Edição 137
Duas grandes preocupações dos fundos de pensão e de suas patrocinadoras foram aliviadas pelo governo. Os prazos para que eles adaptassem seus planos às regras de portabilidade e benefício proporcional diferido, que terminavam no último dia de julho, foram prorrogados em três meses pelo Conselho de Gestão de Previdência Complementar. Além disso, o Conselho Monetário Nacional também prorrogou o prazo para o enquadramento dos limites de renda variável dos investimentos dos fundos de pensão, que foi empurrado para o final de 2005.
As duas medidas tiraram muitas fundações do sufoco e, junto com a regulamentação dos fundos de instituidores, são os sinais mais visíveis da mudança de rumos que o sistema fechado de previdência está vivendo sob o atual governo. Por trás das mudanças percebe-se o direcionamento da Secretaria de Previdência Complementar de adotar uma regulamentação mais flexível e uma intenção de fortalecer a fiscalização do órgão. “Estamos buscando maior eficiência com menos burocracia”, afirma Adacir Reis, secretário de Previdência Complementar.
A flexibilização das regras aparece com maior nitidez na publicação da Resolução 3.116, do CMN. Por essa resolução, o prazo para o enquadramento dos limites da renda variável, que terminava no dia 31 de julho passado, foi prorrogado para mais dois anos, até o final de 2005. “Se for necessário, dependendo do plano de enquadramento apresentado pela entidade, esse prazo pode ficar até maior”, revela o titular da SPC. Além disso, para facilitar a vida das entidades, os relatórios relativos ao enquadramento de cada entidade passam de trimestrais para semestrais.
“A intenção foi dar maior flexibilidade e eliminar exigências descabidas”, afirma Reis. Em contrapartida, a fiscalização aos fundos aumentará, pois a nova resolução do Banco Central instrumentaliza a SPC a fiscalizar de acordo com as diretrizes da Lei 109. Antes dela não havia esses instrumentos, pois a Resolução 2.829, que define as diretrizes sobre investimento dos fundos de pensão, é anterior à Lei 109 (ver box). Essa é apenas uma amostra das mudanças que a SPC está preparando, em conjunto com o Ministério da Fazenda e com o Banco Central, e que deve alterar a legislação que rege os investimentos dos fundos de pensão.
“Passados os primeiros seis meses, em que trabalhamos para reestruturar o órgão, agora começamos a implementar as mudanças que desejamos, no sentido de retomar o crescimento do sistema”, revela Adacir Reis. O secretário ressalta como principais indícios de uma nova expansão dos fundos de pensão a criação dos primeiros planos de instituidores e a reversão de alguns processos de retirada de patrocínio, que devem ser confirmados nos próximos meses. Como exemplo, ele lembra o caso da Philips que desistiu de retirar o patrocínio de seu fundo de pensão, a PSS.
Difícil consenso – A nova política adotada pela SPC é resultado de um processo contínuo de negociação com os representantes do sistema. No primeiro semestre do ano, o órgão criou um grupo de trabalho para debater os principais pontos da legislação do setor. Participaram desse grupo representantes da Abrapp (fundos de pensão), Anapar (participantes) e outras entidades. Os representantes têm elogiado a disposição da secretaria de ouvir e de buscar consensos junto com as principais partes envolvidas. Mas, muitas vezes, isso acaba provocando atraso nas decisões.
É o que aconteceu com a regulamentação dos institutos, da portabilidade e do benefício proporcional diferido. O prazo máximo previsto para a adaptação dos planos ia até o final de julho, mas teve que ser adiado porque os participantes do Conselho de Gestão da Previdência Complementar não chegaram a um consenso. “A atual gestão da SPC está abrindo as questões para o debate e isto é bastante positivo, por isso é normal que exista uma demora maior para tomar algumas decisões como, por exemplo, em relação à portabilidade”, explica Paulo Ângelo de Carvalho, diretor de planejamento e atuária da Abrapp. O representante critica a postura da antiga gestão da SPC, de não abrir as discussões para o mercado.
O presidente da Anapar, José Ricardo Sasseron, também aprova a postura mais democrática da atual direção da SPC, mas ressalta que a dificuldade de chegar a um consenso pode levar a atrasos indesejáveis na definição da regulamentação. “É muito saudável ouvir todos os lados envolvidos e buscar o consenso, mas o ideal é que os prazos sejam mantidos”, defende Sasseron. Ele também defende o aumento do poder de fiscalização do órgão para que o equilíbrio dos planos e os direitos dos participantes sejam preservados.
Valor máximo – Na questão da portabilidade e do benefício proporcional diferido, as posições dos membros do CGPC ainda guardam grandes divergências. A Anapar defende regras que garantam ao participante o direito de acessar o valor máximo da reserva matemática em todo o período de participação no plano. “A Lei 109 garante o direito do participante à reserva matemática, inclusive no período anterior a sua publicação”, defende o presidente da Anapar.
Com opinião oposta, o representante da Abrapp defende a proposta de definição de um valor mínimo para o cálculo da portabilidade e do vesting, dando autonomia para que cada fundo de pensão defina em seu regulamento as regras para tais institutos. Além disso, ele entende que as novas regras devem valer apenas para o período posterior à publicação da Lei 109. “A regulamentação deve definir um valor mínimo, que não prejudique os atuais planos”, afirma Paulo Ângelo de Carvalho, diretor da Abrapp. Ele alerta que, com regras muito amplas, alguns fundos de pensão podem até quebrar e haverá uma acentuação da tendência de aumento do número de retiradas de patrocínios por parte das empresas.
Isso ocorreria pois o custo dos planos, principalmente daqueles do tipo benefício definido, ficariam mais altos e as patrocinadoras e os participantes teriam que arcar com a diferença. “As empresas não vão desviar dinheiro da produção para cobrir desequilíbrios com o plano”, prevê o diretor da Abrapp. Na sua opinião, se as novas regras valerem para o período anterior a vigência da Lei 109 haverá uma onda de ações judiciais por parte dos fundos de pensão e de suas patrocinadoras.
Para o titular da SPC, o mais importante na definição da nova regulamentação é a harmonização das regras dos institutos da portabilidade, vesting e do resgate. Sem querer adiantar o resultado final, Reis admite que deverá haver um tratamento diferenciado para o cálculo dos valores de tais institutos, para os períodos anterior e posterior à publicação da Lei 109. “Haverá tratamentos diversos para os dois períodos”, revela Reis.
Para o consultor senior da consultoria Mercer Human Resources, Eduardo Correia, será difícil administrar uma política que prevê tratamento diferente aos participantes anteriores e posteriores à nova regulamentação. “Do ponto de vista de recursos humanos, não é interessante ter regras diferenciadas para grupos de funcionários”, afirma Correia. “Será muito complicado para as empresas administrarem isso”.
O consultor também alerta para a necessidade de se criar regras flexíveis para definir os cálculos da portabilidade e do benefício proporcional diferido. “As regras devem incentivar a criação e manutenção de planos de previdência”, prevê o consultor da Mercer. “Se essas regras forem muito engessadas, as empresas simplesmente acabarão com os planos”.
Renda vitalícia – Em outra questão relativa aos planos de benefícios, a SPC seguiu as recomendações do mercado e derrubou a determinação que obrigava a oferecer renda vitalícia ao participante na hora do benefício. Segundo a norma, não era permitido que o plano oferecesse apenas a renda programada, como é o caso de muitos planos de contribuição definida puros. Se isso ocorresse, o plano deveria prever a possibilidade do participante comprar uma renda vitalícia na previdência aberta.
Para derrubar a regra, a SPC publicou a Instrução Normativa 01 no início de julho passado. “A regra anterior contrariava a Lei 109, que prevê a transferência de recursos para a previdência aberta apenas em casos excepcionais”, explica Valdner Conde, consultor da Watson Wyatt. Se prevalecesse a norma anterior, a migração de recursos das entidades fechadas para as abertas seria realizada de forma mais frequente, provocando a descapitalização das reservas de planos que não oferecessem a renda vitalícia. O prazo para a adaptação dos planos nesta questão também terminava no final de julho passado. Algumas entidades
já tinham inclusive encaminhado o pedido para a SPC
para alteração dos regulamentos, o que não será mais necessário.
Maiores mudanças virão
A Secretaria de Previdência Complementar, o Banco Central e o Ministério da Fazenda estão preparando uma reformulação das regras que orientam os investimentos dos fundos de pensão. A publicação da Resolução 3.116, no final de julho passado, é apenas um indicativo de um pacote de mudanças que estão sendo planejadas pela equipe de governo. O novo modelo deve trazer premissas diferentes da Resolução 2.829 que contém as regras atuais. “O enquadramento pelos limites não pode ser um fim em si mesmo”, raciocina Adacir Reis, secretário de Previdência Complementar. “O enquadramento deve levar em conta a curva de compromissos do fundo de pensão”.
As regras contidas na nova Resolução 3.116 conferem maior importância ao plano de enquadramento apresentado pelos fundos em função de seus compromissos atuariais. Por outro lado, a nova regulamentação enfatiza o papel de fiscalização da SPC ao conferir o poder de convocar os representantes legais da entidade fechada e de sua patrocinadora para informarem ao órgão sobre a situação dos investimentos da fundação. “A idéia é dar ferramentas para que o poder de fiscalização da SPC seja efetivo”, afirma Adacir Reis.
Outra mudança definida pela nova resolução é a obrigatoriedade de divulgação do plano de enquadramento para os participantes, assim como o envolvimento do conselho fiscal em sua aprovação e acompanhamento. “É positivo que a nova regulamentação incentive uma cultura de maior transparência dos fundos de pensão”, afirma Andréa Lopes, consultora de investimentos da Mercer Human Resources.
Para elaborar o novo modelo, a equipe de governo está realizando uma avaliação empírica da Resolução 2.829 para definir os pontos que deverão ser modificados. Um dos pontos que devem ser alterados é o que diz respeito à custódia. “Queremos aprimorar as regras que definem a custódia dos ativos dos fundos de pensão, com a habilitação dos serviços oferecidos por agentes do mercado como a Selic, Cetip e CBLC”, adianta Reis.