Edição 139
A BB DTVM está, desde o dia 6 de outubro último, esmiuçando centenas de documentos do fundo de private equity CVC Opportunity, para tentar entender a lógica das operações desse fundo de investimentos que foi criado em 1997 pelo próprio banco de Daniel Dantas para investir no segmento de infra-estrutura, reunindo como cotistas 12 fundos de pensão, BNDESPar, sócios estratégicos e o próprio banco. Dos 11 fundos de pensão que participam dele, 10 votaram em assembléia do dia 30 de setembro último pela destituição do Opportunity como seu gestor e pela passagem dessa função, temporariamente, para a BB DTVM.
As relações entre o gestor do fundo e seus principais parceiros, incluindo aí os fundos de pensão, de um lado, e os sócios estratégicos, do outro, têm sido no mínimo tumultuosas nos últimos anos. Calcula-se que mais de 40 processos tramitam na justiça envolvendo gestor e cotistas, afetando obviamente os resultados das companhias nas quais o fundo investiu, principalmente a Brasil Telecom (BrT), que tem sido o pivô da crise.
O CVC Opportunity, juntamente com seu espelho estrangeiro, o CVC internacional (fundo do qual o Citigroup é o principal acionista), adquiriu várias empresas durante o processo dos leilões de privatização, as mais vistosas delas no segmento de telefonia. Assim, ele tornou-se dono da Brasil Telecom, da Telemig Celular e da Tele Norte Celular, além de expressivas participações no metrô do Rio, no terminal 1 de Contêineres do Porto de Santos e na Sanepar, a empresa de saneamento do Paraná.
A ênfase em cima da Brasil Telecom resulta de ser a maior entre as empresas nas quais o fundo investiu, e a que tem hoje o maior valor de mercado. Além disso, a empresa vive hoje uma disputa com a Itália Telecom, que em 2002 reduziu a sua participação na empresa de 38% para 19%, transferindo metade das ações para o Opportunity para não perder o direito de operar na telefonia móvel, por meio da subsidiária TIW. Essa transferência, feita ao valor simbólico de US$ 47 mil e com o conhecimento e a concordância da Anatel, deveria ser revertida pelo mesmo valor assim que as metas de expansão da BrT fossem atingidas, mas o Opportunity recusa-se agora a reverter o processo. Segundo o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, o controle da Brasil Telecom deverá ser devolvido à Telecom Itália.
Procurado por esta revista para comentar as questões que envolviam o seu nome na disputa com os fundos de pensão, o Opportunity informou através de sua assessoria de comunicação que não iria se manifestar. A assessoria esclareceu ainda que a única pessoa autorizada a falar sobre o tema, o diretor Luiz Octávio da Motta Veiga, encontrava-se na Europa e ninguém poderia falar além dele.
Controles cruzados – Brigando ao mesmo tempo com os fundos de pensão e com o sócio estratégico da Brasil Telecom, o Opportunity acabou sendo vítima da própria estrutura que criou para controlar as companhias compradas pelos fundos gêmeos, o CVC nacional e o internacional. Através de uma série de participações cruzadas (ver quadro), o banco de Daniel Dantas conseguia comandar a operação porque tinha inserido no regulamento do fundo que a troca do gestor só poderia ocorrer com o voto de no mínimo 90% dos cotistas.
Como a Sistel mantém uma participação de 17,78% no CVC, a qual é exercida exatamente pelo Plano da Brasil Telecom cujo representante é indicado pelo Opportunity, na prática isso acaba funcionando como um direito de veto. É mais ou menos como os Estados Unidos exercem seu poder de veto sobre as decisões do Banco Mundial e FMI, controlando apenas 17,25% das cotas, pois os estatutos de criação dessas entidades estipulam que suas decisões precisam ter a aprovação de pelo menos 85% dos votos para terem validade.
Mas, baseando-se no fato de que havia abuso de poder e um evidente conflito de interesses no caso do voto da Sistel, os fundos conseguiram anular o voto da Sistel e destituir o Opportunity da gestão do CVC nacional. Feito isso, imediatamente empossaram a BB DTVM como gestora provisória, sendo que está marcada uma assembléia para 30 de outubro para confirmá-la na função ou escolher outro gestor. A primeira decisão da BB DTVM como gestora foi mudar o nome do fundo nacional, para Investidores Institucionais – Fundo de Investimento em Ações.
A mudança do controle do fundo CVC deu aos fundos de pensão a oportunidade de tentar entender melhor a forma como operava o gestor antigo e os acordos e compromissos que eventualmente tivesse. “A BB DTVM está, nesse momento, justamente pesquisando esses acordos e levantando os compromissos existentes, para ver se poderiam ser lesivos aos cotistas”, explica o presidente da Previ, Sérgio Rosa.
A Previ é a maior acionista do fundo, com uma participação de 26,92%. Apoiaram o pedido da Previ, de destituição do Opportunity, a Funcef (19,42%), Centrus (8,82%), Valia (4,53%), Telos (4,48%), Forluz (2,72%), Fachesf (2,72%), Celos (1,81%), Copel (1,81%), CEEE (0,91%) e o BNDESPar (7,17%). Entre as fundações cotistas, apenas a Sistel (17,78%) votou contra a mudança, juntamente com a Delta (0,54%) e o próprio Opportunity (0,36%).
Relação insuportável – Usando regras como essas de veto e um emaranhado de participações cruzadas, o banco de Daniel Dantas levantou nos últimos anos a suspeita de que atuaria mais em benefício próprio e do fundo estrangeiro do que em benefício dos outros sócios. “Pedimos a sua destituição porque víamos o risco de que ele viesse a operar, na venda dos ativos do fundo, em benefício maior do fundo estrangeiro que do fundo nacional”, afirma o presidente da Previ, Sérgio Rosa. “Isso já ficou evidenciado, por exemplo, no caso da aquisição da participação da TIW sem ofertar esse negócio para o fundo brasileiro”.
Segundo uma fonte, a estratégia do Opportunity seria de tornar a relação com os sócios tão insuportável a ponto de forçá-los a vender sua posição por um valor irrisório. Teria feito isso, ainda segundo essa fonte, no caso da TIW, a operadora canadense que vendeu sua participação a um preço muito abaixo do mercado. E é o que estaria tentando fazer com o CVC nacional, tentando forçar uma venda por um preço abaixo do valor de mercado das companhias.
Em uma discussão ocorrida pouco tempo atrás, os fundos de pensão chegaram de fato a discutir a possibilidade de venderem sua participação. Entretanto, insistiram que o negócio tivesse uma cláusula dizendo que se o preço estabelecido por um avaliador externo fosse muito baixo, eles (os fundos de pensão) teriam o direito de comprar a parte do fundo estrangeiro por esse mesmo preço. A conversa não prosperou.
Para Sérgio Rosa, a alegação do Opportunity de que a Brasil Telecom está dando lucro e porisso a atuação do gestor está fora de suspeita, está mal colocada. “Evidentemente que a BrT está tendo lucro, mas quem garante que na hora da venda dos ativos os sócios nacionais irão embolsar essa valorização?”, pergunta. “O que sabemos é que existe uma estrutura societária extremamente complexa, que o Opportunity tem manobrado para exercer o controle isolado dos negócios e isso tem gerado conflito com os fundos de pensão e com a Itália Telecom. Será que na hora de fazer o desinvestimento, esses sócios em conflito com o Opportunity teriam acesso a um prêmio ou esse prêmio ficaria apenas com o sócio estrangeiro?”
Para conhecer melhor a relação entre o Opportunity e o fundo internacional, a BB DTVM está buscando uma comunicação com o Citigroup. O que se espera do único cotista do CVC internacional é que também destitua o Opportunity da função de gestor, ou que dê a ele orientação no sentido de mudar sua postura na relação com os sócios brasileiros. “Tem duas possibilidades, ou eles colocam um novo administrador no fundo estrangeiro ou o administrador atual adota uma nova postura”, diz Sérgio Rosa. “O que queremos é uma nova relação, com todos contribuindo para gerar valor para todos os sócios, e não apenas para alguns”.
Outros conflitos – Além dessa dúvida sobre o prêmio a que teriam direito no momento do desinvestimento, os fundos de pensão abriram com o Opportunity uma série de outros conflitos nos últimos anos. Um deles diz respeito à cobrança das taxas de administração, que gerou um processo contra o gestor e foi decidido pela Comissão de Valores Mobiliários, no ano passado, em favor das fundações. É que o Opportunity estava cobrando os 2% de taxa de administração sobre os valores cheios do fundo e não sobre os valores líquidos, como a CVM entendeu ser o correto. Assim, embora o fundo tivesse sido constituído pelo valor de R$ 570 milhões, seus prejuízos de R$ 270 milhões teriam que ser provisionados para se chegar a um valor líquido de R$ 300 milhões, sobre os quais deveria incidir as taxas de administração. Calculadas pelo valor cheio, elas representaram R$ 8,1 milhões acima do que entendiam os fundos ser o correto, valor que a CVM obrigou o Opportunity a devolver às fundações.
Outro caso de desavenças entre gestor e cotistas envolveu a colocação de duas parcelas dos papéis das empresas de telecomunicações, compradas pelo CVC no leilão de 1998 da Telebrás. O banco cobrou R$ 9,8 bilhões pelo serviço de colocação dos papéis, embora eles tivessem sido subscritos pelos próprios cotistas do fundo, como estava aliás estabelecido no contrato assinado por eles na data do leilão. Ou seja, cobrou-se como se tivesse acontecido um road-show para a colocação dos papéis, o que nunca houve.
Além desse, há casos como a compra de três jatos executivos, por US$ 35 milhões, para o Consórcio Voa, no qual o CVC nacional tem apenas participação de 3,3% enquanto a Brasil Telecom Participações (com 70%), a Telemig Celular Participações e a Tele Norte Celular Participações possuem o restante. Como todas são controladas pelo Opportunity, os jatos foram sempre usados pelo banco, inclusive nas viagens que fizeram às ilhas Cayman para as audiências do julgamento do fundo CVC internacional, num processo aberto pelo ex-sócio Luís Roberto Demarco de Almeida e que resultaram numa multa de US$ 125 mil ao Opportunity.
Aliás, nessas audiências, surgiram evidências de que haviam cláusulas no contrato do Opportunity com o cotista do fundo internacional dando a esse direitos privilegiados em relação aos cotistas do fundo nacional, o que acabou corroborando as suspeitas dos fundos de pensão nacionais de que poderiam ser passados para trás na hora de realizar o prêmio de venda dos ativos. Em 1997, ao serem criados os dois fundos, o CVC nacional e o CVC internacional, o Opportunity enfatizou que o nacional era um ‘’espelho’’ do estrangeiro.
Ainda no capítulo das desavenças entre os cotistas nacionais e o banco gestor, teve relevância os altos salários pagos aos executivos das empresas investidas pelo banco. Henrique Neves, ex-presidente da Brasil Telecom, chegou a receber em 2002, ao sair da empresa, oito vezes mais do que o seu contrato previa. Foi substituído por Carla Cicco, que recebeu US$ 585 mil como ‘’bônus de entrada’’, além de um salário anual de US$ 585 mil e mais ajuda de custo mensal de US$ 16 mil. Festejada como alta executiva, Carla teria direito a um bônus de US$ 600 mil no primeiro ano de atuação, que acabou subindo para US$ 1 milhão.
“Eles usavam o dinheiro do fundo e das empresas investidas como se fosse deles”, diz uma fonte. “Parecia que queriam realmente criar uma situação de crise, para forçar os sócios nacionais a vender sua parte por um valor irrisório”.
Arbitragem – Quando a assembléia do dia 30 de setembro afastou o banco da gestão do fundo, o Opportunity propôs entregar as divergências a uma comissão de arbitragem. No entanto, o pedido de arbitragem pode ter chegado tarde. “Já há 40 ações correndo na Justiça, um desgaste de relacionamento muito grande”, observou um advogado ligado às fundações. “Além disso, o Opportunity nunca demonstrou disposição de apelar para arbitragem em nenhum momento do conflito. Parece-me que pode estar sendo colocado em xeque, mesmo pelo Citibank”, avaliou esse advogado.
Em nota pública, a Previ comunica que “a substituição do administrador tornou-se um passo necessário. Os cotistas, em conjunto com o novo administrador do Fundo, desejam uma gestão sólida, uma relação societária transparente e ética, que devolva no prazo mais curto possível a harmonia à gestão das empresas, com respeito aos direitos de todos os seus acionistas, sejam controladores ou minoritários”. Completando, a nota da Previ diz que “as práticas do Banco Opportunity são inadequadas para gerar um ambiente de confiança no País entre os investidores brasileiros e estrangeiros. As atitudes assumidas pelo Administrador não se coadunam com o esforço de criar um mercado atrativo, transparente e organizado”.