Mudanças agradam mercado | Novas regras editadas pelo CMN em jane...

Edição 300

 

As estratégias das fundações brasileiras para investir no exterior ganharam nova musculatura desde o dia 25 de janeiro, quando foram anunciados pelo Conselho Monetário Nacional os ajustes regulatórios que flexibilizam as normas para esse tipo de alocação. Com as mudanças, que corrigiram as restrições trazidas em novembro passado pela Resolução CMN 4.611, será possível ter acesso a uma ampla oferta de fundos já existentes no exterior, além de ficar mais simples a montagem dos fundos constituídos no Brasil para aplicar em mercados globais. O anúncio encerrou o período de incerteza que durou quase dois meses, desde novembro passado, quando uma resolução do CMN travou completamente esse segmento e deixou o mercado em compasso de espera.
Os investimentos no exterior deverão ocupar um espaço crescente nas carteiras das fundações, permitindo diversificação e mitigação de riscos além de ajudar a compor uma rentabilidade que se tornou mais difícil com a queda dos juros domésticos. Mesmo as fundações que ainda não alocam no exterior já incluíram previsões para isso em suas políticas de investimento. Esse movimento cresceu desde que foram retirados da regulação os dois principais entraves que haviam sido estabelecidos pela Resolução 4611, assinada em novembro passado pelo CMN: a exigência de que os ativos comprados pelos fundos constituídos no exterior tivessem obrigatoriamente a nota “grau de investimento”, concedida por pelo menos uma agência de rating, e a concentração máxima de 5% em ativos de um único emissor.
“Foi bom que essa resposta do CMN tenha vindo rapidamente, atendendo aos pleitos que o mercado apresentou”, avalia o diretor executivo da Western Asset Management, gestora dos fundos da Legg Mason no Brasil, Marc Forster.
Com um volume total de US$ 750 bilhões sob gestão no mundo, e R$ 43 bilhões sob gestão no Brasil por meio da Western, a Legg Mason começou a estudar as possibilidades para os investidores brasileiros alocarem no exterior há três anos. “Em outubro de 2015 lançamos um primeiro fundo para investir 100% no exterior, pouco mais de um ano depois da Western ter lançado um fundo BDR que focava em renda fixa”, explica o responsável pela distribuição de fundos da Legg Mason no Brasil, Roberto Teperman.
Hoje a casa mantém estratégias diversas em multimercados e ações globais. “Montamos uma série de produtos ao longo desse tempo, com várias de nossas gestoras globais, incluindo fundos que apostam no segmento de small caps e de infraestrutura, entre outros”, diz Teperman. A demanda das fundações pelo mercado de dívida corporativa internacional esbarrou no “banho de água fria” que foi a Resolução 4.611. “As medidas prudenciais criadas quando o regulador tentou melhorar o acesso aos mercados globais, derrubando o limite de 25% relativo aos fundos compostos aqui no Brasil, foram exageradas”, diz Forster. A queda do limite de 25% vinha sendo pleiteado há tempos pela indústria, porque é lá fora que existe o verdadeiro risco de concentração, então foi essencial transferir esse teto (agora reduzido a 15% do patrimônio) para os fundos no exterior”, completa.
Porém, as novas medidas prudenciais da 4.611 acabaram desenquadrando 100% dos fundos globais por conta do obrigatório grau de investimento. “Lá fora as carteiras têm exposição a um mercado muito maior, e compram diversos tipos de ativos, incluindo os que não são investment grade”, lembra Forster. Já a imposição do teto de 5% para concentração máxima em ativos de um único emissor não havia deixado claro, em novembro, se isso era relativo apenas ao mercado de renda fixa, o que gerou incerteza até janeiro.
Ao rever a concentração no exterior de 25% para 15% do patrimônio dos fundos internacionais, o regulador conseguiu mitigar bastante o risco e evitar arranjos de determinados grupos para deter a integralidade das carteiras. “Para que isso acontecesse, dentro das atuais normas, seria preciso ter sete entidades mal intencionadas e capazes de convencer um gestor a montar esse fundo, algo que por ser muito difícil garante uma alocação global pulverizada”, conclui Forster. O novo desenho, acredita o gestor, conseguiu garantir uma fórmula de segurança adequada para a diversificação internacional e, ao mesmo tempo, deu acesso para que as grandes fundações possam investir diretamente em ativos globais, outra alternativa aberta pela legislação.

Produtos de prateleira – O ajuste foi pontualíssimo e veio dentro do escopo maior da regulação de investimentos dos fundos de pensão, que é a revisão completa da Resolução CMN 3.792 prevista para acontecer nos próximos meses, analisa o diretor superintendente substituto da Previc, Fábio Coelho. Ele lembra que a redução do juro tem impacto muito forte sobre as fundações e a diversificação será essencial. Tanto as mudanças anunciadas em novembro passado como os recentes ajustes resultaram num desenho mais flexível, com duas alternativas de investimento.
Para ambas continua a ser exigida a figura de um fundo local, a partir do qual as entidades podem escolher dois caminhos. “No primeiro deles, a alocação será feita por meio da aquisição de cotas de fundos constituídos no exterior, com limite máximo de 15% do patrimônio desses fundos. As fundações também poderão montar fundos exclusivos desde que essa alocação seja feita apenas em cotas e não em ativos diretos”. O segundo caminho será usar o patrimônio do fundo local para comprar cotas lá fora e também para adquirir ativos diretamente, mas aí está mantida a exigência de rating “grau de investimentos” para esses ativos.
Foram incluídas as exigências de pelo menos cinco anos de experiência e volume mínimo de patrimônio de US$ 5 bilhões para os fundos constituídos no exterior. “Nossa preocupação é garantir que as entidades comprem apenas bons produtos, já existentes e consolidados nas prateleiras internacionais, em lugar de investir em produtos criados especificamente para elas”, diz Coelho.

Novas estratégias – A Fibra, uma das primeiras entidades a apostar no exterior, em 2014, tem hoje 2,2% de seu patrimônio nessa classe de ativos e um aprendizado importante, avalia o diretor de Investimentos Marcos Aurélio Litz. “Mantivemos e até aumentamos a nossa exposição de lá para cá, em dois fundos de equities”. A entidade estava discutindo estratégias para o mercado de crédito internacional e renda fixa/crédito quando surgiu a mudança regulatória de novembro, que interrompeu o processo, agora retomado.
“A decisão estava em linha com o nosso ALM mas tivemos que parar as análises para esperar pelos ajustes nas regras”. A perspectiva da fundação é de chegar a ter até 4% de sua carteira total alocada globalmente. “Fizemos todo o caminho nessa classe de ativos, temos novas posições e também já resgatamos, então cumprimos todo o fluxo operacional”, explica Litz.
Embora o papel do câmbio seja importante, o objetivo é diversificar e não simplesmente obter retorno por conta do hedge cambial. “A intenção é ter acesso a ativos que hoje não temos no mercado brasileiro”. Ao sair de 2,2% para chegar a 4% aplicados no exterior, a Fibra pretende manter sua posição no mercado de ações e usar os recursos adicionais para cobrir novas estratégias de renda fixa e crédito. Os dois fundos de equities globais que compõem seu portfolio foram responsáveis por uma rentabilidade de 24% em 2017, com alocação em diversos setores e estratégias bem diversificadas geograficamente entre Ásia, Europa e EUA.

Sustentabilidade global – Com percentuais que variam de 0,1% até 1% do patrimônio aplicado no exterior dependendo do plano de benefício, a Previ está testando cinco fundos com os quais pretende monitorar essa classe de ativos, ver como funciona e quais os riscos que agrega. “Hoje a Previ já tem um percentual muito elevado de seu patrimônio alocado em ativos de risco, quase 50% do total estão aplicados em renda variável, então a nossa estratégia tem que ser diferenciada”, observa o diretor de Planejamento da fundação, Marcus Madureira.
As opções no exterior tem sido objeto de estudos como instrumento para mitigar esse risco. O diretor lembra que no plano I, apenas dez papéis negociados no mercado local representam quase 90% da carteira de renda variável, o que levou a fundação a adotar um processo de desinvestimento líquido. “Uma parte dos recursos da renda variável é utilizada para comprar papéis de outros setores e empresas mas, mesmo fazendo uma atuação muito agressiva para diversificar, será difícil conseguir isso apenas na bolsa brasileira”, admite Madureira. Daí o interesse pela grande variedade de papéis e setores lá fora. Na Bovespa, são cerca de 400 papéis enquanto a bolsa de Nova Iorque negocia nove mil papéis.
A visão da sustentabilidade a longo prazo permeia todo olhar da Previ no processo de diversificação. “Olhamos para os setores que vão crescer globalmente, como o de software, que tem 623 empresas na bolsa dos EUA e nenhum aqui, por exemplo, e assim repetimos a análise em várias outras áreas”, diz o diretor. Energia limpa, biotecnologia e outros setores, compatíveis com os princípios da sustentabilidade, entram nesse alvo e precisam ser buscados em carteiras globais.
Dentro dessa perspectiva, a Previ está fazendo estudos de alocação localizada, setorial, focada na mitigação de riscos ambientais, e aí a alternativa global será importante, passando tanto pela renda variável quanto pela renda fixa. Signatária do PRI, programa internacional de investimentos responsáveis, a fundação deve ampliar discussões sobre os setores que precisarão ser olhados no futuro para garantir proteção contra esses riscos, incluindo as perspectivas de rupturas tecnológicas e mudanças de padrão de comportamento dos consumidores. “Tudo está entrelaçado porque os setores mais atrativos terão que ser buscados via aplicação no exterior, serão fundos bem focados e com mandatos bem determinados dentro desse objetivo”, informa Madureira.
“No Brasil, uma análise histórica mostra números cada vez menores de IPOs. De 2014 até agora, foram apenas 13 operações enquanto nos EUA aconteceram 428 IPOs nesse mesmo período, então a realidade é que lá fora a liquidez fica bem diluída entre um número grande de empresas”, destaca Madureira. A forte concentração local atrapalha os programas de sustentabilidade, até porque os dez maiores papéis do IBR-X representam mais de 50% desse índice, contra uma participação de apenas 20% dos dez maiores papéis que compõem o S&P.
Tanto em equities quanto em dívida corporativa, a Previ pretende apostar em papéis de empresas com boa classificação lá fora, como Embraer e Ambev, que nem precisam emitir no mercado local. No mercado local de dívida, lembra o diretor, os fundos de pensão acabam tendo que disputar as emissões com os investidores que tem isenção fiscal e, além disso, elas são muito concentradas em infraestrutura, então faz sentido também ir buscar bons prêmios de renda fixa no exterior.

Espaço gradual – A política de investimentos da Petros este ano incluiu previsão para os ativos globais, com a possibilidade de ter uma alocação máxima de 1% em um de seus planos e de até 2% em outro, o PP-2. De acordo com o diretor de Investimentos da fundação, Daniel Lima, o ambiente desafiador de juros mais baixos e de maior incerteza levou à necessidade de ampliar as opções. “Abrimos espaço para a possibilidade de investir no exterior e, à medida que acumularmos experiência com esses mandatos e a oferta de produtos aumentar, os limites serão ajustados, sempre respeitando as características dos passivos dos planos”.
Sendo assim, faz sentido que os limites aumentem, de forma cautelosa, conforme o mandato amadureça na fundação. A Petros ainda não começou a aplicar no exterior e pretende estudar todas as estratégias disponíveis mas, avisa Lima, qualquer tipo de alocação nessa classe de ativos terá que passar pela aprovação do Conselho Deliberativo da fundação.
“Os esforços para aprimorar a legislação de investimentos dos fundos de pensão são vistos com bons olhos pela Petros”, explica o diretor, e não somente as regras que regem os investimentos no exterior. “Caso se confirme que o Brasil atravessará um período prolongado de juros baixos, grande parte da legislação deverá sofrer ajustes para acompanhar a própria evolução e sofisticação do mercado de capitais”. Ele observa ainda que a discussão das propostas de ajustes com agentes ou associações de mercado, como foi feito pelo regulador nesse caso, pode minimizar eventuais resultados indesejados. “As mudanças recentes na norma de investimentos no exterior nos parecem terem respondido a questões legítimas levantadas pelo mercado, de tal maneira que a estruturação de veículos de investimento mais eficientes possa ser viabilizada”.
As vantagens da inserção nos mercados globais, segundo Lima, incluem uma melhor relação risco/retorno para a carteira dos planos, exposição dos times a mercados mais sofisticados, o que se traduz em maior capacitação para seleção e monitoramento dos investimentos e gestores, além do aumento da competição para o mercado local de gestão. “Já quanto ao tamanho da alocação no exterior, obviamente dependerá da dinâmica dos passivos dos planos e das oportunidades de mercado, que mudam ao longo do tempo, causando eventuais aumentos e reduções na exposição”. As oportunidades, observa o diretor, “serão analisadas criteriosamente pelo corpo técnico da fundação, para construir estratégias de diversificação da carteira com o objetivo de superar as metas atuariais, dentro dos limites de risco estabelecidos nas políticas de investimentos”.