Edição 67
Concentrar até 90% dos seus investimentos em títulos públicos, CDBs e fundos de investimentos DI e apenas uns minguados 10% em reduzidas carteiras de imóveis e ações vinha sendo a “fórmula pronta” utilizada por muitos fundos de pensão nos últimos anos. Com as astronômicas taxas de juros ditadas pelo governo federal desde o início do Plano Real, não havia a necessidade de qualquer criatividade ou diversificação na gestão dos ativos das entidades fechadas para conseguir bater as metas atuariais de seus planos.
“Utilizamos a mesma receita de bolo nos últimos quatro anos: concentramos as aplicações em renda fixa e realizamos pequenos giros na carteira de ações”, afirma Marcus Guilherme de Freitas, gerente financeiro da Crediprev, fundação do Credireal. Ele acredita que, a partir de agora, porém, a “vida fácil” dos fundos de pensão parece estar chegando ao fim.
Com a queda da taxa de juros ao longo deste ano e a subida dos índices de inflação, a superação das metas atuariais nos planos de benefício definido está cada dia mais difícil. Os planos de contribuição definida, embora não contem com uma meta atuarial na fase de capitalização, também não podem apresentar baixos índices de desempenho sob risco de provocar a insatisfação aos participantes.
A principal pergunta na cabeça do administrador do fundo de pensão é: qual a estratégia que irá substituir a fórmula dos últimos anos? Mais do que isso, a questão assume maior dimensão quando se pensa em uma perspectiva consistente de queda das taxas de juros a médio prazo. “Estamos traçando estratégias para quando os juros estiverem no patamar de apenas um dígito”, revela Carlos Henrique Flory, presidente da Petros, fundo de pensão da Petrobrás e outras empresas do ramo petroquímico.
Para complicar a situação, parece que não há nenhuma resposta pronta, mesmo porque o mercado financeiro estava “viciado” com as altas doses de juros com as quais convivia, como um drogado dependente da morfina. “O mercado financeiro ainda não está preparado para oferecer soluções viáveis para suprir as necessidades dos fundos de pensão”, constata Marcelo Rabatt, consultor-sócio da Rocca, Prandini e Rabatt.
Uma das poucas conclusões seguras é que a alternativa de concentrar a maior parte das aplicações em renda fixa não irá funcionar por muito mais tempo para as entidades fechadas, a não ser que haja uma reviravolta na política econômica do governo federal e os juros voltem a subir. Como não existe uma alternativa predominante capaz de substituir imediatamente as aplicações indexadas às taxas de juros, cria-se um vácuo para o futuro próximo dos investimentos dos fundos de pensão.
“As fundações ainda não mudaram substancialmente o perfil de suas aplicações porque não estão encontrando muitas saídas”, declara Gilberto Kfouri Jr., diretor de renda Fixa do CCF Brain. Ele explica que a renda variável poderia ser uma alternativa viável para os fundos de pensão não fossem os problemas da CPMF e do péssimo tratamento dos minoritários.
A saída poderia vir então através da emissão de títulos indexados aos índices de inflação. Este tipo de iniciativa já começa a aparecer, como por exemplo, com a Empresa Bandeirante de Energia (EBE), que está realizando uma emissão de R$ 280 milhões em debêntures conversíveis em ações. Os papéis garantem a rentabilidade de IGP-M mais 10% anual e têm duração de 3 anos.
“As emissões de papéis privados devem ser analisadas com cuidado, pois podem implicar em altos riscos de crédito, além de comprometer a liquidez dos recursos”, alerta Marcelo Rabatt. Ele explica que o ideal para os fundos de pensão seria que o próprio governo emitisse papéis indexados aos índices de inflação, o que é bastante improvável devido ao risco de comprometimento do plano de estabilidade econômica.
Diante da falta de uma opção predominante para substituir a renda fixa tradicional, os dirigentes de fundos de pensão e administradores de recursos apontam uma série de caminhos que devem orientar a gestão dos recursos das entidades. As alternativas, ao invés de se excluírem, podem se complementar, exigindo contudo, uma postura mais ativa dos dirigentes das fundações. As consequências deste fenômeno é que as carteiras de investimentos assumirão perfis mais diversificados e a análise de risco deve se tornar uma prática mais difundida no sistema.
Outra possível saída para os fundos de pensão que adotam planos BD seria reduzir a meta atuarial, principalmente para aqueles que podem apresentar dificuldades de bater o índice de inflação mais 6% ao ano (ler matéria na página 22). “Algumas fundações podem ter que reduzir a meta atuarial e aumentar as contribuições da patrocinadora”, diz Rabatt.
Perfil da carteira – Nas conversas que Investidor Institucional manteve nas últimas semanas com vários administradores de recursos de terceiros, algumas tendências de investimento foram apontadas como as principais daqui para a frente. São elas: uma carteira de renda variável concentrando mais de 20% do patrimônio, podendo chegar a 30% ou mais em alguns casos; migração dos recursos aplicados em fundos de investimento conservadores, que perseguem 102% a 105% do CDI, para FIFs moderados, que buscam 120% do CDI; uma parte dos recursos aplicados em project finance através de Sociedades de Propósito Específico ou de private equity; além das aplicações em opções mais conservadoras, que continuarão existindo.
Essas projeções de tendências são uma tentativa de traçar um perfil da carteira-padrão de um fundo de pensão no próximos ano. É claro que são tendências gerais, que devem variar necessariamente de uma fundação para outra dependendo do tipo do seu plano e do seu grau de maturidade, entre outras variáveis.
Algumas fundações já começam a aumentar a exposição da renda variável, prevendo que o ano 2000 será favorável aos investimentos em bolsa. “Os fundos de pensão que saíram da renda variável nos últimos meses e encontram-se no patamar de 10% dos recursos neste tipo de aplicação, devem aumentar este percentual para algo entre 15% e 25%”, afirma Guilherme Cavalcanti, diretor comercial de institucionais do Liberal Asset Management.
A Eletros, por exemplo, depois de reduzir o tamanho da carteira de renda variável para 8% do patrimônio no final do semestre passado, voltou a aumentar a participação em ações. No início de outubro passado, a fundação já havia elevado a carteira para 15%, somando a administração externa e interna.
“Se não ocorrer nenhuma reviravolta no mercado, pretendemos chegar ao final do ano ao patamar de 20% a 25% em renda variável”, revela Jair Ribeiro, gerente da área de risco da Eletros. Ele prevê que o bug do milênio não provocará problemas mais sérios para as bolsas nacionais e que o nível do “Risco Brasil” deverá continuar em queda. Um dos únicos fatores que poderão provocar algum solavanco nesta tendência de recuperação das bolsas nacionais é o possível aumento das taxas de juros nos Estados Unidos.
A Fasern, fundo de pensão da Companhia de Energia do Rio Grande do Norte, é outra entidade que já começou aumentar as aplicações em renda variável. A fundação havia reduzido o nível da carteira de ações para 16% do patrimônio no primeiro semestre do ano, mas no último mês de outubro voltou a aumentar a participação em bolsas. Agora, o fundo possui 20% dos recursos aplicados em ações, contando a administração direta e a terceirizada e pretende avançar ainda mais. “O nosso comitê de investimentos havia delimitado o teto máximo de 25% do patrimônio para os investimentos em renda variável, mas estamos pensando em rever este limite”, ilustra Francisco Veiga de Medeiros, presidente da Fasern.
O dirigente comenta que deve ampliar a carteira de ações para o limite de 25% a 30% no ano que vem. O instrumento utilizado para esta ampliação serão os fundos de investimentos, porque neles é possível realizar a movimentação dos ativos sem que haja a cobrança da CPMF.
Os recursos da Fundação IBM também estão migrando em maior escala para a renda variável. A entidade administra os investimentos do plano de benefício definido e pretende aumentar a concentração em ações dos 37% atuais para mais de 40%, devendo chegar aos 45%, que representavam o nível do início deste ano. Para o plano de contribuição definida é o próprio participante que escolhe o perfil das aplicações para suas cotas. Também neste caso, os recursos em renda variável estão aumentando pouco a pouco. O número de participantes que escolheu os perfis moderado e agressivo no último mês de setembro dobrou em relação ao processo de opção anterior, realizado em março passado, informa Marcelo Mancini, analista de investimentos da Fundação IBM.
Mas nem todas as fundações pretendem voltar às bolsas nos próximos meses. Fundos de pensão que já possuem um grande número de assistidos, como é o caso da Celpos (Companhia de Eletricidade de Pernambuco) estão buscando maior liquidez para seus recursos. “Como nossas necessidades de caixa são muito elevadas, não podemos voltar para as ações e sacrificar a liquidez”, comenta Horácio Fittipaldi, diretor- presidente da Celpos.
Outros fundos, como a Sistel, fundo multipatrocinado do antigo sistema Telebrás, encontram-se em fase de transição e também estão procurando deixar os ativos bastante líquidos. “Enquanto não terminar o processo de reestruturação de nosso fundo, não pretendemos aumentar a exposição em renda variável”, revela José Viana, diretor financeiro da Sistel. A entidade possui atualmente 35% do patrimônio investido em renda variável. Ainda existem aquelas fundações que não podem elevar os investimentos em ações devido aos limites de enquadramento impostos pela legislação, como é o caso da Previ, do Banco do Brasil.
Fundos moderados – As entidades fechadas até agora não tinham muitas dúvidas na hora de escolher um fundo de investimento de renda fixa. Era só escolher um FIF de renda fixa que perseguisse 102% a 105% do CDI e esperar pela atraente rentabilidade que permitisse a superação folgada da meta atuarial de seu plano de benefícios. Esta atitude ainda não foi radicalmente modificada, mas as dúvidas começaram a se multiplicar. A expectativa dos administradores de recursos é que as fundações comecem a optar por fundos derivativos moderados que tenham a meta de dar um retorno bem superior ao CDI.
“Ainda não se consumou a migração massiva dos recursos das fundações para fundos derivativos moderados, mas as consultas sobre este tipo de produto estão cada vez mais frequentes”, diz Pedro Donizeti Velardo, superintendente de institucionais do Itaú. Ele acredita que os fundos de pensão estão começando a procurar papéis que possam propiciar retornos acima de suas metas atuariais, porém sem elevar muito os riscos das aplicações.
Os fundos de pensão devem procurar FIFs que apresentem como meta 120% do CDI ou mais a partir do início do ano que vem. Outra tendência que começa a ser registrada pelos gestores é o alongamento dos prazos dos fundos de investimento de renda fixa pré-fixada. Esta atitude pode ser entendida como uma tentativa de preservar o nível das atuais taxas de juros que ainda são atraentes para as fundações. “Estamos percebendo que os fundos de pensão estão procurando alongar os prazos da renda fixa, além de começar a investir em fundos derivativos mais agressivos”, afirma Marcelo Mello, gerente de investidores institucionais da Sul América Investimentos.
A diversificação dos investimentos dos fundos de pensão deve provocar uma mudança importante na indústria de fundos de investimento. Os administradores terão que aprimorar a prática da gestão ativa dos fundos de investimentos. “Os gestores irão se beneficiar com a diversificação nas aplicações das fundações porque terão a oportunidade de obter ganhos adicionais com a gestão ativa”, explica Guilherme Cavalcanti, do Liberal.
BB DTVM assume gestão de private equity do FonteCindam O private equity que estava sob gestão do FonteCindam, destinado à realização de investimentos em projetos de infra-estrutura no Nordeste, já tem um novo administrador. As sete fundações cotistas do fundo escolheram a BB DTVM para substituir o antigo gestor, que precisou encerrar as atividades como administrador de recursos devido ao agravamento dos problemas da instituição após a crise do mercado financeiro nacional do início do ano.
A empresa de asset do Banco do Brasil, depois de ser selecionada pelas fundações, conseguiu a autorização da Comisão de Valores Mobiliários (CVM) em setembro passado para administrar o fundo e já está preparando o investimento em um primeiro projeto na região até o final deste ano. “Estamos em fase adiantada de estudos de cinco projetos e pretendemos investir em pelo menos um deles até o término deste ano”, afirma Carlos José da Costa André, gerente executivo da BB DTVM e responsável pela gestão do fundo.
O private equity tem o prazo de dois anos e meio para realizar os investimentos e de três anos para resgatar os investimentos. O valor total da integralização das cotas deve chegar a R$ 50 milhões, podendo ser aumentada para até R$ 150 milhões.
O fundo existe há dois anos e, neste período, ainda não foi possível concretizar o investimento em nenhum projeto de infra-estrutura. A demora na definição das primeiras aplicações, somada aos problemas enfrentados pelo FonteCindam – que não resistiu à crise da economia nacional de janeiro passado e teve que fechar as portas de sua empresa de asset, fez com que quatro dos onze cotistas originais deixassem o fundo.
A Celpos, fundo de pensão da Companhia de Eletricidade de Pernambuco, foi um deles. A fundação vendeu sua participação no private equity em janeiro passado. “O administrador demorou muito tempo para escolher os projetos em que o fundo poderia investir e esta foi uma das razões que nos levaram a deixar o fundo”, diz Luiz Carlos Loureiro, diretor-presidente da Celpos em exercício na época da venda das cotas.
Outro motivo que incentivou a Celpos a sair do private equity do FonteCindam foi o aumento das necessidades de liquidez dos ativos para cobrir o pagamento dos benefícios. “A Celpos é um fundo que está entrando em sua fase de maturidade e não podemos engessar muito os nossos investimentos. Por isso, resolvemos sair do private equity antes que fosse necessário realizar o aporte de novos recursos”, afirma Horácio Fittipaldi, que ocupava a diretoria financeira da Celpos no início de 99 e atualmente é o diretor-presidente da fundação.
Momento oportuno – A atual situação do mercado financeiro nacional deve favorecer os investimentos em project finance por parte dos fundos de pensão devido à perspectiva de redução das taxas de juros. As fundações devem começar a procurar investimentos que possam oferecer possibilidades de retorno acima da meta atuarial padrão dos planos de benefício definido, formada pelo índice de inflação mais 6% ao ano (ler matéria na página 22).
“O private equity de infra-estrutura surge neste momento como uma alternativa bastante interessante ao nosso fundo de pensão, pois pretendemos diversificar a composição de nossa carteira de investimentos”, explica Cássio Medeiros de Sousa, diretor financeiro da Fasern, fundação que participa como cotista do BB Infraestrutura Nordeste – novo nome do fundo que antes se encontrava sob administração do FonteCindam. Ele afirma que a queda das taxas de juros praticadas pelo mercado financeiro está obrigando os fundos de pensão a buscar outras alternativas de aplicações dos recursos.