Alugam-se títulos | Enquanto o CMN e a CVM buscam entendimento ju

Edição 155

O celeuma jurídico entre o Conselho Monetário Nacional (CMN) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que, há alguns anos, emperra a largada do mercado de empréstimos de títulos de renda fixa está prestes a ser solucionado. De olho nisso, e vendo que algumas instituições já se preparam para adequar suas clearings (câmaras de registro, compensação e liquidação) a esse produto, a Secretaria de Previdência Complementar (SPC) está a ponto de alterar o artigo 64 da Resolução 3.121 e permitir essas operações aos fundos de pensão, antes restritos aos empréstimos de ações.
As operações deverão contar com a garantia das clearings de ativos ou derivativos. Dessa forma, ao se transformar no comprador para o vendedor e no vendedor para o comprador de um título qualquer, a clearing assume a responsabilidade pela liquidação do negócio. “Essas câmaras também ajudam na avaliação de preço, não liquidando um papel fora da curva de mercado”, diz o diretor de investimentos da SPC, Ricardo Pena Pinheiro. O presidente da comissão consultiva da clearing da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), João César de Queiroz Tourinho, cita, neste caso, o leque de estratégias que se abre em um mercado mais líquido.
Em um primeiro momento, porém, a permissão para o aluguel valerá apenas para os títulos públicos federais e demais títulos que integram a carteira das instituições financeiras – como as Cédulas de Depósito Bancário (CDB), as Cédulas de Crédito Bancário (CCB), entre outros –, conforme delibera a Resolução 3.197 do CMN, datada de maio do ano passado. O empréstimo só irá abarcar os valores mobiliários quando o CMN revogar a Resolução 2.268 ou mesmo der o aval para a CVM mexer nela. Esta Resolução trata especificamente do aluguel de ações e, embora a autarquia tenha competência legal para estender esse tratamento para os valores mobiliários, ela se sente incomodada em atropelar o CMN.
“Temos competência para isso? Sim, a Lei 6.385, que cria a CVM, nos dá. E para revogar uma decisão do Conselho? Essa é a dúvida. Em caso positivo, seria elegante?”, pondera o superintendente de desenvolvimento de mercado da autarquia, Suli da Gama Fontaine. A expectativa dele é de que o assunto possa ser debatido já na próxima reunião do CMN.
Torcida – Quando a questão de “etiqueta-jurídica” for resolvida não serão só as fundações que poderão se beneficiar da abertura desse mercado – até porque elas são potenciais cedentes dos papéis devido ao seu perfil de longo prazo. O projeto de debêntures padronizadas da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), estagnado desde o seu lançamento, em 13 de fevereiro de 2004 com a Instrução 404, depende do desenrosco entre o CMN e a CVM para apostar no Market Maker para renda fixa, que, ao pretender garantir liquidez, será o maior trunfo para o desenvolvimento do mercado secundário desses papéis.
Afinal, para o Formador de Mercado, é condição primeira a existência de um banco de títulos, onde ele possa recorrer para manter ofertas firmes de compra e venda e evitar ficar em “corner” – expressão que o mercado importou das lutas de box e que designa aquele que está sem saída. No final de janeiro, mesmo sem esse banco, a Bovespa até lançou o primeiro Formador para as debêntures da Suzano Bahia Sul. A princípio, porém, o próprio Formador, o Unibanco Investshop, utilizará as debêntures da empresa que tem em carteira para manter as ofertas. Posteriormente, estuda-se fechar um contrato de mútuo, onde o emissor emprestará os papéis.
Há, entretanto, dois riscos aí: no primeiro caso, o estoque de debêntures do Unibanco pode acabar. No segundo, como o mercado de renda fixa é pouco líquido, e ainda não conta com o aluguel, o Formador corre o risco de tomar a debênture emprestada do emissor, vender esse papel no mercado e depois não ter como recomprá-lo ou, ainda, ter que pagar muito caro por ele.
“Estamos encaminhando essa matéria rapidamente. Vamos defini-la no curto prazo”, diz Fontaine, entendendo que a BM&F, a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) e a Câmara de Custódia e Liquidação (Cetip) poderão atuar como contraparte, mesmo que esta última opere só na modalidade bruta (sem garantia da operação). Pinheiro, da SPC, entretanto, entende que a Cetip é uma plataforma de negociação, e não uma Câmara – apesar de essa função constar em seu nome. “Mas se ela se enquadrar na legislação também poderá prestar o serviço”.
Segundo o superintendente da Cetip, Antonio Carlos Ferreira da Silva, a instituição pretende colocar no ar, em até dois meses, o seu sistema de empréstimo. “Estamos quase prontos”. Silva torce para que, de fato, a CVM não impeça a operação sem garantias, como fará a SPC. O executivo entende que o projeto não pode ser limitado devido ao “pequeno tamanho do mercado de renda fixa”. Além disso, Silva questiona como uma clearing pode garantir títulos privados. “Ela só pode garantir títulos de alta liquidez, senão fica em corner e pode até quebrar”, avalia.
“Há garantia melhor do que o conhecimento que um participante tem do outro? Além do que o custo é mais baixo”, diz Ferreira da Silva, defendendo o seu sistema e aproveitando para atacar o projeto de debêntures padronizadas, que exclui a liquidação pelo bruto e permite a liquidação pelo netting, o chamado saldo líquido multilateral, dexando a Cetip de fora do negócio. “Esse projeto tem tantas regras que o tornam inviável”.
A CBLC foi procurada e não quis se pronunciar. Informou apenas, por meio de sua assessoria, que está pronta para administrar o empréstimo de renda fixa assim que ficar pronta a Instrução da autarquia. Já a BM&F disse, também por meio de sua assessoria de imprensa, que em abril já começa a operar com essa modalidade de clearing e, em um primeiro momento, centrará esforços nos títulos públicos que são os mais líquidos e que, hoje, são negociados em mercado de balcão sem qualquer visibilidade, margem ou curva de preços.

Disputa – As instituições evitam discorrer sobre o tema. Há, nesse mercado, uma disputa que acentuou-se desde a compra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ) pela BM&F em 2002. O próprio Fontaine, da CVM, desconversa “para evitar maiores melindres”.
Ocorre que a BM&F já parte para esse projeto tendo o respaldo do Banco BM&F, que tem como intuito dar capilaridade ao sistema. “A operação de clearing, seja para o que for, só tem viabilidade quando se está em um ambiente gigantesco que ajude a diminuir o custo. Por isso, essas operações não devem se dispersar”, avalia uma fonte envolvida no processo e que preferiu não se identificar.
Ou seja, as três instituições vão partir para essa corrida querendo ser eleitas como “piscina de liquidez”. Custos, garantias, margens, prazos, entre outros, ainda serão definidos por elas. Até lá, muita água deve rolar. E as fundações deverão avaliar se entram ou não nessa onda e de que lado. Como cedente, o risco é nulo – a não ser que as ações se desvalorizem por conta do aluguel, o que muitos analistas consideram apenas como um mito, uma vez que a arbitragem envolve a venda de um papel, mas também a compra de outro. Já na ponta contrária, como tomador, a coisa muda de figura. É um mercado de operação muito agressiva e há quem considere que, por isso, não seria o mais indicado para se entrar com o dinheiro dos participantes.

O be-a-bá do aluguel
No sistema de aluguel, um detentor de um título transfere sua posse temporariamente, sem custo e sem perda do ativo, para um investidor, recebendo em troca uma remuneração no vencimento do empréstimo – que oscila entre 5% e 6% ao ano –, além dos dividendos, no caso de ações.
O tomador do título, por sua vez, se aproveita das distorções de preços entre os papéis. Geralmente, esse investidor vende o título alugado para comprar outro com maior potencial de alta. A transação é realizada em câmaras mediante a entrega de garantias (100% do valor alugado mais um adicional que varia de 15% a 30%, como ocorre atualmente com o aluguel de ações).
O tempo pelo qual o papel é alugado é definido entre o cedente e o tomador embora, geralmente, ele dure de 30 a 60 dias podendo ser reduzido ou estendido se as partes estiverem de comum acordo.