O que fazer com o excedente de horas livres?

Edição 66

Sociólogo italiano discute o aumento da longevidade e o que fazer com as
horas disponíveis a mais

Ao que parece, o sociólogo italiano e professor da Universidade de Roma,
Domenico De Masi, não faz reverências ao reino das estatísticas. Em sua
exposição de quase três horas no Congresso da Abrapp, que contou com
a maior presença de público do evento, a única vez que consultou algum
material escrito para apoiar sua exposição foi ao apresentar o número de
horas que uma pessoa de 40 anos possui de expectativa de vida e de
trabalho remunerado.
Pelos seus cálculos, como a média de duração da vida da população
européia já beira os 80 anos, um cidadão de 40 anos ainda tem pela
frente uma média de mais 360 mil horas de vida. Se ele trabalhar até os
60 anos, gastará nos seus próximos 20 anos de trabalho não mais de 40
mil horas, ou seja, 2 mil horas por ano. O que fazer com o enorme tempo
livre, ou seja, com as 320 mil horas que ganhou com o prolongamento da
terceira idade?
Na outra ponta, como fica a situação do jovem? “O pai trabalha 10 horas
por dia e o filho não tem emprego”, ilustra o sociólogo italiano. A maioria
dos jovens possui um enorme tempo livre porque não há suficientes
frentes de trabalho para acolher a população de menor faixa etária, que
vem sendo excluída gradualmente do mercado. O que fazer com o tempo
livre da maioria dos jovens que se encontra praticamente marginalizada
do mercado de trabalho, atualmente? “Os jovens são as grandes vítimas
do progresso e, por isso, acabam gerando grandes movimentos de
violência”, declara De Masi.
Em alguns países desenvolvidos, o tempo gasto com o trabalho
remunerado não ultrapassa 10% da vida de uma pessoa. No
entanto, “todos são educados para o trabalho e ninguém é orientado para
aproveitar o tempo livre”, afirma de Masi. Colocações como essa do
sociólogo italiano podem fazer aflorar alguns preconceitos, principalmente
de quem conhece apenas superficialmente suas posições, pensando que
ele defende pura e simplesmente menos trabalho e mais ócio. Nada disso!
Em primeiro lugar, o aumento do tempo livre é uma constatação da
realidade do mercado de trabalho atual e não uma proposta sua, feita
para tentar solucionar o problema do desemprego ou do aumento da
expectativa de vida da população. Outro ponto importante para o
entendimento da sua teoria é a reformulação do conceito de “trabalho”
e “tempo livre”. Para ele, trabalho não é apenas aquela parte do tempo
gasta em atividades remuneradas. “Uma esposa que cuida da casa e dos
filhos, está trabalhando ou não? E um estudante universitário que está se
preparando para ingressar no mercado, está trabalhando ou não?”,
pergunta.
Pelos conceitos de trabalho surgidos na virada do século XIX para o XX,
que acabaram se popularizando pelos sobrenomes dos seus criadores
famosos, Henry Ford e Frederick Taylor, nem o estudante nem a dona de
casa estão de fato trabalhando. Esses conceitos, que em grande parte das
empresas vigem até hoje, considera trabalho apenas a atividade
remunerada. De Masi defende a remuneração desse tipo de atividade,
como a do estudante ou da dona de casa, não ligadas necessariamente à
produção ou à geração de lucros empresariais.
Para o sociólogo italiano, os sistemas fordista e taylorista já não se
adaptam à realidade do mercado de trabalho dinâmico e mais flexível que
existe hoje em dia. O mercado está criando novas modalidades de
ocupação, como por exemplo o teletrabalho, em que o fucionário já não
precisa ir ao local de trabalho, fazendo suas tarefas em sua própria casa
ou junto aos clientes da empresa. “O avanço tecnológico, o
desenvolvimento dos novos conceitos de organização laboral e a
predominância do trabalho intelectual estão derrubando os modelos de
Ford e Taylor ”, diz De Masi. Segundo ele, esses sistemas norte-
americanos estão sendo ultrapassados por serem muito rígidos na
organização laboral e por utilizarem princípios de padronização de
produtos extremos, os quais já não atendem às necessidades dos
trabalhadores nem às exigências do mercado consumidor.
O avanço tecnológico é o maior responsável pelas profundas
transformações nos conceitos de trabalho. Hoje, um automóvel é
produzido com apenas 10% da mão de obra utilizada há 15 anos. “A
economia italiana é 18% mais produtiva que há dez anos, empregando
22% menos trabalhadores”, conta o sociólogo. As empresas começam a
produzir mais com menos empregados, aumentando a margem de lucro
e, portanto, a concentração de riqueza.
As saídas apontadas por Domenico De Masi para solucionar a atual crise
do trabalho passam pela redução da jornada de trabalho e pela
remuneração a outros tipos de atividade, embora ele não tenha
especificado quem deveria arcar com essas remunerações. Além disso,
segundo ele, os governos deveriam incentivar o crescimento das suas
indústrias de lazer e turismo, porque o tempo livre das pessoas está
aumentando e essas atividades são grandes empregadoras de mão de
obra. “O Brasil, por exemplo, poderia desenvolver seriamente uma
vocação para o turismo e o lazer”.