Crescimento via exportações depende de oferta de crédito

Edição 65

Para professor da USP, o risco é o governo ceder à tentação de elevar o
gasto público

A economia brasileira está chegando ao século 21 tendo em frente uma
encruzilhada histórica. De um lado, existe a possibilidade de crescer via
exportações, mas a escassez de crédito de longo prazo pode obstruir esse
caminho. Do outro lado, o equilíbrio das contas públicas, que permitiria a
queda dos juros, e como consequência o aumento da oferta de crédito,
está ameaçado pelas eleições regionais no ano que vem, que podem
forçar o governo a elevar os gastos públicos para investir em obras.
Esse será o dilema que o professor Eduardo Giannetti, da Faculdade de
Economia e Administração da USP, lançará aos participantes do 20º
Congresso da Abrapp, no painel “A sustentação do desenvolvimento:
projeto para o Brasil”. Giannetti, um dos palestrantes desse painel,
pretende apresentar um diagnóstico detalhado da situação atual da
economia, apontando tendências de curto prazo. “Saímos de uma situação
muito distorcida, de juros altos e âncora cambial, agora estamos em
processo de convalescença”, ilustra.
Para o professor da USP, a desvalorização cambial foi um passo
importante no sentido de ‘descomprimir’ os juros, além de abrir as portas
para o aumento das exportações. Embora os efeitos positivos da
desvalorização sobre as contas do país ainda não estejam aparecendo,
devido à retração do comércio internacional este ano, eles devem começar
a aparecer a partir do ano que vem e ajudar o país a alcançar um
crescimento de 4% no PIB, contra uma média de 2,5% nos últimos anos.
O motor desse crescimento é o aquecimento da demanda nos mercados
europeu e asiático, que começa a dar os primeiros sinais. “A projeção do
governo, de crescimento de 4% da economia no ano que vem, é factível.
O difícil será manter esse nível nos próximos anos. Pode ser um
crescimento alto de fôlego curto”, estima Giannetti.
Num mundo globalizado é realmente difícil traçar planos de curto prazo.
No caso brasileiro, o sucesso das exportações nesse momento depende
do que acontecer com a economia argentina após as eleições do final de
outubro. Se o país vizinho desvalorizar sua moeda, pode deixar de ser um
mercado consumidor, além de converter-se num forte concorrente em
alguns segmentos.
Um terceiro aspecto decisivo para a expansão das vendas externas é a
formação dos acordos de comércio internacional. “O Brasil também
precisaria adotar uma postura mais agressiva em relação às barreiras
comerciais”, acrescenta o acadêmico.
Entretanto, a maior ameaça à estabilidade encontra-se aqui mesmo,
internamente. Giannetti acha que o governo poderá ceder às pressões que
virão com as eleições do ano que vem. “Há uma enorme tentação de se
recorrer à inflação para gerar crescimento, emitindo moeda para fazer
grandes investimentos em obras, como na época do Juscelino Kubitschek,
que triplicou a base monetária. Hoje, essa é a única alternativa para o
governo realizar obras, porque ele não tem mais por onde se endividar”,
compara.

Resultados mais lentos – O crescimento pelo aumento das exportações
tende a trazer resultados mais lentos. Hoje, as exportações representam
menos de 1% do PIB, sendo que em meados dos anos 80 representavam
cerca de 1,4%. A curto prazo, as vendas externas podem crescer com base
na capacidade ociosa de alguns setores. Porém, a longo prazo, recuperar
essa diferença significa investir em máquinas e treinamento de mão-de-
obra, para ampliar a capacidade de produção das indústrias, gerando
escala suficiente para competir no mercado globalizado.
A consequência direta dessa ampliação dos investimentos seria o
aquecimento também do mercado interno, por meio do aumento da renda
per capita. De acordo com Giannetti, a renda per capita nacional está
estagnada desde os anos 80, enquanto entre 1960 e 1980 crescia em
média 4,5% ao ano.
A condição básica para que as indústrias ganhem em produtividade é
terem acesso a financiamento de longo prazo e barato, o que hoje é
quase inexistente. “Temos muita dificuldade de conseguir financiamento
de longo prazo, porque nossa poupança é baixa e o acesso à poupança
externa é limitado, além de que aumentaria as obrigações do balanço de
pagamentos”, observa. “Além disso, os juros altos não permitem que os
investimentos se desloquem para o setor produtivo. No Brasil,
financiamento do setor produtivo é praticamente só do BNDES”,
acrescenta.

Poupança previdenciária – Nesse cenário, um dos fatores que poderá
impulsionar o desenvolvimento é a poupança previdenciária privada. “Sem
dúvida, a poupança via previdência privada crescerá mais do que a
poupança pública. O que o governo está tentando fazer por enquanto é
acabar com a despoupança”.
Por outro lado, a longo prazo, os gastos públicos em educação básica e
saúde são vistos como fundamentais para a qualificação da mão-de-
obra. “O desenvolvimento, em última instância, é resultado de fatores
micro-econômicos, que são capital físico, humano e produtividade. O
brasileiro tem baixa qualificação, o que dificulta todo o processo”, conclui.