Edição 59
Analistas ressaltam o potencial de crescimento nas áreas que ainda não
são plenamente exploradas pelo banco
Sexto conglomerado bancário do País, o Banespa vai à privatização
capitalizado, enxuto e visto por banqueiros e analistas como um divisor de
águas no cenário financeiro nacional, apesar de uma série de dúvidas que
ainda pairam sobre o desenho final da instituição a ser leiloada
possivelmente dentro de alguns meses.
Decerto que não se trata do mesmo banco de quatro anos atrás, quando
sofreu intervenção do Banco Central. Mas o Banespa, que já chegou a
rivalizar com o Itaú e o Bradesco pela liderança dos bancos comerciais de
varejo, deixa o draconiano regime de intervenção com um potencial de
crescimento que, aqui sim, sem dúvida alguma, provocará alterações
significativas no cenário bancário do País.
As vantagens do Banespa são evidentes, apesar de já não ser o terceiro
banco do País por ativos (R$ 30,6 bilhões, em dezembro de 1994). Em
quatro anos de intervenção passou de terceiro para sexto banco nacional
por ativos (R$ 25,368 milhões), mas ainda possui 3 milhões de clientes,
dos quais 900 mil funcionários públicos estaduais, 350 mil municipais e 12
mil federais, com depósitos totais de R$ 11,2 bilhões.
Além disso, conta com nada menos de 569 agências e 835 postos de
atendimento bancário, 95% do total operando no estado de São Paulo, o
estado mais rico da União; está capitalizado, tem créditos tributários,
pode explorar altos volumes de prêmios com a corretora de seguros e
detém uma corretora de valores que embora não seja particularmente
ativa no serviço de corretagem é uma grande administradora de recursos
de terceiros, gerindo fundos com um patrimônio total de R$ 5,3 bilhões.
Analistas ressaltam o potencial de crescimento do conglomerado em áreas
que ainda não são plenamente exploradas pelos bancos instalados no
Brasil, e que, no entanto, constituem o futuro da rentabilidade do setor
num ambiente de estabilidade macroeconômica: crédito, administração de
recursos de terceiros, seguros, leasing, títulos de capitalização. Segmentos
que o Banespa está sub-utilizando. Admite-se, por exemplo, que a
captação dos fundos da instituição paulista possam dobrar se sua
corretora for parar nas mãos de instituições mais sofisticadas que se
empenhem em fidelizar clientes, pessoas jurídicas inclusive, muitos dos
quais hoje mantém uma conta corrente no banco, mas entregam seus
investimentos para a concorrência administrar. O analista Pedro
Guimarães, do Banco Bozano, Simonsen aponta um sintoma disso: o
Banespa tem uma forte penetração entre o público de baixa e média
renda, que constitue um nicho da caderneta de poupança pela garantia do
governo às contas pequenas. No entanto, o Banespa registra apenas R$
2,8 bilhões em contas de poupança, em comparação com R$ 15 bilhões e
R$ 17 bilhões no Itaú e no Bradesco.
Novos negócios – No extremo oposto, o Banespa descuidou – ou teve de
descuidar – do relacionamento com as empresas. Assim, um bancão tipo
Bradesco ou Itaú que venha a ficar com o conglomerado poderá utilizar a
rede de distribuição e o relacionamento do Banespa com pessoas jurídicas
que fazem pagamentos em suas agências para alavancar negócios. Da
corretora de seguros por exemplo, uma das maiores do País mas que, por
não ser uma seguradora (o que poderá acontecer após a privatização) só
detém 18% da receita de prêmios, passível, portanto, de crescer até cinco
vezes sem um esforço maior de cooptação de clientes. No mesmo caso
está a empresa de leasing, com um patrimônio líquido de R$ 260
milhões, mas com uma carteira de apenas metade disso. Outra “mina de
ouro” praticamente inativa é a de títulos de capitalização, que os bancos
adoram por representar uma captação a custo baixo, equivalente ao da
caderneta de poupança ou menos da metade da taxa de juros Selic, mas
sem as limitações das aplicações das sociedades de crédito
imobiliário. “Só em seis meses, o Banespa conseguiu 4 mil contratos”,
salienta Guimarães.
Segundo o analista Luís Miguel Santacreu, da Austin Asis, a corretora do
Banespa foi poupada quando o banco sofreu intervenção. E, aqui, está se
falando de um patrimônio líquido da ordem de R$ 558 milhões, que é um
caixa captado a custo zero e que está aplicado em títulos públicos (uma
parte, é verdade, são papéis da prefeitura de Campinas, porém a maior
parte é formada por títulos federais).
A corretora Banespa é, disparada na frente, a primeira em receita por
prestação de serviços, que engloba taxas de corretagem e taxas de
administração dos fundos mútuos, somando R$ 114 milhões (dezembro
de 98), enquanto a do Itaú foi a segunda com R$ 27 milhões, Unibanco
em terceiro com R$ 18 milhões e Bradesco logo atrás com R$ 17,6
milhões. Além disso, é uma corretora “pura”, não utilizada para
estratagemas de planejamento fiscal. Não é das mais ativas em termos
de agressividade, o que, aliás, é o comum das corretoras brasileiras. Para
Santacreu, seu potencial é duvidoso já que o futuro novo controlador pode
querer utilizá-la para fins de planejamento fiscal, ou aproveitar seu
patrimônio para capitalizar outra instituição.
Enxugamento – O saneamento do banco passou pelo refinanciamento de
R$ 60 bilhões de dívidas estaduais e um drástico enxugamento de custos,
que reduziu o número de funcionários em quase 40%, de 33,8 mil para
20,7 mil desde a intervenção. No entanto, a diminuição da rede foi mais
modesta, de apenas 35 agências, a maioria em outros estados ou em
cidades do interior paulista onde não eram rentáveis.
Os resultados cresceram expressivamente após esse processo. O
patrimônio líquido, importante para calcular o valor do banco, passou de
R$ 1,5 bilhão para R$ 4,57 bilhões em 1998. Em lugar de um prejuízo de
R$ 342,1 milhões, o Banespa mostrou um lucro líquido de R$ 158,4
milhões em dezembro do ano passado e de R$ 526,9 milhões em abril
último.
O resultado financeiro foi ampliado nesse período de Spa operacional pela
administração dos títulos do governo estadual, com um “spread” fixo de
0,5% garantindo uma receita mensal de aproximadamente R$ 100
milhões. Depois de fechado o acordo da dívida com a União, os títulos
estaduais foram trocados por papéis federais. O Banespa, porém,
manteve um volume significativo que lhe garante ganhos com os juros.
Operação semelhante foi concluída em março com as dívidas da cidade de
São Paulo, pelo qual Brasília efetivou o acordo de troca dos títulos
municipais por federais, livrando assim o banco de um possível calote de
R$ 1,5 bilhão da prefeitura paulistana.
Segundo analistas do setor, o Banespa lucrou duplamente nessa troca.
Como são papéis considerados sem nenhum risco para o cálculo do limite
de alavancagem de operações de crédito, o banco paulista tornou-se – e
de longe – a instituição mais líquida e com maior potencial de expansão
das operações ativas no mercado brasileiro. Santacreu, da Austin Asis,
ressalta o fato do chamado índice da Basiléia do Banespa ser de 38%, ou
3,3 vezes superior ao mínimo exigido pelo Banco Central, que é de 11%.
No Itaú, o índice é de 21%; no Bradesco, de 17%, e, no Unibanco, é de
13%.
Pedro Guimarães, do Bozano,Simonsen destaca o caixa privilegiado do
Banespa, de R$ 7,7 bilhões – o maior do setor –, resultado de ativos
totais de R$ 25,368 bilhões (final de dezembro), dos quais somente R$
3,8 bilhões constituíam operações de crédito. Também nesta última conta,
que mede a diferença entre as posições ativas e passivas em títulos
federais, o Banespa ultrapassa o Itaú, com R$ 6,5 bilhões, o Bradesco (R$
5,7 bilhões) e o Unibanco (R$ 2,7 bilhões). Por um conceito ampliado, que
soma também as reservas exigidas pelo BC e os depósitos nas agências,
o caixa sobe para R$ 12,037 bilhões.
Interesse – Não é à toa que dirigentes das três maiores instituições de
varejo privadas nacionais manifestaram, recentemente, seu interesse pelo
Banespa. “A compra do Banespa faria o Bradesco crescer mais rápido”,
resumiu Luiz Carlos Trabuco, vice-presidente do Bradesco em seminário
promovido pela Associação Brasileira dos Analistas de Mercados de
Capitais (Abamec), dia 10 de junho.
“O Banespa, sem dúvida, é um marco importante porque talvez seja a
última oportunidade de se garantir uma posição significativa no setor
financeiro, a curto prazo, o que realmente enseja uma disputa muito
grande, quer seja entre os bancos brasileiros que estão aí disputando
uma hegemonia, quer seja dos estrangeiros que ainda não tiveram
oportunidade de entrar no Brasil. Ou ainda, por parte dos próprios bancos
estrangeiros já instalados e que pretendem dar um salto na sua posição
de mercado”, avalia o presidente da Federação Brasileira das Associações
de Bancos (Febraban) e principal executivo do Banco Itaú, Roberto
Setúbal, em entrevista à revista “Conjuntura Econômica”, da Fundação
Getúlio Vargas.
Também presente à reunião da Abamec, César Cizenando, vice-
presidente do Unibanco, foi taxativo: “Somos o banco com maior ganho
na compra. Ela nos interessa sob o ponto de vista de ativos, base e perfil
de clientes. Além disso, o passivo do Banespa tem charme. É
surpreendente ver o nível de potenciais poupadores.”
A opinião é a mesma entre consultores especializados, como José Marcelo
Bessan, da KPMG, para quem o Banespa “tem uma inegável importância
estratégica; possivelmente vital” para os dois maiores bancos privados
nacionais – Bradesco e Itaú, pois o primeiro consolida com larga margem
sua posição de primazia, enquanto para o segundo representa uma
oportunidade ímpar de superar o rival. “Levando em conta que a
penetração bancária no Brasil ainda é baixa, quem comprar o Banespa
está levando o filé mignon em termos de população bancária ativa, vamos
dizer assim”, sublinha Santacreu. “O Banespa é um dos principais players
do mercado brasileiro, e para entrar nesse jogo, ou para evitar que
alguém com escala entre, tem que crescer sozinho ou comprar um banco
pronto. O Banespa está pronto”, ressalta Roberto Serwaczak, diretor de
Mercado de Capitais do Deutsche Bank.
Mas a quem e por que o Banespa interessa mais? Segundo o analista da
Austin Asis, para os dois maiores varejistas privados nacionais, Bradesco e
Itaú, ficar com o Banespa representa proteção e consolidação de sua
posição no varejo e escala para permitir brigar quando as margens
diminuírem. Ou seja trata-se de uma aquisição mais defensiva. É o
mesmo caso do HSBC Bamerindus.
Já para o Unibanco, ter o Banespa significa ganhar escala e entrar de fato
no varejo. Ganhando, toma o lugar do Itaú. Se perder, perde a grande
possibilidade de obter espaço no varejo, melhorando sua posição geral,
uma vez que já é forte no atacado. Além disso, ficaria ainda mais exposto
a uma aquisição de uma outra instituição, nacional ou estrangeira.
O Bozano, Simonsen também teria interesse na aquisição, projetando
ganhar escala para entrar de fato no varejo, porque a compra do Banco
Meridional foi insuficiente para isso. Assim, se ganhar, aumenta o valor de
sua franquia e, se perder, deve repensar sua já questionada estratégia de
varejo e ficar sujeito aos acenos de bancos de investimento estrangeiro –
segmento que, como lembra Santacreu, também tem se concentrado e
desnacionalizado.
O Safra é outra instituição que poderia se interessar pelo Banespa, se
pensar na forte competição que seu segmento de varejo elitizado sofrerá
no futuro. Se ganhar, fica entre Itaú e Unibanco, em termos de perfil. Se
perder, ficará pequeno como o Republic ficou nos Estados Unidos. No caso
destas três últimas instituições, a compra do Banespa estaria dentro de
uma estratégia ofensiva, visando mais ganhar do que sustentar mercado.
O mesmo vale para outros bancos estrangeiros que se alinhassem para
competir pelo bancão paulista, entre os quais os norte-americanos
Citibank, BankAmerica e Chase, os espanhóis Santander e BBV, além do
holandês ABN-Amro.
Euro – Não seria de estranhar, no entanto, que a participação dos
estrangeiros fosse menor. Afinal, eles têm brigas muito maiores entre si
na arena global. Em função sobretudo do euro, os dois últimos anos viram
um quarto dos bancos europeus (pela capitalização de mercado) envolver-
se em algum tipo de fusão, segundo levantamento da consultoria Fox-Pitt
Kelton. Embora a maioria das fusões tenha sido doméstica, é apenas uma
questão de tempo para a primeira fusão além-fronteiras. “Tenho algumas
dúvidas quanto aos bancos internacionais de forma geral, e
particularmente se algum europeu estaria pensando seriamente em
disputar o varejo no Brasil”, questiona José Marcelo Bessan, da KPMG,
mesmo admitindo que, em primeiro lugar, os bancos internacionais
beneficiaram-se da desvalorização do real, que torna qualquer aquisição
mais barata, e, depois, considerando que sobrariam poucas opções no
mercado brasileiro após a privatização do Banespa.
Roberto Serwaczak, do Deutsche, compartilha o ceticismo de Bessan em
relação ao real interesse dos bancos estrangeiros. Ele sublinha ainda a
questão da formação de um mercado financeiro e de capitais senão
unificado pelo menos mais homogêneo com o euro, que obrigaria as
instituições nacionais européias, antes de mais nada, a se fortalecer
domesticamente. Dos europeus, concordam Bessan e Serwaczak, somente
os espanhóis, pela facilidade comparativa de se instalar na América
Latina, poderiam estar mais empenhados em ganhar mercado no Brasil,
agora.
Seja como for, haverá maior concentração bancária, e também mais
competição pela mesma faixa de clientes. Surgirá um novo mapa, não
necessariamente com cores diferentes, mas nada será como dantes.