Teste de fogo das novatas é pós-IPO | Fábio Coelho

Edição 343

Nos últimos dois anos, o mercado de capitais brasileiro passou por um aprofundamento financeiro histórico, à medida que dezenas de empresas acessaram o mercado de capitais por meio de ofertas de ações (IPOs, na sigla em inglês) para aproveitar a liquidez global abundante. Mas, à medida que o cenário macroeconômico se torna mais desafiador, as novos entrantes precisam demonstrar eficiência na adoção das melhores práticas de governança para evitar destruição de valor.
Vale ressaltar que esse movimento do mercado de capitais brasileiro é um processo necessário e positivo para o país, uma vez que gera investimentos na economia real e amplia o acesso a oportunidades para milhões de pessoas. No entanto, uma expansão realizada com foco apenas em quantidade tem efeitos nocivos, cujos impactos ainda não foram totalmente sentidos.
O último ciclo trouxe 76 novas empresas para a B3, com recorde histórico de volume captado. O momento compartilha semelhanças com outros períodos de crescimento do número de emissores, como a janela de IPOs de 2007-2008, em que corporações líderes em seus setores acessaram o mercado para financiar processos de expansão – algo marcante, por exemplo, no setor de saúde no contexto atual.
No entanto, uma grande novidade do ciclo 2020-2021 foi o “fator tech”, em que muitas empresas buscaram se promover como companhias tecnológicas com alto potencial de crescimento. Com isso, não apenas a B3 ganhou um segmento de tecnologia entre os setores listados, mas também as startups brasileiras, especialmente as fintechs, conseguiram alcançar o mercado internacional, com duplas listagens em São Paulo e em Nova York.
O interesse das empresas em se capitalizar – seja para resistir à crise ou para realizar investimentos – combinado com o apetite dos investidores por ativos com potenciais de valorização expressiva causou uma demanda sem precedentes e expôs algumas fragilidades do mercado brasileiro.
Há relatos de que a pressão foi tamanha que sobrecarregou as equipes dos bancos de investimentos, levando a um verdadeiro “engarrafamento de IPOs”. Para lidar com o fluxo, os processos precisaram ser acelerados e simplificados, comprometendo a análise do sell-side.
Ainda que a maioria dos IPOs tenha ocorrido no âmbito do Novo Mercado, o mais elevado segmento de governança da B3, há temores de que os requerimentos tenham sido tratados apenas como uma lista de tarefas por parte das estreantes, com situações de conselhos de administração montados às pressas, para citar um exemplo. Além disso, a própria B3 ampliou o prazo para a concessão de waivers para requerimentos de listagem por até um ano a partir da data do IPO.
Todos esses fatores, de certa forma, foram minimizados pelos investidores em um momento de otimismo de mercado. No entanto, em 2022, com os juros e inflação voltando ao patamar de dois dígitos no Brasil e a volatilidade esperada para o ano eleitoral impactando a renda variável, o mercado aparenta estar muito mais seletivo. De fato, no final de 2021 já houve um ajuste do preço dos novos ativos estreantes na bolsa – em quase 60% dos casos, para baixo.
À medida que a temporada de assembleias de 2022 se aproxima, sendo a primeira para muitas destas companhias, os aspectos de governança que foram relegados devem ganhar mais peso na avaliação dos investidores. Nesse sentido, as empresas que não se adequarem à disciplina de mercado, promovendo uma comunicação transparente e tempestiva com os acionistas, podem facilmente ser alvo de uma crise de confiança ou, no limite, enfrentar problemas regulatórios, se considerarmos temas que vem atraindo atenção dos reguladores, como o uso de redes sociais por executivos.
Caso a situação se estenda para muitos players concomitantemente, não é de se admirar que o sentimento de mercado quanto aos IPOs se deteriore de forma geral. De fato, o apetite por novas ofertas de ações em 2022 já parece muito menor, com apenas 14 prospectos registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e uma dúzia de desistências.
A experiência também mostra que falhas de governança podem gerar impactos sistêmicos no futuro. Entre as empresas que acessaram o mercado durante a onda de 2007-2008, diversas foram protagonistas de escândalos, processos de recuperação judicial, investigações regulatórias e policiais, levando à severa destruição de valor.
Em um momento em que os princípios de investimentos responsáveis se encontram em ascensão, a adequação a critérios da chamada agenda ESG também deverá entrar nas pautas das assembleias gerais. Na verdade, é preocupante que algumas companhias, por exemplo, montaram boards exclusivamente masculinos, ou não se importaram com a devida mitigação de conflitos de interesse no que diz respeito a operações entre partes relacionadas com empresas do mesmo grupo controlador.
No momento pós-IPO, as narrativas que garantiram as listagens não devem se sustentar isoladamente, e é de se esperar que o ímpeto e o despreparo de algumas companhias cobre seu preço caso não sejam devidamente endereçados.

Fábio Coelho é presidente da Amec e ex-superintente da Previc