Edição 155
Está nas mãos da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) uma proposta – de duas páginas e com enxutíssimos parágrafos – de regulamentação dos planos nas modalidades de Benefício Definido (BD), Contribuição Definida (CD) e Contribuição Variável (CV). A intenção da secretaria é dar o pontapé em uma regulação gradativa, que não engesse o sistema, e que solucione questões urgentes, como a adequação tributária dos planos BD – não contemplados formalmente pelo Imposto de Renda (IR) regressivo criado pela Lei 11.053.
Segundo esta primeira minuta de discussão, que deve ser aprovada em fevereiro, um plano de BD é definido como o que acumula dois fatores: primeiro, que seja previamente determinado com base em valores estimados para a data da sua concessão ou fase de percepção; segundo, que o custeio dos benefícios na fase de acumulação e percepção, com custeio anual, seja determinado com base na avaliação atuarial. Isso não incluiria os planos decorrentes da opção pelo Benefício Proporcional Diferido (BPD) e de recursos portados.
Já os planos na modalidade de CD são definidos como tendo duas características: o benefício pleno é programado na data de concessão, em função do saldo individual composto de contribuições do participante e do patrocinador ou empregador; e o custeio do benefício pleno é programado na fase de acumulação, para planos com custeio anual, definido por contribuições em valor ou em porcentual sobre a base de contribuição. Finalmente, o plano CV é aquele que não atende, isoladamente, as características descritas nos outros dois tipos de planos.
O tempo não pára – Há urgência em transformar esta minuta de discussão em regulação oficial, sobretudo porque, além da adequação tributária, as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) têm projetos já prontos para atender situações de exceção entre seus participantes, mas que estão parados à espera da definição oficial das modalidades. É o caso, por exemplo, de fazer a portabilidade de recursos de uma entidade de previdência complementar aberta para uma fechada; ou calcular o BPD, quando o participante se afasta da empresa patrocinadora mas opta por receber o benefício mais adiante.
“Temos estes dois processos já prontos para entrar em funcionamento, com regras propostas segundo o cenário econômico e funcional de nosso fundo. Porém eles estão, até agora, congelados à espera da regulamentação”, diz a gerente de benefícios da Fundação Coelba de Assistência e Seguridade Social (Faelba), Elizabeth Souza de Almeida.
Elizabeth, que também é membro da Comissão Técnica Nacional (CTN) de Seguridade da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), entende que seria necessária uma regulamentação mínima para as modalidades de benefícios. “Acredito não ser possível fazer uma padronização, porém definições mínimas poderiam ser interessantes, como uma regra de custeio ou parâmetros atuariais”, analisa. Segundo ela, entretanto, os planos de CV poderiam ter uma definição mais completa.
Apesar de a urgência por regulação ser unânime no setor, também é consenso a necessidade de que haja cautela nesse processo. Por isso, as regras da minuta elaborada pela Comissão da Abrapp, em parceria com técnicos da SPC e do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA), têm alvos como suprir as novas regras de tributação de IR propostas às EFPCs na virada do ano. Desde janeiro deste ano, os participantes de planos fechados, estruturados nas modalidades de CD ou CV, podem optar pelo regime de tributação pelo qual os valores pagos sujeitam-se à incidência de IR em alíquotas decrescentes que variam entre 35% e 10% conforme maior for o tempo de acumulação das reservas.
Planos mistos – “A proposta da SPC vem para, antes de tudo, colocar luz na questão da tributação dos planos CD e CV”, diz o atuário consultor da Vestin e ex-membro da CTN de Seguridade da Abrapp, Humberto de Souza Costa Filho. Ele avalia que é extremamente necessário não deixar vaga a definição de plano de CV. “É preciso definir melhor, ou poderá tornar-se um problema”, diz.
A modalidade de contribuição variável, ou híbrida, como é chamada nos Estados Unidos, é largamente usada em países desenvolvidos, nos quais criou-se, ao longo do tempo, várias regras situando porcentuais mínimos de hibridismo ou padrões mínimos de segurança para o participante. Essas regras modificam-se sempre de acordo com a realidade de cada EFPC.
O diretor da consultoria Gama, Antonio Fernando Gazzoni, sugere que a definição de plano modalidade CV seja feita com base no que já existe no mercado brasileiro para entidades de previdência aberta. O consultor cita a Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) nº 93, que define o plano na modalidade CV como aquele em que o valor e o prazo de pagamento das contribuições são definidos, previamente ou não, e o valor do benefício, pagável de uma única vez ou sob a forma de renda, por ocasião da sobrevivência do participante ao período de diferimento, é calculado com base no saldo acumulado na provisão matemática de benefícios a conceder e no fator de cálculo de benefício definido na data da contratação.
“Desta forma, essa regra abrangeria os atuais planos de benefícios na modalidade denominada mista ou híbrida, que agregam de forma cumulativa ou alternativa, as características de BD e CD”, analisa. Segundo ele, a proposta dos técnicos da SPC não tratou disso, à revelia do que contém o parágrafo único do artigo 7º da 109, que prevê que o órgão regulador deveria normatizar as modalidades de BD, CD e CV e “outras formas de planos de benefícios que reflitam a evolução técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de previdência complementar”.
Gazzoni lembra da necessidade de se definir previamente possíveis variações no plano de contribuição variável. “Caso fique incerto, podemos ter um mutualismo inserido de forma errada, mal administrada e que pode abrir brechas para prejudicar o participante, como é o caso de se ter um plano modalidade CV misto, porém com muito pouco de CV e quase todo BD. Isso traria o mal exemplo de muitos pagando pelo benefício de poucos”, exemplifica o consultor.
É importante lembrar que o cenário de investimentos e comportamento de gestão das EFPCs está em plena transformação. Até a metade dos anos 90 quase a totalidade dos planos seguia a regra de benefício definido, devido ao contexto econômico instável, em que a modalidade BD oferecia mais segurança tendo como meta o valor do benefício. No final dos anos 90 teve início uma migração de planos de BD para CD e CV. Basicamente, deixa-se de pensar de forma mutualista, que caracteriza a modalidade BD. Afastar o mutualismo seria, da parte do participante, individualizar sua conta e não assumir riscos do grupo, ou de colegas. Da parte da patrocinadora seria riscar a possibilidade de compartilhar déficits ou despesas extras que sejam decididas pelo grupo de participantes.
Essa transformação no mercado, porém, não descarta ou coloca em desuso a modalidade de BD. “Não há uma modalidade boa ou ruim. Há a que se adequa à realidade agora”, comenta a gerente de benefícios da Faelba. De fato, na Previ, patrocinada pelo Banco do Brasil (BB), por exemplo, quem aderiu ao plano após 1998 tem quase que a totalidade de planos na modalidade de CD. “Foi uma mudança estatutária, uma adequação ao mercado. Se alguém ainda tivesse plano na modalidade de BD hoje, provavelmente, não receberia nada de complemento da aposentadoria”, diz o representante da Comissão de Empresa do BB, Marcel Barros.
Nessa transformação com foco na individualização, os benefícios não programados, ou de riscos, como o auxílio doença, a aposentadoria por invalidez, a pensão e o pecúlio por morte, que caracterizam uma situação de mutualismo, ficam desamparados na discussão. Há quem acredite que seria necessário criar um colchão de sustentação para casos em que aquele que sofra um imprevisto venha a ter um benefício muito reduzido por ter, por exemplo, um pequeno tempo de contribuição.
Esse raciocínio não descarta o fato de ser saudável ter sua conta individual e seu benefício baseado apenas em seu esforço de contribuição. A discussão acima está presente nas reuniões que visam regular as modalidades de planos, como informa o membro do Conselho de Gestão de Previdência Complementar (CGPC), José Ricardo Sasseron. “Nas reuniões há certa pressão para que não fiquem arestas de mutualismos que tragam compromissos não calculados pela patrocinadora. Porém, é possível que o benefício de risco seja custeado, ainda que em parte, por todos os participantes”, diz.
A individualização dos planos também é tema das discussões sobre a paridade de contribuição. Gradativamente, os patrocinadores buscam não estarem amarrados ao participante pela contribuição paritária. Essa pressão por um individualismo que não traga despesas de surpresa para a patrocinadora é latente no caso do governo com os funcionários públicos. Hoje, toda a categoria de servidores aguarda a regulamentação dos planos CD para formar ou contratar suas EFPCs. “E há pressão para que seja regulado um CD puro, já que a patrocinadora, no caso o governo, não quer ter nenhum compromisso após a contratação”, explica Sasseron.