Entidades migram de ações para os fundos

Edição 64

Levantamento da Bovespa mostra queda na participação relativa dos
fundos de pensão nas operações diretas com ações

Os fundos de pensão estão diminuindo o volume de movimentações
diretas na bolsa de valores. As corretoras de valores perceberam que o
número de ordens de compra ou venda de ações originadas das áreas de
investimentos das fundações vêm se tornando cada vez menos frequentes
nos últimos meses. A primeira explicação utilizada para desvendar este
fenômeno baseia-se na redução da liquidez do mercado acionário, que
tem dificultado o giro das carteiras de ações das entidades fechadas de
previdência, mas este não é o principal motivo para o afastamento destes
investidores dos pregões.
Os dois principais motivos que estão incentivando a redução das
negociações diretas dos fundos de pensão na bolsa de valores são o
avanço do processo de terceirização da gestão dos investimentos e o corte
da exposição em renda variável. Estas duas tendências já vêm desde
1997, mas foram reforçadas neste primeiro semestre de 1999, quando as
entidades fechadas aprofundaram a redução do volume de ações das
carteiras e aumentaram as aplicações em fundos de investimentos. “As
fundações aproveitaram a altas das bolsas da primeira metade do ano
para realizar lucros e sair da bolsa, ao mesmo tempo que aumentaram o
nível de terceirização das carteiras”, explica Carlos Calabresi, vice
presidente financeiro e responsável pela corretora do CCF.
A terceirização da carteira de renda variável teve seu primeiro grande salto
durante o ano de 97. No início daquele ano as fundações aplicavam R$
1,8 bilhão de recursos nos fundos de investimentos de ações e, um ano
depois, este valor já havia saltado para R$ 9,3 bilhões, segundo dados da
Secretaria de Previdência Complementar (SPC). O segundo grande salto
está ocorrendo nos últimos meses, com a transferência dos recursos das
carteiras de renda variável sob administração própria para os fundos de
ações, tanto mútuos quanto exclusivos.
A Funcef, fundação da Caixa Econômica Federal, que está transferindo R$
1,2 bilhão de ativos de renda variável para fundos exclusivos (leia nota na
página 5). Outros fundos, como a Faelba (Cia Eletricidade da Bahia) e o
Economus (Nossa Caixa, Nosso Banco), também decidiram criar novos
fundos exclusivos recentemente.
A volta da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF)
fez com que muitas fundações transferissem os recursos da carteira
própria de ações para os fundos de investimentos ou para a renda
fixa. “O processo de terceirização foi acentuado nos últimos meses devido
ao retorno da CPMF em junho passado”, diz Nelson Marquardt, diretor de
investimentos da Fundação Copel e diretor da Associação Brasileira das
Entidades Fechadas de Previdência Privada (Abrapp).
A Fundação Copel já chegou a deter uma carteira interna de ações que
representava 33% de seu patrimônio na época em que o plano era do tipo
de benefício definido. A entidade implantou um novo plano de contribuição
definida e decidiu mudar a gestão e reduzir a exposição em renda
variável. O fundo diminuiu a carteira de ações em um terço e terceirizou
metade de sua gestão.
Atualmente, a Fundação Copel possui uma carteira de ações que
representa 22% do patrimônio, sendo que metade disso encontra-se
aplicado em fundos mútuos e exclusivos. “Decidimos que o plano de
contribuição definida deveria contar com uma gestão mais conservadora e,
por isso, reduzimos e terceirizamos parte de nossas ações”, revela
Marquardt.
O crescimento do número de fundos de pensão que possuem planos de
contribuição definida é outro fator que está incentivando a redução da
exposição aos riscos da renda variável. Os participantes do plano CD têm
contas individualizadas e acompanham mensalmente a rentabilidade de
suas cotas. Por isso, a volatilidade dos investimentos precisam ser
reduzidos para não assustar os participantes. “A gestão dos investimentos
dos fundos de pensão está ficando mais conservadora devido ao
crescimento dos planos de contribuição definida”, afirma Paulo Araújo, ex-
diretor comercial do Bozano, Simonsen.
Além da redução do número de planos BD, o próprio aumento da
volatilidade do mercado acionário a partir da crise da Ásia tem contribuído
para afastar os fundos de pensão das bolsas. A Braslight, por exemplo,
chegou a deter uma carteira própria de ações que englobava 30% do
patrimônio da fundação no primeiro semestre de 97. A partir do início da
crise asiático até o final do primeiro semestre de 98, a entidade foi
reduzindo a exposição em renda variável até atingir o nível de apenas 5%
do patrimônio. Desde então, a Braslight quase não movimentou a sua
carteira de ações, que ainda permanece sob gestão interna. “O nível de
volatilidade do mercado acionário ainda está muito alto e, por enquanto
preferimos ficar distantes das bolsas”, diz Márcio Jardim, diretor financeiro
da Braslight.
O Postalis, fundo da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), também
decidiu reduzir o tamanho da carteira de ações, que se encontra
totalmente sob gestão interna. A entidade possuía, no início de 99, cerca
de 40% do patrimônio aplicado diretamente em ações. Ao final do
primeiro semestre, a fundação já havia reduzido esta participação para
20%. “Passamos por muitos sustos no ano passado e decidimos
aproveitar a alta da bolsa deste primeiro semestre para diminuir o volume
da carteira de renda variável”, afirma José de Souza Teixeira, presidente
do Postalis.

Contradição – A redução da carteira interna de ações pode provocar outro
fenômeno que acaba contribuindo para o afastamento das entidades das
movimentações dos pregões. Ao vender parte das ações, pode ser que
permaneçam os papéis menos líquidos dentro da carteira sob gestão
interna. “As fundações possuem muitos papéis de segunda e terceira
linhas que dificilmente são negociáveis em um mercado com liquidez
reduzida”, diz Cláudio Henrique Sangar, diretor de operações da Corretora
Planner. Além dos papéis com pouca liquidez, existem muitas ações nas
carteiras das entidades fechadas que não são negociáveis em bolsa. Trata-
se de participações acionárias de controle principalmente em empresas
privatizadas. A Previ, fundo do Banco do Brasil, por exemplo, possui
participação acionária em diversas empresas do setor de infraestrutura
que foram privatizadas nos últimos anos.
A consequência dos processos de terceirização e de redução da exposição
em renda variável pôde ser sentida com maior intensidade no útimo mês
de julho, quando os fundos de pensão foram responsáveis por uma
movimentação na Bovespa bem menor que os meses anteriores. As
entidades fechadas negociaram R$ 790 milhões em julho contra uma
média de R$ 1,3 bilhão dos três meses anteriores. Na verdade, as
movimentações dos fundos de pensão na Bolsa de São Paulo no segundo
trimestre de 99 representou uma exceção desde maio do ano passado
(veja tabela ao lado).
As fundações não ultrapassavam a marca de R$ 1 bilhão em negócios na
Bovespa desde abril do ano passado, quando foram responsáveis por R$
1,46 bilhão entre compras e vendas de ações. Desde então, o volume de
negócios vinha girando em torno de R$ 600 milhões a R$ 900 milhões até
novembro de 98. As negociações dos fundos de pensão na Bovespa
caíram para o menor nível do período em dezembro passado, quando
ficaram em apenas R$ 475 milhões e no primeiro trimestre de 99 ficaram
com uma média de R$ 730 milhões.
Mas nada disso se compara aos níveis atingidos no final de 97 quando os
fundos de pensão chegaram a negociar mais de R$ 2 bilhões em um
único mês. “As sucessivas crises das bolsas e a redução da gestão direta
da carteira de ações contribuíram para diminuir a participação dos fundos
de pensão no volume total negociado na bolsa de valores”, diz Carlos
Manoel de Souza, analista de investimentos da consultoria Lopes Filho. Ele
explica que as entidades podem resolver aumentar o tamanho das
carteiras de renda variável nos próximos meses em função dos baixos
preços das ações. Mas o principal instrumento que será utilizado para este
aumento da exposição em renda variável deve ser o fundo de
investimento, prevê o analista.
Os dados da Secretaria de Previdência Complementar mostram que o total
de recursos aplicado diretamente pelos fundos de pensão em ações
permanece praticamente estagnado desde o início de 95. Em janeiro
daquele ano, as entidades possuíam pouco mais de R$ 18 bilhões. Nos
anos seguintes, as carteiras de ações dos fundos de pensão cresceram
um pouco, chegando a atingir o valor de R$ 24,7 bilhões ao final de 97,
mas no final do ano seguinte regrediu ao patamar de R$ 17,4 bilhões,
inferior ao de quatro anos antes. Enquanto isso, o patrimônio total das
entidades fechadas no período praticamente duplicou, saltando de R$
46,4 bilhões no começo de 95 para R$ 90,7 bilhões no final de 98. A SPC
ainda não fechou os dados referentes ao primeiro semestre de 99 e as
últimas informações são de março passado (veja quadro abaixo).

Carteira das Fundações (em R$ bilhões)
Ações Fundos de ações Total
Dez 94 18,1 n/d 46,4
Dez 95 16,9 n/d 57,4
Dez 96 22,1 1,8 71,6
Dez 97 24,7 9,3 86,8
Dez 98 17,4 9,2 90,7
Mar 99 21,5 11,8 93,0
Fonte: SPC