Edição 360
Em abril de 2022, a inflação brasileira registrou alta anual de 12,1%, o maior valor desde 2003. Isso levou o Banco Central a aumentar a taxa de juros ao longo de 2022, chegando a 13,75% em setembro, um nível considerado altamente contracionista. No entanto, 16 meses depois, o IPCA de agosto de 2023 apresentou alta de 4,6%, uma queda significativa da variação anual, reforçando a decisão do Banco Central de iniciar o ciclo de corte de juros no começo de agosto. A análise da composição da inflação nesse período sugere uma tendência de queda na taxa de inflação, que deve continuar ao longo de 2024.
No início do período analisado, as 4 principais categorias do IPCA apresentavam inflação elevada. A primeira a registrar queda foi a de preços administrados pelo Governo, com destaque para a gasolina e a energia elétrica residencial. Ambos os itens apresentavam inflação excepcionalmente elevada, devido ao aumento dos preços internacionais de petróleo (resultado da invasão russa na Ucrânia) e à seca em 2021, que levou a criação da bandeira tarifária de escassez hídrica, com maior custo para o consumidor. A normalização das chuvas, que levou ao fim da bandeira tarifária de escassez hídrica em abril, e cortes nos impostos federais e estaduais sobre energia elétrica e gasolina em junho, além da subsequente redução nos preços do petróleo internacional, resultaram em uma significativa deflação desses itens no final de 2022. Em 2023, a mudança de Governo e o aumento dos impostos federais sobre a gasolina reverteram essa dinâmica, elevando a inflação dos produtos administrados ao longo do ano. A perspectiva para esses preços nos próximos anos é de estabilização, mas eles permanecerão dependentes do cenário político.
A segunda categoria relevante é a de inflação de alimentos, que estava elevada em 2022 devido aos choques de oferta, incluindo a seca de 2021 e a depreciação do câmbio. A invasão russa também foi um fator relevante, ao prejudicar a safra de alimentos na Ucrânia e gerar risco de interrupção na exportação de fertilizantes russos, assim encarecendo a produção global de alimentos. Em 2023, a normalização dos preços de fertilizantes internacionais e do regime de chuvas proporcionou uma safra agrícola excepcionalmente forte, que ajudou a reduzir os preços dos alimentos. Embora os preços de alimentos sejam naturalmente voláteis devido à dependência das safras agrícolas, as tendências de expansão da área plantada e aumento da produtividade devem conter a inflação de alimentos a médio prazo.
O terceiro grupo, de produtos industriais, seguiu uma tendência global. Durante a pandemia, taxas de juros historicamente baixas em muitos países, incluindo o Brasil, incentivaram as pessoas a tomarem crédito para comprar bens industriais, devido ao aumento do trabalho em casa e à redução do consumo de serviços. Isso gerou uma demanda global por bens que não foi acompanhada por um aumento equivalente na capacidade de produção, resultando em problemas na cadeia de suprimentos e aumento nos preços industriais em todos os países. No entanto, a alta sincronizada na taxa de juros ao redor do mundo e a normalização do padrão de consumo após o fim do lockdown reduziram inflação de industriais ao longo de 2023. A menor pressão nas cadeias de produção deve manter a inflação de produtos industriais baixa nos próximos anos.
A última abertura da inflação, a de serviços, é a mais sensível à demanda interna e foi a última a atingir o pico e depois a cair. Ela começou a subir apenas no final de 2021, impulsionada pela inércia da inflação passada e normalização do consumo de serviços após o fim do lockdown. Na segunda metade de 2022, a desaceleração da inflação diminuiu a inércia, permitindo a inflação de serviços começasse a cair de forma lenta e consistente. Como as expectativas de inflação estão acima da meta de 3% e a atividade econômica está mais forte do que o esperado, a desaceleração da inflação de serviços deve continuar em ritmo moderado, com a variação anual superior às outras categorias.
A queda da inflação desde abril de 2022 permitiu ao Banco Central iniciar o ciclo de redução das taxas de juros em agosto. A perspectiva de desaceleração futura deverá permitir que esse ciclo continue até atingir 8,5%, uma taxa de juros consistente com um leve aperto monetário, em linha com a comunicação. O principal risco para esse cenário seria o Governo deixar de cumprir o arcabouço fiscal, assim gerando uma perspectiva de descontrole fiscal que eleve a taxa de câmbio e as expectativas de inflação a médio prazo, tornando a trajetória de inflação incompatível com os cortes na taxa de juros.
Andressa Castro é economista-chefe da BNP Paribas Asset Management