Gestores avaliam novas regras | Para profissionais do mercado de ...

Paulo Corchaki, do UBSMarcelo Giufrida, da Garde AssetEdição 259

 

As mudanças propostas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em torno de diversas instruções que mexem com o mercado de fundos, com destaque para a 409 e a 539, têm gerado bastante repercussão no mercado de institucionais. Embora o projeto tenha sido bem recebido pelos gestores, algumas questões pontuais ainda desagradam o mercado. Esse é o caso da alteração do conceito de investidor qualificado e da criação da figura do investidor profissional, ambas medidas que elevam as exigências de capital aplicado – e, conseqüentemente, limitam o acesso a produtos mais sofisticados, como investimentos no exterior e fundos exclusivos. As instruções ficarão em audiência pública até 30 de junho.

Segundo Paulo Corchaki, diretor de investimentos do banco UBS, a revisão das instruções segue a direção correta, buscando alinhar o Brasil às tendências globais. “Nota-se que a CVM deu bastante atenção às demandas dos investidores e dos gestores”, afirma. Entretanto, “pequenos ajustes” são necessários, pondera.
Um deles envolve a redefinição de valores mínimos que os investidores deverão ter em carteira para serem considerados qualificados ou profissionais. Atualmente, o qualificado é aquele que possui R$ 300 mil em carteira. A proposta da autarquia é subir a régua para R$ 1 milhão – o atual piso do “superqualificado”. Além disso, foi criada a figura do investidor profissional, que deverá ter mais de R$ 20 milhões para investir. Este último tipo é quem terá acesso a produtos financeiros mais robustos, como os fundos exclusivos.
Atualmente, muitas assets já criam fundos exclusivos para quem possui até menos da metade deste valor. “Embora eu goste da ideia de sofisticarmos mais este produto no Brasil, acredito que esse valor de R$ 20 milhões seja elevado. No país existem mais fundos exclusivos do que nos Estados Unidos, que é um mercado muito maior que o nosso. Isso é uma distorção”, pondera Corchaki. Para o executivo, valores mínimos muito baixos para a criação de fundos exclusivos não são benéficos para ninguém. “Para a asset é uma estrutura muito cara e, pelo tamanho, às vezes não se justifica. Para o investidor, o custo fixo também é alto”, complementa. Já a CVM poderá ter mais controle sobre o segmento.
Segundo Francisco José Bastos Santos, superintendente de relações com investidores institucionais da CVM, o aumento dos valores segue a atualização monetária dos últimos dez anos e o potencial de valorização da moeda para os próximos. “Não faz sentido criar uma regra que se tornará obsoleta em pouco tempo”, justifica. Se os valores forem corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – que subiu 68,6% entre agosto de 2004, quando a instrução 409 foi lançada, e maio de 2014 –, eles subirão para R$ 500 mil em ativos líquidos, e não R$ 1 milhão conforme a proposta em audiência pública.
No caso do piso exigido do investidor profissional, Santos destaca que a autarquia optou por ser “conservadora”. “Quanto mais alto for este valor em relação ao qualificado, melhor. Assim a CVM ficará mais confortável para reduzir a tutela sobre os investidores mais experientes e dar mais liberdade a eles”, afirma.
Para Cristiane Sultani, sócia da área financeira da Veirano Advogados, o melhor critério para definir o tipo de investidor deve estar no suitability, série de questionários feitos pelo gestor para mapear o perfil do cliente e enquadrá-lo no fundo que melhor atende suas necessidades. “O valor que ele tem para investir não determina qual é o risco por apetite nem o grau de conhecimento que esse investidor possui”, defende Cristiane.
O representante da CVM discorda. De acordo com Santos, seria necessário aperfeiçoar o suitability para se valer apenas desse instrumento na hora de qualificar o investidor. “No mundo ideal, talvez isso fosse o bastante. Mas, na vida real, recebemos muitas reclamações de investidores quanto à fragilidade desses questionários. Da forma como eles são aplicados atualmente, não seria possível depender somente deles”, afirma.
Embora acredite que o órgão não abrirá mão de estipular um valor mínimo em ativos para a qualificação dos investidores, Guilherme Benites, sócio da Aditus Consultoria Financeira, destaca que os valores poderão cair no término da audiência pública. “Acho que é importante impor uma quantia, pois o suitability é ainda muito frágil. Mas R$ 20 milhões é um parâmetro muito alto. Haverá muitas reclamações do mercado quanto a esse número”, diz.
Meia vitória – Se as normas para qualificação de investidores tendem a desagradar o mercado, a proposta de aumentar os limites para aplicações no exterior atendem a uma reivindicação do setor que tem ganhado cada vez mais força.
De acordo com Corchaki, do UBS, a elevação dos limites – que passarão dos atuais 10% para 20% no caso de renda fixa e renda variável, igualando-se ao percentual de fundos multimercados – demonstra que a CVM está atenta às demandas dos investidores, mas tal proposta precisa ser debatida com cuidado. Para os fundos voltados para investidores qualificados, essa parcela aumenta de 20% para até 40%.
O problema novamente recai sobre os fundos voltados para o investidor profissional, como por exemplo, os produtos que aplicam a totalidade dos ativos em mercados internacionais. “Hoje quem tem R$ 1 milhão investido podia aplicar em fundos com 100% dos ativos no exterior. Com a nova proposta da CVM, só o investidor profissional, que teria R$ 20 milhões em carteira, estaria autorizado a fazê-lo”, alerta o diretor do banco.
Por conta de incertezas em relação ao formato definitivo que a norma terá após a audiência, algumas assets estão segurando o lançamento de fundos que aplicam em ativos no exterior. A unidade da Victoire no Brasil pretende lançar um fundo local (feeder) que vai investir em um smid-cap (small e mid caps) lançado na unidade de Hong Kong da asset, que aplica em empresas da China, Índia e do sudeste asiático. Entretanto, se as propostas da CVM em relação ao investidor profissional forem mantidas, a gestora deverá recorrer a um plano B.
“Estamos aguardando uma melhor definição das novas regras da CVM. Se for mantida a figura do investidor profissional com patrimônio acima de R$ 20 milhões, o fundo terá mais dificuldades para captar de cliente pessoa física”, afirma Peterson Paz, responsável pela área de relações com investidores da Victoire. Se o parâmetro for mantido, o fundo será estruturado com foco mais exclusivo para fundos de pensão e family offices. Já se a regra for mudada, o fundo local manterá o foco também nos clientes pessoas física de alta renda.
Ampliar os limites para investimento no exterior é uma reivindicação do mercado, mas segundo Benites, da Aditus, a nova norma restringiria mais o produto do que fomentaria seu desenvolvimento. Ele destaca, ainda, que investimentos no exterior podem ser bons aliados na diversificação da carteira dos institucionais. As bolsas norte-americanas possuem mais de quatro mil empresas listadas, enquanto que a brasileira possui um pouco mais de 300. Além disso, é possível acessar segmentos pouco presentes na BM&FBovespa hoje.
Conflito de interesses – Outro assunto que tem gerado polêmica entre os gestores é a cobrança ou a proibição da taxa de rebate. O que a CVM propõe é a proibição da taxa de rebate no caso de fundos de fundos – exceto para fundos espelhos – e a permissão, para os demais casos, de incluir essa “comissão”, contanto que ela esteja discriminada nas taxas que o investidor paga ao gestor regularmente.

“De olho nas melhores práticas internacionais, a CVM está buscando mitigar os possíveis conflitos de interesse no pagamento da taxa de rebate, principalmente nos fundos de fundos. Hoje, os gestores dos fundos investidos podem pagar rebate para os gestores do fundo investidor, mas essa prática não é transparente para o investidor”, defende Santos, da CVM. Segundo ele, o objetivo de proibir rebate nesses casos é garantir que o gestor opte por aplicar recursos dos clientes nos fundos com melhor performance, e não naqueles com melhores “comissões”.
Preto no branco – Ainda no âmbito de elevar a transparência do jogo, a CVM colocou em audiência pública sugestões de padronização do cálculo da taxa de performance. “Cada gestora desenvolve o seu cálculo segundo a estratégia do fundo, então a CVM quis padronizar para deixar o sistema mais claro para o investidor.
Mas as sugestões não interferem na forma como o mercado já atua, apenas explicita um modelo já bem difundido”, afirma o presidente da Garde Asset Management, Marcelo Giufrida. Para o executivo, a “nova” regra, caso aprovada, tornaria o cálculo do pagamento da taxa mais individualizado, levando em conta o tempo em que o investidor está no fundo e suas cotas. “A taxa, que era uma despesa do fundo, vai passar a ser quase um ‘resgate´”, complementa.