Edição 109
A terceirização da administração do custeio ou dos benefícios não afasta a responsabilidade dos administradores, que poderão responder solidariamente na ocorrência de danos causados pela má administração
O ano de 2001 foi marcado por pelo menos três importantes acontecimentos para os fundos de pensão. O primeiro, a promulgação da Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001 (LC), que trouxe inovações relevantes no campo da transparência das relações com os participantes e, na esfera regulatória, outorgou um grande poder aos órgãos regulador e fiscalizador. Outro evento legislativo foi a edição da Medida Provisória 2.222, de 04 de setembro de 2001, que, possivelmente antevendo o terceiro acontecimento, apresentou a nova estrutura tributária das entidades de previdência complementar relativamente à taxação dos ganhos e rendimentos de suas carteiras. Por fim, a terceira e mais recente ocorrência foi o julgamento do recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal, que, basicamente, definiu serem os fundos de pensão entidades não imunes à tributação.
Em decorrência desses acontecimentos, muitos administradores têm a árdua tarefa de definir os destinos estratégicos de suas entidades, sobretudo no que respeita à própria administração. A questão é saber se os fundos de pensão deveriam permanecer com a forma de administração própria ou, na medida do possível, terceirizá-la, podendo chegar, inclusive, à total migração para o mercado aberto. O objetivo deste artigo é discutir as implicações legais relacionadas a um dos fatores de vital importância na tomada desta decisão: a responsabilidade dos administradores.
Inúmeros aspectos emergem quando da análise de tão tormentosa questão: os impactos da decisão sobre os participantes; os custos, no médio e longo prazos, que a decisão acarretará; as implicações de ordem tributária decorrentes da decisão; os riscos que surgirão e a forma de gerenciá-los; e, finalmente, o comprometimento da visão e dos objetivos da política de RH das patrocinadoras. No entanto, é inegável que, subjetivamente, os administradores acabem sendo mais sensíveis às questões que os afetam diretamente, como é o caso de sua responsabilidade civil perante os participantes pelos danos causados por eventuais erros de administração.
Para facilitar a exposição, este artigo abordará alguns aspectos relevantes da responsabilidade civil dos administradores – aqui entendidos como os atuais dirigentes dos fundos de pensão – sob os três possíveis cenários ou formas adotadas pelas entidades: entidade fechada de plano comum, entidade fechada com multiplano1 e entidade aberta.
Entidade Fechada de Plano Comum – Definidas pelo art. 31 da LC, as entidades fechadas são consideradas de plano comum quando administrarem plano ou conjunto de planos acessíveis ao universo de participantes (art. 34, I, “a”), normalmente vinculados diretamente a um mesmo grupo econômico empresarial.
Para a garantia da transparência, as entidades fechadas deverão manter estrutura mínima composta por conselhos deliberativo e fiscal e diretoria-executiva (art. 35). Na maioria dos casos, os membros do conselho deliberativo e da diretoria-executiva são os próprios administradores das empresas patrocinadoras que aceitaram o difícil encargo e a enorme responsabilidade administrativa2. E, para se qualificarem legalmente como entidades beneficentes de assistência social, os fundos de pensão, em regra, não têm remunerado esses administradores3, apesar de expressa permissão legal (art. 35, par. 7o).
Embora a responsabilização civil dos gestores decorra, genericamente, da própria lei (arts. 159 e 1.300 do Código Civil), a LC reforçou as obrigações dos administradores. Um exemplo disso é a responsabilidade solidária de todos os membros da diretoria-executiva pelos danos causados à entidade, derivados da má aplicação de seus recursos (art. 35, par. 6o). Outro exemplo contido na LC refere-se à possibilidade de acionamento judicial ou administrativo dos responsáveis pelo resultado deficitário da entidade. Os recursos eventualmente recuperados com estas ações deverão ser aplicados na redução proporcional das contribuições ou na melhoria dos benefícios (art. 21, par. 3o).
Nos casos extremos de intervenção e liquidação extrajudicial, além da perda do mandato (art. 56), os administradores terão seu bens indisponíveis a partir do ato que decretar a intervenção ou a liquidação, atingindo todos aqueles que tenham estado no exercício de tais funções nos últimos doze meses (art. 59, par. 1o), sem prejuízo das sanções criminais.
A responsabilidade administrativa do gestor da entidade fechada também foi contemplada pela LC. A novidade é o substancial aumento das multas. Além da advertência, suspensão e inabilitação funcional, a LC criou a possibilidade de imposição de multa de dois mil a um milhão de reais, dobrada na reincidência, à entidade ou ao administrador no caso de infração das disposições legais, estando o respectivo recurso administrativo sujeito ao pagamento antecipado de 30% do valor da multa aplicada.
Os administradores das entidades fechadas de plano comum estão altamente expostos aos riscos de responsabilização civil. A terceirização da administração do custeio ou dos benefícios não afasta a responsabilidade dos mesmos, que poderão responder solidariamente com os gestores terceirizados na ocorrência de danos causados pela má administração.
Caso a decisão estratégica consista na continuidade dessa exposição, os riscos precisam necessariamente ser gerenciados. Do ponto de vista de controle, o constante aconselhamento com profissionais especializados e a implantação e obediência a um efetivo sistema de compliance (sistemas voltados para a garantia de aderência aos normativos legais e procedimentos internos) podem reduzir sobremaneira a exposição e os efeitos adversos dos riscos. Quanto à possibilidade de transferência dos riscos, populariza-se no mercado o seguro de responsabilidade civil contra erros e omissões (Directors and Officers). Embora essa modalidade de seguro pareça adequar-se ao regime de obrigações imposto aos administradores dos fundos de pensão, para que a transferência se opere de forma eficaz é fundamental uma análise prévia e detalhada da apólice à luz dos riscos existentes e da necessidade dos segurados.
Entidade Fechada com Multiplano – Criadas para atender uma realidade de mercado já existente antes mesmo da promulgação da LC, as entidades fechadas com multiplano são aquelas que administram plano ou conjunto de planos de benefícios para diversos grupos de participantes, com independência patrimonial (art. 34, I, “b”). A característica marcante deste modelo administrativo é a terceirização da administração e da gestão financeira da entidade, que normalmente são transferidas à empresa administradora pertencente a um determinado conglomerado bancário. A diferença prática em relação à terceirização discutida acima é que, aqui, a transferência da gestão para o conglomerado bancário é integral (custeio e benefícios), enquanto naquela a administração pode ser dividida entre empresas diversas.
Sob o ponto de vista da responsabilidade civil, os riscos para os administradores destas entidades são praticamente os mesmos. A diferença é que nas entidades com multiplanos e multipatrocinadas (com patrocinadoras pertencentes a grupos econômicos diferentes) a administração, inclusive a gestão dos recursos, compete à empresa do grupo bancário. Os administradores apontados pelas patrocinadoras, na proporcionalidade do número de participantes e do montante dos respectivos patrimônios (art. 35, par. 2o), continuam responsáveis na forma descrita acima.
Em síntese, nas entidades fechadas com multiplano/multipatrocinadas concebidas pelos modelos de administração bancária, o número de administradores que são concomitantemente diretores das patrocinadoras é menor do que o observado nas entidades fechadas de plano comum. Nada obstante estarem em número mais reduzido, os administradores dos patrocinadores e quaisquer outros profissionais que prestem serviços técnicos à entidade, diretamente ou por intermédio de pessoa jurídica contratada, sempre responderão civilmente pelos prejuízos que causarem, por ação ou omissão, às entidades (art. 63, parágrafo único).
No que tange ao gerenciamento dos riscos, os métodos, procedimentos e instrumentos mencionados acima têm a mesma aplicação no presente caso.
Entidade Aberta – Com tratamento tributário mais favorável na MP 2.222/01, as entidades abertas despontam como instrumentos eficazes para os atuais administradores dos fundos de pensão transferirem para os membros dos conselhos estatutários e administradores da entidade aberta os riscos de responsabilidade civil. Entretanto, mesmo na entidade aberta, os administradores das patrocinadoras não estão a salvo. Como visto acima, eles poderão ser responsabilizados sempre que causarem prejuízos às entidades, especialmente pela falta de aporte das contribuições a que estavam obrigados (art. 57, parágrafo único).
Além disso, não se pode descartar a responsabilização civil dos administradores dos fundos de pensão e das patrocinadoras que causarem danos ou prejuízos aos participantes dos planos de benefícios por força de eventual migração mal sucedida. Apesar de menores, os riscos para os administradores das empresas patrocinadoras podem ser gerenciados a partir de um controle próximo e constante das atividades e dos resultados obtidos pela entidade aberta. A prévia e expressa autorização das patrocinadoras para qualquer alteração dos regulamentos é um dos instrumentos deste controle. A contratação do seguro de responsabilidade civil contra erros e omissões é sempre uma alternativa de transferência de riscos.
Existem alternativas para a minimização dos riscos de responsabilidade civil dos administradores dos fundos. Ao contrário do que se possa parecer, este artigo não tem por objetivo induzir, incentivar ou recomendar a migração dos fundos de pensão para entidades multipatrocinadas ou abertas. Sua finalidade é tão somente apresentar algumas implicações legais acerca de um dos fatores a serem considerados quando da eventual análise da reestruturação da entidade.
1 Em virtude de as definições da LC de entidades com multiplano e multipatrocinadas não serem suficientemente precisas, tais termos poderão ser utilizados neste artigo para representar uma mesma entidade.
2 A partir da LC, o estatuto deverá prever a representação de pelo menos 1/3 das vagas dos conselhos deliberativo e fiscal aos participantes e assistidos (art. 35, par. 1o).
3 V. art. 55, IV da Lei 8.212/91 e art. 365, II, “b” do Decreto nº 3000, de 26 de março de 1999 (RIR).
Renato Tadeu Rondina Mandaliti é advogado associado do escritório Demarest e Almeida.