Perspectivas 2006 – Alfredo Setúbal

Edição 166

Influência externa domina o cenário

Nos últimos anos, o Brasil vem recebendo a influência de um choque externo positivo que tem definido, de forma geral, a tendência da situação macroeconômica e também dos mercados. A ocorrência de um cenário de elevado crescimento mundial, com ampliação da corrente de comércio e liquidez abundante tem possibilitado a melhora acentuada dos indicadores de solvência externa brasileiros – bem como da maior parte das economias emergentes – e deslocado o risco país para seus mais baixos patamares históricos.
O impacto positivo da correta gestão macroeconômica doméstica não deve ser desprezado, mas a própria estabilidade recente dos mercados durante momentos agudos da crise política parece atestar que a influência externa é mesmo dominante.
A formulação de um cenário para o Brasil em 2006 exige, portanto, a definição de parâmetros relativos ao ambiente internacional. Sempre uma atividade que incorpora elevado risco de erro. Mas que, cada vez mais, se mostra inevitável.
Projeções divulgadas pelo FMI apontam para uma desaceleração apenas marginal do crescimento global no próximo ano, para níveis ainda muito elevados, em torno dos 3,5%. Com contribuição ainda positiva da China, que cresce de maneira acentuada e pressiona para baixo os preços dos produtos industrializados, pelo baixo custo de mão de obra resultante da contínua incorporação de trabalhadores à economia de mercado. Como conseqüência, as pressões inflacionárias derivadas da alta das commodities são parcialmente compensadas e os graus de liberdade na gestão de política monetária, preservados.
Os juros americanos (Fed Funds) tendem a continuar subindo de forma gradual, retornando a patamares próximos a seu equilíbrio de longo prazo (em torno de 5% nominais). Trata-se de um movimento que reduz a liquidez excedente no mercado, mas que tem pouca probabilidade de ocorrer de maneira abrupta.
A saída de Alan Greenspan da Presidência do Fed após 18 anos traz algum potencial de ruído. Mas a escolha de Ben Bernanke para substituí-lo visa justamente sinalizar continuidade e, por ter sido amplamente antecipada pelos mercados, reduz a probabilidade de choques maiores.
Em síntese: embora existam riscos importantes que devem ser monitorados, em especial relativos à continua ampliação do déficit externo americano, à valorização dos imóveis nos EUA e a eventuais pressões inflacionárias decorrentes da alta dos preços de commodities, a hipótese mais provável, e que deve ser incorporada ao cenário básico, é mesmo a de continuidade da influência externa benigna, que traz como conseqüência a perspectiva de manutenção do risco emergente em patamares equivalentes, ou mesmo inferiores, aos atuais. Um “pano de fundo” favorável para o Brasil, que sustenta a formação de um cenário otimista para o país em 2006.
Acho importante ressaltar: o ano de 2005 foi muito pobre, no que diz respeito à evolução de uma agenda de reformas estruturais. A “dominância” da crise política durante o segundo semestre tornou praticamente inviável a evolução – e mesmo o encaminhamento, pelo governo – de medidas complementares no âmbito fiscal e de competitividade do país.
Assim, embora a turbulência política tenha tido pouca influência sobre os mercados, apresentou um custo bem mais elevado quando analisamos seu impacto sobre a agenda do Congresso. E o que é mais importante: em 2006, ano eleitoral, com campanha acirrada e ainda sob o ambiente de crise, a expectativa de evolução de uma agenda legislativa positiva deve ser ainda menor.
Feita essa ressalva, importante em relação ao médio prazo, a formação de expectativas para os fundamentos econômicos brasileiros em 2006 deve ser baseada num cenário, no mínimo, moderadamente otimista.
A começar pela inflação. A menor contribuição altista dos preços administrados – resultante da queda da taxa de câmbio e da forte desaceleração dos IGPs em 2005 – abre espaço para uma variação maior dos preços livres (compatível com o esperado crescimento econômico maior), sem inviabilizar o cumprimento da meta central de inflação, de 4, 5% para o ano.
Como conseqüência, a tendência é de continuidade do movimento de redução da taxa básica Selic, até atingir níveis reais próximos aos 10%. A possibilidade de que o Copom venha a “testar” níveis ainda mais baixos de juros reais deve ser considerada, mas não acredito, a princípio, em patamares muito inferiores, no curto prazo.
Os resultados do setor externo deverão ser novamente bastante positivos.
O cenário global de crescimento e, principalmente, a ampliação do comércio, mantêm as condições favoráveis para as exportações brasileiras, apesar de toda a forte valorização registrada pelo real, e deve proporcionar condições para um superávit comercial novamente superior aos US$ 35 bilhões – mesmo assumindo um ritmo mais intenso de expansão das importações.
Como conseqüência, o fluxo cambial privado deve se manter positivo, limitando o risco de pressão altista sobre o dólar durante o transcorrer do ano.
Por fim, o cenário de crescimento – que é melhor que o de 2005. Embora a contribuição da demanda externa deva deixar de ser positiva – pois o ritmo de crescimento das importações deverá superar o das exportações – há espaço para uma expansão do PIB da ordem de 3,5% (contra algo ao redor de 2% neste ano), baseada na ampliação da demanda doméstica.
O ciclo de flexibilização monetária deverá ter contribuição importante, mas virá acompanhado de outros fatores também relevantes: a continuidade da recuperação da renda real, que já tem tomado ritmo durante este ano; as perspectivas mais positivas no âmbito do emprego; o direcionamento dos gastos e investimentos públicos para setores com maior relevância eleitoral e a própria expansão do crédito ao consumidor, mesmo que em ritmo menos intenso do que o registrado nos últimos anos.
Cabe observar que o nível de 3,5% se aproxima do crescimento potencial brasileiro para seu atual nível de utilização de capacidade. Ou seja, se não é um resultado excepcional, é algo muito próximo ao melhor que o país pode obter nas condições atuais.
Em síntese: as perspectivas econômicas para 2006 são mesmo positivas.
Na inflação, nos juros, nas contas externas e no crescimento. Mas é importante observar que esse cenário se baseia na manutenção das regras de gestão de política econômica, sem alterações relevantes, em especial no âmbito fiscal.
Mas 2006 é ano eleitoral. E, embora haja inúmeras evidências de que o cenário será diferente do que o que predominava em 2002, alguma incerteza é inevitável.
A prolongada (e aguda) crise política, iniciada em junho, reduz a previsibilidade do panorama eleitoral, ao mesmo tempo em que deve provocar um acirramento nas disputas. Até que tenhamos a definição das candidaturas – e das coligações – fica complicada a elaboração de um cenário definitivo. Mas a chance de mudanças econômicas agressivas, com base em cenários eleitorais prováveis, deve ser considerada pequena.
Para os investimentos, portanto, trata-se de um cenário em que as taxas reais de juros elevadas mantêm a atratividade das alternativas atreladas ao juro pós-fixado, mas cujas melhores oportunidades de diversificação são encontradas em opções que se beneficiem de cenários otimistas – embora com grau muito elevado de volatilidade.
Destaque para a renda variável, impulsionada pelo ambiente externo positivo, pela esperada continuidade do processo de queda da Selic, pelo maior crescimento do PIB e pelos bons resultados corporativos. Em menor magnitude, os ativos prefixados, que também têm espaço para registrar ganho superior ao CDI.

Alfredo Setúbal é presidente da Anbid e vice-presidente da área de investimentos do Itaú