Dificuldades para precificar ativos a mercado

Edição 56

Dificuldade pode criar problemas para os fundos mútuos e também para
planos CD dos fundos de pensão

A necessidade de critérios claros para fixar os preços dos ativos
financeiros, conhecida também como marcação ou precificação a mercado,
está na ordem do dia. Esse processo consiste em encontrar o valor que o
mercado pagaria por determinado papel se tivesse que ser vendido
imediatamente. Isso é o que permite evitar prejuízos aos cotistas de
fundos mútuos, tanto àqueles que resgatam suas cotas como àqueles que
ficam no fundo, como também aos participantes dos planos de
contribuição definida.
Embora seja óbvio que as coisas devam funcionar dessa maneira, cumprir
isso na prática tem se tornado uma tarefa difícil. Com o aumento da
volatilidade nos mercados, ficou cada dia mais difícil saber quanto vale um
ativo.
A dificuldade da precificação é mais evidente na renda fixa, que não tem
um mercado organizado como as bolsas de valores para dar o valor diário
das ações. Na renda fixa, o preço de um determinado papel pode variar
muito até a data do seu vencimento, de acordo com as perspectivas da
economia.
As oscilações nas taxas de juros, ocorridas a partir da crise da Ásia, no
final de 97, mostraram que essas variações podem ser significativas e
levar, inclusive, a cotas negativas. Papéis pré-fixados, por exemplo,
sofreram deságio quando as taxas subiram e essa diferença teve que ser
embutida no valor da cota, que se tornou negativa.
O exemplo mais recente da volatilidade na renda fixa aconteceu a partir
da desvalorização do real, com os títulos cambiais. O preço desses títulos
está relacionado ao que os investidores esperam da política econômica,
mais do que ao seu valor de face, que é simplesmente a variação cambial
mais uma determinada taxa de juros. “Com a crise, os investidores
perceberam que a renda fixa não é tão fixa assim”, sintetiza o
responsável pela renda fixa do Bradesco Templeton, Luís Roberto Zaratin
Soares.
Outra dificuldade para fazer a precificação a mercado é a falta de critérios
uniformes para calcular o valor dos ativos. A partir de 1995, o Banco
Central exigiu que os administradores apresentassem os seus critérios,
mas não questionou a eficácia deles. “Assim, basta o administrador
mostrar como chegou àquele preço e pronto”, diz Soares. “Se os critérios
são eficientes é outra história, que o BC não cobra”.
De acordo com ele, as regras do BC são inadequadas à correta
precificação dos ativos a mercado. Elas estipulam que, antes do
vencimento dos papéis, o administrador deve apurar apenas os prejuízos,
e não os lucros, obtidos no período. Com isso, o cotista que sai do fundo
antes desse período é prejudicado, e aquele que entra depois é
beneficiado.
“A maior parte dos administradores tem os seus próprios critérios, até por
medidas de compliance, mas as diferenças entre eles podem gerar
desconfiança nos clientes”, opina o administrador de renda fixa da Icatu
Investimentos, Theodoro Messa. “A indústria deveria fazer um esforço
para homogeneizar os critérios”, complementa.
Um terceiro entrave à apuração correta dos preços é a ausência de
informações consolidadas sobre a cotação de ativos de renda fixa. Ao
contrário das ações, que têm seu preço claramente estabelecido nos
pregões das bolsas, a maior parte dos títulos de renda fixa é negociada
no mercado de balcão, de menor liquidez. A principal fonte de dados são
as agências de notícias, que podem apresentar diferença nas cotações de
uma para a outra.
Nos ativos de maior liquidez, como títulos públicos de curto prazo, as
variações são muito pequenas. Mas, mesmo assim, “fica difícil operar nos
momentos de crise, quando o mercado não está muito claro”, acrescenta
Messa. Na Icatu Investimentos, quando há diferença entre os preços
indicados pelas agências de notícias ou desses com outras fontes, utiliza-
se o mais baixo.
No caso dos ativos menos líquidos, como títulos públicos e privados de
prazo mais longo, a falta de informação se agrava. Por isso, as normas do
BC permitem que os ganhos sejam apurados pela “curva do papel”, ou
seja, que as taxas oferecidas por esses papéis, em seu valor de face,
sejam apropriadas paulatinamente e sem refletir a volatilidade do
mercado.
Nos fundos de investimento, o volume de ativos pouco líquidos é muito
pequeno, e não chega a comprometer a rentabilidade das cotas. Mas nos
fundos de pensão, que são os maiores compradores desses papéis de
perfil de longo prazo e baixa liquidez, isso pode se converter num
problema sério. É que, com a migração de muitas entidades para planos
de contribuição definida, o patrimônio é convertido em cotas e o plano
passa a funcionar como um fundo de investimento.
“Imaginemos um participante que vai se aposentar hoje. Se a cota não
estiver bem precificada a mercado ele poderá ficar com prejuízo, ou
inversamente sair no lucro e prejudicar aqueles que irão se aposentar
depois”, ilustra Soares, do Bradesco Templeton.
O modelo de gestão de investimentos, elaborado pela Secretaria de
Previdência Complementar (SPC), deve exigir a marcação a mercado dos
ativos das fundações, inclusive daquelas que têm planos de benefício
definido. Esse procedimento é condição básica para que o novo modelo de
medição de risco da SPC funcione, pois só com uma definição clara dos
preços atuais é que se poderá definir o quanto se poderá perder num
momento de crise. “A preocupação que os clientes têm demonstrado com
a precificação, está intimamente ligada à percepção do risco”, acrescenta.
A importância da precificação de ativos levou a BBA Capital a criar uma
área específica para isso. A idéia surgiu de uma viagem que o diretor de
operações e controles da empresa, Diniz Bernardo Nunes, fez à sede da
Capital, nos Estados Unidos, no final de 98. De acordo com ele, a
administradora americana tem um andar só para comportar a área de
marcação dos ativos a mercado. “Lá, oito pessoas trabalham
exclusivamente na precificação de ativos pouco líquidos de bolsa”, afirma
Nunes.
No Brasil, a BBA Capital conta com duas pessoas envolvidas nessa tarefa.
Elas começam a medição por volta das 11 horas e passam o dia
acompanhando a variação dos títulos de renda fixa e variável, eurobônus,
bradies e índices, adequando-os aos critérios da BBA Capital. Esses dados
servem como base para área de processamento, que faz uma checagem
antes de apurar o valor final das cotas dos fundos. “Esse é um caso onde
a redundância de funções é positiva”, enfatiza Nunes. O relatório final da
cota passa, ainda, pelas mãos dos administradores e do próprio diretor,
antes de ser enviado ao cliente.
De acordo com Nunes, o novo fluxograma dá mais qualidade e também
agilidade ao processo. “Muitas cotações são pegas de agências de notícias
que, às vezes, podem ter diferenças por causa de um erro de digitação.
Com pessoas dedicadas só à precificação, é mais rápido resolver o
problema”, diz.
Antes, a BBA Capital tinha duas áreas que juntavam o processamento e a
marcação a mercado, uma para fundos locais e outra para fundos off
shore. Com a mudança, os profissionais dessas áreas foram
redistribuídos. “Agora, cada um deles passa a ter uma visão mais geral do
processo”, acrescenta. A nova área de precificação também calcula as
cotações dos ativos para os cenários de stress utilizados pela área de
risco, que também faz a sua checagem de dados.
No Bradesco Templeton, a marcação dos ativos a mercado está
diretamente ligada ao diretor de compliance, conta Soares. “Nenhuma
informação sai daqui sem passar antes pelo compliance”, enfatiza. A
empresa possui um sistema de precificação e operações, que dá suporte a
todo o processo de administração de recursos. “Todos os que utilizam o
sistema chegam sempre ao mesmo resultado”, conclui.