Edição 166
Horizonte calmo e sem sinais de rupturas
Ano novo, vida nova, zeram-se os cronômetros. Essa regra, feliz ou
infelizmente, não pode ser generalizada e certamente não se aplica ao
mundo das projeções econômicas, onde os eventos quase sempre são
resultantes de um processo mais longo.
Comecemos com a reflexão sobre as perspectivas para 2006 tratando do
cenário externo que, afinal, é determinante na formatação das
expectativas domésticas. Um dos fatores marcantes dos últimos anos é a
ausência de grandes crises econômicas advindas do exterior. Pelo
contrário, o ambiente tem sido benigno para os mercados emergentes,
com juros internacionais historicamente baixos e crescimento bom, ou seja,
reduzida aversão ao risco e alta liquidez de capitais.
Esperava-se em 2005 que a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos
(Fed Funds passou de 1,75% para 4,25%) pudesse alterar esse quadro,
mas o mundo continuou crescendo, o nível de confiança dos agentes
econômicos permaneceu elevado e, salvo por pequenos solavancos, os
países emergentes continuaram sendo beneficiados. De certa forma, uma
das explicações para o prolongamento do bom humor foi o fato dos juros
de mercado nos Estados Unidos não terem subido como o esperado, o que
possibilitou a fartura do fluxo de capitais.
Esse quadro não deve sofrer alterações significativas em 2006. Nada
mudará no dia 31 de dezembro de 2005. Mesmo a perspectiva de
continuidade do ciclo de aperto monetário nos Estados Unidos, com os
juros alcançando 4,75%/5,0% nos próximos meses, não altera o cenário de
crescimento econômico global e alta liquidez internacional. Podemos
conviver com momentos mais voláteis, dado que há menos consenso sobre
até quando os juros subirão, sobre como será o início do mandato do novo
presidente do Fed (Ben Bernanke), sobre os efeitos dos juros na chamada
“bolha imobiliária” norte-americana, etc. Mas, não se vislumbra no
horizonte de 12 meses rupturas ou nervosismos exagerados.
Estando correta a avaliação do cenário externo favorável no próximo ano, a
economia brasileira deve continuar trilhando um bom caminho de forma a
solidificar os avanços no campo fiscal e nas contas externas. Juros devem
recuar, inflação tem condições de permanecer sob controle, o PIB pode
crescer mais do que em 2005. Uma das grandes interrogações é o quadro
político-eleitoral, mas seguramente não vivenciaremos história que se
assemelhe às últimas eleições presidenciais.
No lado das contas externas é provável que o crescimento das exportações
desacelere, mas o saldo comercial deve permanecer robusto, garantindo
mais um ano de superávit nas transações correntes. Os indicadores de
solvência do país continuarão melhorando, reservas em alta, dívida externa
em queda. Portanto, no quesito taxa de câmbio, não se espera grande
desvalorização real. Eventualmente, podemos ter uma pequena
desvalorização, seja pelo menor diferencial da taxa de juros doméstica/
internacional, seja por uma performance marginalmente pior do fluxo
comercial, ou pelo próprio processo político. Aos olhos de hoje, pensar no
dólar cotado a R$ 2,45 no final de 2006 parece razoável.
As contas públicas, a despeito das discussões teóricas sobre as vantagens
e desvantagens do superávit primário elevado, devem continuar sendo
orquestradas com rigor. Claro que o governo poderia investir mais, a
qualidade dos gastos poderia ser melhor, as reformas estruturais poderiam
estar mais avançadas, etc. Mas, mesmo que o setor público gaste parte da
economia excessiva dos últimos meses, acreditamos que a meta de
superávit primário de 4,25% do PIB dificilmente será descumprida. Além
disso, a queda esperada da taxa Selic e o crescimento um pouco maior do
PIB podem levar a uma pequena queda da relação dívida líquida/PIB, o
que seria bem recebido pelo mercado, dado que esse é um dos grandes
indicadores de solvência dos países.
Sobre o tripé nível de atividade, inflação e política monetária, as
perspectivas também são favoráveis. O esfriamento da economia em
2005, com crescimento de aproximadamente 2,5% do PIB deve diminuir o
nível de preocupação do Banco Central no que se refere a um eventual
desequilíbrio entre oferta e demanda de bens, que pressionaria os preços.
Ademais, os baixos IGPs de 2005 levam a uma correção mais modesta das
tarifas públicas em 2006, lembrando que cerca de 30% do IPCA são preços
administrados. Não havendo surpresas negativas como quebra de safra,
boom do petróleo, entre outros, desenha-se um panorama tranqüilo no
campo inflacionário. Em tese, isso pavimenta o caminho para a
continuidade do ciclo de afrouxo monetário que deve, por sua vez,
contribuir para uma expansão do PIB ao redor de 3,5%.
Política, tema sempre polêmico, estará crescentemente no foco. A questão
é: a política econômica será alterada? Aparentemente não há argumento
eleitoral a favor de mudanças significativas, não há espaço para candidatos
com propostas mirabolantes. Muito provavelmente teremos uma disputa
polarizada entre PT e PSDB. Dado que nada se espera por parte do
Congresso, talvez o mais importante do processo eleitoral seja a avaliação
das alianças e coligações partidárias com vistas à perspectiva de avanços
legislativos no próximo governo. De qualquer forma, pode se esperar
momentos mais tensos ao longo do ano como a escolha dos candidatos,
publicação de pesquisas, propagandas partidárias, debates, etc, eventos
inerentes ao processo e com potencial de influenciar os mercados.
Há riscos neste cenário. Por exemplo, de a política monetária nos Estados
Unidos permanecer restritiva por mais tempo do que o esperado e/ou a
curva de juros do mercado inclinar, reduzindo a liquidez internacional. Isso
prejudicaria as economias emergentes. Ou: queda no preço de
commodities que prejudique nossas exportações; preço do petróleo em
alta com impactos nefastos na inflação mundial e doméstica. E ainda, a
crise política no Brasil se intensifica, troca-se a equipe econômica por outra
com sinalizações mais heterodoxas, gastos públicos aumentam além do
desejado em ano eleitoral, a confiança dos empresários não melhora,
investimentos não deslancham, o PIB cresce menos.
Embora riscos estejam sempre presentes, hoje o cenário básico considera
baixa a probabilidade de grandes crises. Trabalha-se sim com a
possibilidade de vivenciarmos momentos de maior nervosismo, mas a
solidificação dos fundamentos macroeconômicos nos torna menos
vulneráveis, de forma que turbulências tendem a ser mais rápidas e
estragos mais tênues. Em suma, aos olhos de hoje, 2006 deve ser um ano
bom, tanto para a economia global como doméstica, com boas
oportunidades nos mercados.
Por fim, especialmente no mercado de ações, parece razoável se prever
novamente uma boa performance em 2006. Como dissemos, os
fundamentos macroeconômicos devem continuar evoluindo bem (juros em
queda, inflação baixa, crescimento, balança comercial robusta e contas
públicas sob controle). Apesar das questões políticas, o Brasil é visto pelo
mercado como uma “história de crescimento”. Além disso, observamos
solidez nos fundamentos das empresas (exportações, geração de caixa,
redução de dívida) e podemos antecipar várias ofertas públicas iniciais
(IPO´s) para 2006. Quando comparados a outras bolsas, somos mais
baratos em vários indicadores (P/L, EV/EBITDA). Não obstante ter havido
correções nos preços das ações, o movimento do Ibovespa continua altista
e rompendo máximas históricas. Como sempre, faz-se necessário o
monitoramento dos riscos já mencionados, mas as perspectivas são
favoráveis.
Martin Roberto Glogowsky é diretor-presidente da Funcesp – Fundação CESP