Modelo chileno continua polêmico, após 20 anos

Edição 66

Com a reforma de 81, governo permitiu a migração da previdência pública
para a previdência privada individual

O Chile tem sido a mais importante referência dos países que pensam em
reformas previdenciárias. Seu sistema, implantado em 1981, já perto de
completar 20 anos ainda continua a ser observado e discutido por
governos e técnicos das áreas de previdência e de investimentos do
mundo todo, entre os quais encontram tanto ferrenhos defensores quanto
ásperos detratores. “Implantamos uma mudança radical em nossa
previdência”, afirma o presidente da Fiap e diretor da Associação de
Administradoras de Fundos de Pensão do Chile, Pedro Corona
Bozzo. “Porisso somos tão visados”.
De acordo com Bozzo, a previdência chilena apoia-se em três colunas: a
primeira é a previdência pública, que com a reforma de 1981 está
gradualmente desaparecendo; a segunda é a previdência privada
compulsória, que tornou-se hegemônica no país; e a terceira é previdência
privada suplementar, que está em crescimento.
Ao implantar o sistema de previdência privada, baseado no regime de
capitalização individual, em 1981, o Chile rompeu com o sistema antigo,
da previdência pública. Porém, deu aos trabalhadores que participavam
daquele sistema a possibilidade de migrarem para o novo, levando
consigo bônus emitidos pelo governo com base nas contribuições dos
últimos 10 anos antes da mudança, a serem resgatados no momento de
suas aposentadorias. De uma dívida de US$ 30 bilhões assumida pelo
governo na época da mudança, cerca de US$ 18 bilhões foram convertidos
em bônus por trabalhadores que migraram para o novo sistema e outros
US$ 12 bilhões mantiveram-se no sistema público, que paga
mensalmente as aposentadorias dos trabalhadores que não quiseram
migrar.
Atualmente, uma boa parte dos bônus emitidos em 1981 como
reconhecimento de dívida previdenciária estão vencendo. “Eles estão
sendo pagos normalmente, pelo Estado, sem problemas”, afirma Bozzo,
negando que o governo esteja tendo dificuldades para honrá-los. “Essas
informações de que o governo está com problemas para quitar os bônus
são invenção de quem não gosta do nosso sistema, e inventa coisas para
denegrí-lo”.

Ordem de aplicação – O sistema de capitalização individual funciona da
seguinte forma: a empresa paga ao trabalhador o salário integral, e esse
deve devolver compulsoriamente à empresa uma parte do que recebeu –
juntamente com uma ordem para que os recursos sejam aplicados em seu
plano de seguridade social. Normalmente, essa devolução é da ordem de
19%, sendo 10% direcionado à aplicação mínima no plano de
aposentadoria; 7% no plano de saúde; 1,2% de custo administrativo; e
0,8% de custo do seguro de invalidez e sobrevida.
Ao receber a ordem de aplicação, a empresa empregadora fica
responsável por entregar os recursos à administradora de fundos de
pensão eleita pelo funcionário, que fiscaliza nacionalmente para que as
ordens não fiquem retidas no caixa da empregadora. “As administradoras
de planos são as grandes fiscalizadoras do sistema, elas perseguem as
empresas que não cumprem as ordens de depósito dadas pelos
trabalhadores”, explica o presidente da Fiap.
Embora 10% seja a quantia mínima a ser aplicada compulsoriamente no
plano de aposentadoria, o funcionário pode optar por uma aplicação
maior, formando uma reserva superior que permitirá uma pensão mais
elevada ou a ser requerida antecipadamente. Essas aplicações, tanto a
compulsória quanto a complementar, são isentas do pagamento de
imposto de renda até o limite de 60 UF mensais, uma medida que
corresponde atualmente a cerca de US$ 1.800. Para que esse limite fosse
ultrapassado, o funcionário com aplicação mínima de 10% teria que ter
um salário superior a US$ 18 mil mensais.
O funcionário também pode alocar recursos previdenciários adicionais a
uma segunda conta, que embora seja identificada com o seu plano de
capitalização individual, será mantida em separado dele. Esses recursos
podem ser resgatados a qualquer momento pelo empregado, mas a partir
do primeiro ano de permanência as alíquotas do imposto passam a ser
decrescentes. Além disso, o imposto é cobrado apenas sobre a valorização
do ativo que ultrapassar a inflação do período.

Depósitos conveniados – Recentemente, as empresas de mineração
inauguraram uma nova modalidade de plano de capitalização no Chile, na
qual elas próprias entram com a metade dos depósitos e seus funcionário
com a outra metade. Esses planos estão sendo chamados de depósitos
conveniados, cujo valor total é estipulado por acordo entre a empresa e os
empregados, não podendo porém ser inferior a 10% do salário (o
funcionário, entretanto, só entra com metade dos depósitos). Esses
planos são totalmente isentos do pagamento de impostos, qualquer que
seja o valor alcançado.
Uma das explicações para que ele esteja sendo adotado principalmente
por indústrias mineradoras é que nesse segmento, cuja atividade física é
extenuante, há uma maior necessidade de aposentadoria antecipada. Aos
55 anos, por exemplo, o trabalhador dessa indústria ganha um salário
superior à média mas possui uma capacidade de trabalho reduzida.
Assim, com uma poupança elevada, ele pode mudar para um emprego
mais leve ou simplesmente se aposentar antecipadamente, o que faz
parte do acordo com sua empregadora no momento em que ela se
comprometeu com o plano de depósitos conveniados.
No Chile, a aposentadoria é concedida aos homens com idade mínima de
65 anos e às mulheres com idade mínima de 60 anos. Antes disso,
entretanto, eles podem requerê-la desde que satisfaçam uma dupla
condição: que suas reservas permitam financiar uma pensão de pelo
menos 110% da pensão mínima garantida pelo governo e que essa não
seja inferior a 50% do seu salário médio reajustado dos últimos 10 anos.
Satisfeita essa dupla condição, o trabalhador pode requerer a
aposentadoria antes da idade mínima.
O Estado oferece aos trabalhadores que tenham contribuído com o
sistema por pelo menos 20 anos, e tenham alcançado a idade mínima, a
garantia de uma pensão mínima independente do pecúlio que
acumularam, assim como garante assistência médica e subsídios aos
mais pobres. “São as obrigações que ficaram com o Estado”, explica
Bozzo.

Balanço – Atualmente, o sistema de pensões privadas chileno conta com
5,9 milhões de participantes, dos quais 3,2 milhões são ativos
(pagantes). Oito administradoras de ativos fazem a gestão dos recursos
acumulados, que somavam US$ 33,2 bilhões na posição de 30 de junho
último. Os participantes podem mudar de uma administradora para outra
a cada intervalo de seis meses, colocando suas reservas naquela que
ofereça os melhores retornos e cobre as menores taxas de
administração. “Sou favorável a reduzir esse prazo para que o participante
mude de administradora, de seis para apenas um mês”, diz Bozzo.
Dos US$ 33,2 bilhões, US$ 4,1 bilhões estão aplicados no exterior (ver
quadro). A legislação chilena permite que até 16% das reservas dos
fundos de pensão sejam aplicados no exterior; até 50% podem ser
aplicados em títulos públicos; até 37% podem ser aplicados em ações,
sendo que deve ser observado o limite máximo de até 5% numa mesma
empresa (do fundo ou da empresa); e até 50% em aplicações financeiras
(com limites por banco, determinados por patrimônio).
No acumulado dos últimos 18 anos, até setembro de 1999, a taxa média
de rentabilidade dos investimentos dos fundos de pensão chilenos foi de
11,5% ao ano. Apenas em 2, desses 18 anos, a rentabilidade foi
negativa, em 1995 e 1998. No acumulado deste ano, até setembro, a
rentabilidade é de 15%. “Nossa performance, a longo prazo, é muito boa”,
avalia Bozzo.