Sinais no crédito privado |_ Fábio Coelho

Edição 356

Depois de uma década sob uma revolução silenciosa no Brasil, o mercado de dívida corporativa enfrentou um solavanco em 2023, diante dos pedidos de recuperação judicial (RJ) de Americanas e Light, por razões distintas. Esses eventos lançaram luz sobre problemas de governança corporativa que não foram percebidos durante o crescimento mais acelerado do crédito privado, com o desenvolvimento de um mercado secundário pujante e aumento expressivo do volume de negociação.
Estatísticas da B3 mostram que o volume de emissões de dívida corporativa saltou de R$ 195 bilhões em 2020 para R$ 445 bilhões ao final de 2022, um incremento de 128%. Houve aumento do número de gestoras especializadas, que passaram a oferecer produtos para diferentes apetites de risco, além de fundos com melhor match entre passivos e ativos. Nem o estresse causado pelo início da pandemia abalou de forma estrutural essa trajetória.
Agora, parece que o mercado de dívida corporativa sente as dores desse crescimento acelerado, refletindo também o momento desfavorável do mercado de capitais. Dados da CVM mostram que não foram registradas emissões de ações em 2023, e no mercado de crédito privado houve uma queda de 51,2% nas captações em fevereiro, na comparação com janeiro, segundo dados da Anbima. O cenário reflete o estresse dos eventos de recuperação de crédito que evidenciaram uma sensação generalizada de aumento de riscos.
O caso da Americanas trouxe o primeiro choque, mas que deve ser analisado de forma excepcional, não podendo ser tomado como referência para outros problemas do setor por seguir um caminho que aponta na direção da fraude. O caso da Light, por sua vez, é mais emblemático e sinaliza o momento ruim de maneira mais fidedigna, não só pela preocupação com a baixa resiliência dos fluxos de caixa, mas também por questionamentos e falta de transparência nos pedidos de RJ. O mercado passa a projetar maior seletividade em relação à qualidade dos títulos de crédito, que devem ser avaliados em diferentes cenários de estresse.
Se nos últimos 20 anos, houve avanços incontestáveis no mercado de capitais, incluindo a criação do Novo Mercado e a consolidação da jurisprudência da CVM, o mesmo não parece se refletir no mercado de dívida corporativa. O que observamos foi um arcabouço mais frágil para os credores, em um rito de falta de transparência muito diverso do praticado no mercado acionário e que passa a sensação de que o mercado de dívida parece um “velho oeste” em termos de aspectos de governança corporativa.
A diferença no tratamento dispensado a acionistas e credores é latente. Diante desse cenário, há grande oportunidade para uma discussão mais sofisticada de melhorias necessárias ao modelo de crédito privado. Isso levou, por exemplo, a mudança importante do direcionamento da Amec, que agora traz a experiência de 17 anos dedicados ao mercado acionário para também contribuir com melhorias no arcabouço regulatório, de práticas de mercado, e de governança no mercado de dívida corporativa.
A dinâmica do ciclo monetário, nos indicadores de juros e inflação, será decisiva para a melhoria de condições de atratividade e de captação das companhias. Em outras palavras, enquanto a taxa de juros não declinar de maneira consistente, o cenário de captação das empresas será adverso, já que estarão com seus balanços pressionados. Sem correr o risco de ser pessimista demais, a fotografia revela que é provável que novas rodadas de turbulências no mercado de dívida corporativa sejam observadas, dado o nível de risco elevado em que o setor se encontra.
Navegar essa complexidade não é trivial, e passa a exigir conhecimentos técnicos mais elevados e monitoramento mais frequente. É um cenário no qual os investidores institucionais como fundos de pensão devem avaliar com atenção, optando pelo fortalecimento de seus quadros internos ou pelo apoio especializado terceirizado na gestão das carteiras.

Fábio Coelho é presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) e ex-Diretor-Superintendente da Previc