A união fará a força?

Edição 163

Após a derrota da Previc no Congresso, entra em pauta a criação de um
órgão único de previdência complementar no País com SPC e Susep lado a
lado

O velho projeto já foi desengavetado algumas vezes nos últimos anos,
mas agora tudo indica ser ele o único com potencial para dar autonomia
administrativa e estabilidade de cargos à previdência fechada. E, ainda
que esbarre em acirrada disputa política, a criação de um único órgão de
previdência complementar – soma da Superintendência de Seguros
Privados (Susep) com a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) –
surge como a chama capaz de reacender esse objetivo, arruinado com a
abstenção do Congresso na votação que instituiria a Superintendência
Nacional da Previdência Complementar (Previc).
Um grupo de trabalho, com representantes de diversas áreas do governo,
foi criado para estudar um novo formato para o velho projeto: a criação de
uma agência do setor ou a constituição de uma superintendência única,
que aproveitaria a estrutura e o plano de carreiras da Susep. A agência
teria a vantagem de acelerar o processo, porque encerraria a discussão
sobre quem mandaria na nova superintendência, se o ministério da
Previdência Social ou o da Fazenda. Mas, por ora, todos os caminhos
estão abertos, informa o secretário de previdência complementar, Adacir
Reis.
Para ele, a única carta fora do baralho é deixar a estrutura de supervisão
dos fundos de pensão como está. “Não tenho preconceito em relação a
um possível novo órgão se situar aqui ou acolá. O principal é ter estrutura
e estar num projeto de desenvolvimento nacional. É preciso, pois, ter um
desenho de órgão autárquico, com independência e fora da estrutura da
administração direta”, diz Reis. Ele não pôde dar detalhes da discussão,
mas a confirmou e garantiu ser mais ousada do que tudo já tentado até o
momento. “O recomendável é uma discussão sem referências ideológicas”.
Fazem parte diretamente desse debate o adjunto de Reis na SPC,
Leonardo Paixão, o diretor da Susep, João Marcelo Máximo Ricardo dos
Santos, o coordenador geral da Secretaria de Política Econômica (SPE) do
Ministério da Fazenda, Silvio Furtado Holanda, além de representantes do
Ministério da Previdência Social. O ministro dessa pasta, Nelson Machado,
em um discurso alinhado com o de Reis, também confirma discutir com
outras áreas do governo a melhor forma para conferir outro desenho à
SPC. Essa, diz, seria uma necessidade “consensual”, apesar dos avanços
colhidos pela secretaria nos últimos anos.
“A previdência complementar, pela sua importância, precisa de uma
institucionalidade perene, dando ao sistema estabilidade de regras,
burocracia estável e profissional. A Previc caminhava nessa direção e, no
entanto, com a sua não aprovação, temos que discutir alternativas”,
completa Machado. Já a assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda
foi insistentemente procurada e não respondeu aos pedidos de entrevista.
Localizado por telefone em seu gabinete à noite, o próprio Silvio Holanda,
da SPE, se comprometeu a falar com a reportagem, pediu para retornar
dentro de 30 minutos e nunca mais atendeu as chamadas.
De fato, esse não é um assunto confortável para os envolvidos. Bilhões de
reais e uma árdua disputa de poder estão em jogo e, nesta fase do
processo, o silêncio é peça preciosa para encurtar o tempo dos conchavos
políticos – eterno obstáculo para o projeto sair do papel. Tanto que o
cerne da discussão está restrito a poucos integrantes do sistema, mesmo
dentro das instituições envolvidas. O próprio João Marcelo, da Susep, ao
ser questionado sobre o projeto de criação do órgão único, reagiu com
surpresa.
E, para quem costuma ser prestativo e desenvolto no trato com a
imprensa, sua declaração foi um tanto rebuscada. “Não nego nem
confirmo a discussão, porque é um assunto tratado no âmbito do governo
e não da imprensa. Não falo sobre isso. Aliás, ignoro a notícia. E não
estou dizendo nem que ela existe, nem que não existe, pois esse tipo de
assunto não pode ser objeto público”, disse o diretor. Já o secretário
adjunto da Secretaria do Tesouro Nacional, Tarcisio Godoy, informou que o
órgão ainda não participa dessa discussão.

Opções – O grupo também avalia se a nova pasta previdenciária deve sair
por meio de uma medida provisória ou via projeto de lei. Até o momento,
e segundo informações coletadas pela reportagem, a segunda hipótese
estaria à frente, haja vista a frustrada experiência de criação da Previc por
meio de uma MP. Por outro lado, como as discussões estão em estágio
inicial – começaram há apenas dois meses –, o projeto de lei ficaria para
2006 que, por ser ano eleitoral, tornaria as condições políticas para
aprovação de projetos quase insalubres. Dessa forma, os envolvidos no
debate se vêem em uma sinuca de bico: a estrutura atual não lhes
permite esperar por muito tempo, mas também não há condições
límpidas para avançar.
Caso a opção seja pela constituição de uma superintendência, o desenho
viável em estudo é o de criar várias diretorias: da previdência aberta, da
previdência fechada, de normas, entre outras, e inclusive uma de
seguros – que não seria separada do novo órgão, como chegou a ser
cogitado em outros momentos desse debate. E a corrente dominante, até
então, é a de levar essa estrutura para o guarda-chuva do Ministério da
Fazenda. As experiências internacionais, inclusive, mostram que os países
com órgãos de supervisão de previdência privada formalmente
dependentes de ministérios não estão ligados à previdência social.
Segundo a Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE), esses órgãos na República Tcheca e na Turquia são vinculados ao
Ministério da Fazenda; na Nova Zelândia e na Espanha são ligados ao
Ministério da Economia; e no Japão, ao Ministério da Saúde, Trabalho e
Bem-Estar. Já os órgãos de supervisão de países como Alemanha,
Austrália, Canadá, Dinamarca, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália,
México, Noruega, Polônia, Portugal, Reino Unido e Suécia têm
independência institucional.

Debate – O eventual remanejamento da SPC para o Ministério da Fazenda
rende pano para manga. O superintendente da Associação Brasileira das
Entidades Fechadas da Previdência Complementar (Abrapp), Devanir da
Silva, vê com preocupação esse projeto e diz que, se vingar, irá lutar
contra. “A atividade-fim fundos de pensão é o pagamento de benefícios.
Quando esses entes se reúnem em um mesmo órgão, o
comprometimento maior passa a ser com a atividade-meio e aí é um
passo para o setor ser rotulado como instrumento de política monetária”,
diz. Para Silva, o setor precisa de um órgão de estado, não de governo.
Ou seja, seria preciso apenas estabilidade.
Já o presidente da Associação Nacional de Previdência Privada (Anapp),
Oswaldo do Nascimento, é o primeiro a defender a ida do possível e futuro
órgão para os cuidados da Fazenda. “É uma temeridade para o País
deixar a previdência embaixo do Ministério da Previdência Social, que
pode direcionar recursos para onde bem entender. Esse ministério tem
caráter social e o fundo fechado não. A previdência complementar é
apenas dinheiro do participante, é poupança, e quem tem caráter
econômico é o Ministério da Fazenda”, considera.
Na visão de Nascimento, não há muitas diferenças entre as previdências
aberta e fechada. “A fechada também visa maximizar seus investimentos,
só que ela não tem acionista e, por isso, não distribui lucros”. Nascimento
vai além. Ele lembra que durante a elaboração da Lei Complementar (LC)
109, de 2001, estava previsto a constituição de um órgão único de
previdência complementar. Mas, apesar de favorável à constituição desse
órgão e sob o comando da Fazenda, o presidente da Anapp vê um
momento delicado para isso. “Por um lado, o contexto político é
inadequado para mudanças no setor, mas, exatamente por esse
momento, podem entender prudente agilizar a desvinculação das
fundações de qualquer influência do governo”.
Para Nascimento, com a possível fusão, ambos os setores previdenciários
se pautariam pelas mesmas regras de transparência, além de ocorrerem
diminuição de custos, uniformização de critérios e resolução de impasses,
como a da portabilidade entre a aberta e a fechada. Já o presidente do
Postalis discorda de Nascimento. Na avaliação de José de Souza Teixeira,
as previdências aberta e fechada têm sim características diferentes – como
a busca pelo lucro da primeira – e isso poderia ocasionar distorções. Por
isso, o presidente da fundação dos servidores dos Correios prega cautela
nessa discussão, embora avalie que seria melhor se a regulamentação
fosse feita em separado da Susep.
“Colocar em um mesmo grupo dois elementos concorrentes é complicado.
Quem seria o superintendente? O neutro não existe”, diz. Além disso,
lembra ele, o fundo de pensão está inserido na parte “Ordem Social” da
Constituição Federal e não na da “Ordem Econômica” e, portanto, sua
natureza é previdenciária. Wagner Balera, advogado, mestre, doutor e
especialista em direito previdenciário, também avalia que o órgão único
deva ficar com o Ministério da Previdência Social e não com a Fazenda.
Por outro lado, Balera acha recomendável a junção da SPC com a
Susep. “Tanto a previdência aberta quanto a fechada são sub-sistemas da
previdência social. Este sub-sistema, contratual e facultativo, deve ser
tratado como um todo harmônico, apesar das pequenas diferenças entre
os planos”. Para Balera, o futuro provável é mesmo o da constituição de
uma agência, até para tornar a atual estrutura da SPC “menos fechada e
com menos poder concentrado nas mãos do secretário de previdência”.
Como se vê, opiniões díspares não faltam. Mas todos concordam em uma
questão: afinal, esse projeto, sai ou não sai?