Edição 359
Uma resolução publicada pela Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) no mês de agosto deve contribuir para desafogar as ações na Justiça envolvendo temas relativos à previdência complementar fechada. A Resolução Previc 23/2023 estimula que os fundos de pensão e seus participantes façam uso da CMCA (Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem), de modo a agilizar o rito de processos que muitas vezes são analisados no Judiciário comum por profissionais que não tem conhecimento a respeito das características específicas da indústria da previdência complementar fechada.
Presidente da CMCA, Elthon Baier Nunes afirma que a câmara exerce um papel fundamental na pacificação das relações e conflitos que existem no setor de previdência complementar. “É uma porta que é aberta dentro da Previc para que promova, sempre que possível, por meio de mediação e conciliação, ou por meio de arbitragem, os conflitos que surgirem no meio de previdência”, diz Nunes, acrescentando que a câmara é composta por um corpo técnico e ágil, o que possibilita que as partes resolvam os conflitos da melhor maneira possível.
Especialistas da área do direito avaliaram de forma positiva a iniciativa da Previc. Para o sócio sênior do escritório Bocater Advogados, Flavio Martins Rodrigues, a remessa de casos de elevada complexidade técnica ao Poder Judiciário tem a grande possibilidade de demandar muito tempo para a sua compreensão e para o estabelecimento de uma solução, além de possivelmente gerar uma decisão que não seja a mais adequada em termos técnicos, seja envolvendo temas atuariais, financeiros e jurídicos.
“A CMCA deverá receber casos de interesse coletivo, movido por associações ou sindicatos em face de entidades de previdência e patrocinadores. Também, pendências entre entidades e patrocinadores deverão ser tratadas no âmbito mais técnico da CMCA, por tratar de questões de maior amplitude. Ou, ainda, demanda entre entidades, por exemplo, decorrentes de processos de transferência de gerenciamento de plano”, afirma o sócio do Bocater.
Rodrigues acrescenta que as milhares de ações propostas por participantes em face de suas entidades fechadas de previdência não deve migrar para a CMCA. Caso isso ocorresse, o “engarrafamento” de ações no Poder Judiciário passaria a dar-se na CMCA. “De toda a forma, é um avanço relevante para o segmento de previdência complementar fechada”, diz.
Objetivos – Sócia do escritório Pagliarini e Morales Advogados Associados, Aparecida Pagliarini afirma que o papel da Previc de promover a mediação e a conciliação e dirimir conflitos através da arbitragem está em consonância com o artigo 3º da Lei Complementar nº 109. O artigo estabelece que a ação do Estado deve ter como objetivo não só fiscalizar e aplicar penalidades, mas promover uma política de desenvolvimento da previdência privada no Brasil com credibilidade e consistência.
“Assim, trazer para o ambiente da previdência complementar fechada alternativas com especialização em relação à busca constante do Poder Judiciário é, sem qualquer dúvida, a melhor medida”, diz Pagliarini.
A especialista pondera, contudo, que ainda existem obstáculos a serem superados. Segundo ela, faltam incentivos para a resolução de conflitos por meio da câmara, sendo pouco frequente a inserção da cláusula arbitral no contrato de adesão presente nos regulamentos dos planos de benefícios.
De qualquer forma, prossegue a sócia do escritório, o capítulo X da Resolução 23 evidencia um esforço normativo para prestigiar a competência da Previc de promover a mediação, a conciliação e a arbitragem por meio da Câmara.
Além de aperfeiçoar o modelo de fiscalização e supervisão das EFPCs, a consolidação normativa reforça o entendimento da importância do papel da Previc de assegurar e proteger o contrato previdenciário, acolhendo e resolvendo divergências no ambiente especializado da CMCA, afirma a especialista.
Vantagens – Sócio fundador do escritório Junqueira de Carvalho e Murgel Advogados Associados, Fábio Junqueira de Carvalho lembra que a solução de conflitos por meio da CMCA traz “evidentes vantagens”, como gratuidade dos serviços, celeridade na solução final buscada, simplificação de formas e procedimentos, alto grau de especialização na matéria dos atores envolvidos e segurança jurídica das decisões dos conflitos.
“As inovações trazidas [pela Resolução] consolidam práticas já experimentadas e inspiram maior atratividade às partes interessadas na resolução” de conflitos, afirma Junqueira. Ele lembra que uma novidade que pode impulsionar a atratividade dos interessados é a possibilidade de se estabelecer remuneração aos árbitros e conciliadores privados escolhidos pelas partes envolvidas no processo, sem prejuízo de que os serviços propriamente ditos da CMCA permaneçam absolutamente isentos de contraprestação pecuniária.
“Sem dúvida esse é um ponto que tem grande potencial para estimular a participação de profissionais cada vez mais qualificados a desempenhar essa modalidade de prestação profissional, em linha com a exigência de elevação do grau de qualificação que passa a ser aferido mediante a devida comprovação perante a Previc”, afirma Carvalho.
Apesar de o sistema ainda não estar adequadamente familiarizado e não ter se conscientizado das enormes vantagens da CMCA em relação à corrida ao Poder Judiciário, a Previc continua estimulando as EFPCs a buscarem cada vez mais esse campo de resolução de conflitos. Com isso, direitos de participantes e assistidos das EFPCs, assim como de patrocinadores, tornam-se mais fáceis de serem assegurados, afirma Junqueira.
Para o sócio do escritório Modesto Carvalhosa, Fernando Kuyven, a regulamentação dos procedimentos adequados de resolução de disputas por meio de mediação, conciliação e arbitragem permite não só maior celeridade à resolução das controvérsias como também propicia maior especialização das decisões. Kuyven ressalta que a CMCA conta com um quadro de árbitros muito especializados em previdência complementar e arbitragem, com reputação ilibada e competência previamente auferida.
“Também é interessante a expressa possibilidade de o tribunal arbitral contar com o auxílio dos servidores da Previc para eventuais esclarecimentos a respeito de aspectos técnicos, contribuindo ainda mais para qualidade das decisões”, diz Kuyven.
Ele acrescenta ainda que a nova Resolução reúne o que há de mais moderno em termos de regras aplicáveis à arbitragem, prevendo, por exemplo, que o presidente da CMCA somente indicará o presidente do tribunal arbitral quando os coárbitros não chegarem a um consenso; bem como que os procedimentos arbitrais sempre atenderão ao princípio da publicidade, permitindo, ainda, a publicação de extratos das sentenças arbitrais proferidas.
Flexibilidade – Para a sócia do escritório Pinheiro Neto, Mariana Monte Alegre de Paiva, “a edição da Resolução nº 23 pela Previc mostra, de modo geral, a clara intenção da autarquia de flexibilizar procedimentos, abrir maior espaço de diálogo com a sociedade e auxiliar as entidades, as patrocinadoras e os participantes e assistidos a buscarem alternativas para resolver conflitos”.
Especialista em previdência complementar, Paiva assinala que a resolução traz ainda a criação da Comissão de Monitoramento, composta por servidores da Previc, procuradores federais da AGU e por representantes das entidades, por meio da qual o órgão regulador vai mapear e intervir de forma mais proativa em processos judiciais que sejam relevantes e impactem o segmento de previdência complementar como um todo.
“Isso é muito positivo, pois em geral a Previc não é parte dos conflitos e raramente é intimada a prestar esclarecimentos ou se manifestar em processos judiciais nos quais não é parte. Como a Previc é o órgão mais capacitado para explicar e interpretar a legislação regulatória, obviamente a sua intervenção em casos de destaque é bem-vinda e pode auxiliar o entendimento do Poder Judiciário”, afirma a sócia do Pinheiro Neto.
Ela afirma também que ainda existe grande obstáculo de se entender e aceitar que a previdência complementar se baseia essencialmente em uma relação contratual: existe contrato entre entidade e patrocinadoras, entre entidade e participantes e assistidos, e o que prevalece são os termos pactuados. Essa cultura do litígio, diz a especialista, tende a desconsiderar muitas vezes o que foi pactuado, quando há inconformidade com determinada situação, e assim questionar judicialmente o que havia sido acordado.
“E isso significa que, embora haja termos pactuados e normas definindo direitos e obrigações, na prática as partes não se contentam e acionam o Poder Judiciário. São milhares de processos judiciais que discutem a retirada de patrocínio, medidas tomadas para equacionamento de déficit atuarial, responsabilidade de entidades e patrocinadoras por atos de gestão, dentre outros vários temas. E isso só tem um lado ruim: gera muita insegurança jurídica.”
Segundo a especialista, a previdência complementar deveria ser um complemento à aposentadoria pública, um investimento financeiro de longo prazo em benefício de um futuro melhor, mas acaba se tornando cada vez mais complicada diante de tanto litígio, o que faz com que patrocinadores, participantes e assistidos passem a repensar esse tipo de investimento. “Nesse contexto, parece muito louvável tentar tornar a CMCA mais eficiente, dinâmica e efetiva como um todo, para aos poucos mudar essa cultura do litígio.”
Ela afirma ainda que impedir a aplicação, ainda que subsidiária, de regras processuais do Código de Processo Civil (CPC) aos procedimentos da CMCA faz todo sentido, como fez a Resolução nº 23. Afinal, a lógica aqui não é aquela do processo judicial, é do diálogo que busca resolver de vez o conflito. “Os procedimentos da CMCA precisam ser marcados pela informalidade e simplicidade, como busca a nova Resolução.”