ao governo, defendendo sempre que os seus investimentos seguissem sempre as regras do mercado e tivessem um retorno compatível com esse, pois destinavam-se a pagar aposentadorias futuras.
Sua atuação ficou marcada, no entanto, como o dirigente da Previ que mais duramente criticou a decisão da entidade de aderir ao RET, pagando Imposto de Renda sobre o lucro das aplicações. Houve uma intervenção da SPC na entidade, foi realizada eleição para representantes eleitos e estabelecido o voto de Minerva, o que permitiu a aprovação do pagamento do RET.