O ano de 2022 trará grandes desafios | Andressa Castro

Edição 340

Fechamos o terceiro trimestre do ano com mais dúvidas do que quando entramos e daqui para frente a visibilidade não deve melhorar. A dispersão das projeções macroeconômicas para 2022 é enorme e refletem cenários completamente antagônicos: de crescimento do PIB à recessão, de controle fiscal ao furo do teto de gastos, de desancoragem das expectativas de inflação ao cumprimento da meta, de chuvas ao racionamento hídrico. Cabe a nós surfar sobre o que acreditamos ser o valor esperado de todos esses eventos, mas o que podemos dizer hoje é que a volatilidade dos ativos financeiros continuará alta até a resolução de algumas dessas incertezas.
Do lado da atividade, já está contratada uma desaceleração do crescimento do PIB no ano que vem, não somente por efeitos de base, como também pelo aperto das políticas monetária e fiscal e um menor ímpeto vindo da reabertura. Ainda assim, acreditamos em um cenário positivo de crescimento próximo a 2%, impulsionado pela criação de emprego e concessão de crédito em níveis benignos. Após 2 anos de pandemia, 2022 será o primeiro ano livre de lockdowns – se tudo correr bem – e essa normalização sustentará a atividade. Reconhecemos, no entanto, os inúmeros riscos negativos associados ao aperto das condições financeiras e à possível deterioração de confiança, seja dos empresários diante do cenário eleitoral incerto, seja dos consumidores, que sentirão no bolso a perda do poder de compra por causa do avanço da inflação.
A inflação será novamente a principal vilã. Entraremos em 2022 com uma inflação entre 8% e 9% e veremos um arrefecimento derivado da dissipação de alguns dos diversos choques que sofremos ao longo desse ano, mas não será suficiente para a convergência da inflação para meta, fechando próxima a 4,5% segundo as nossas projeções. A difusão elevada, indicando um processo inflacionário amplo, e a desancoragem persistente das expectativas de inflação vêm contribuindo para o aumento da inércia, que se arrastará por um período prolongado, possivelmente adentrando 2023.
Uma das grandes incertezas para a inflação de 2022 está relacionada à crise energética, tanto doméstica quanto global. Após enfrentarmos a maior seca dos últimos 91 anos, dependeremos de um cenário de chuvas mais favorável para sentirmos algum alívio na conta de luz. Outra preocupação são os preços dos combustíveis, pois estaremos sujeitos à variação das commodities de energia no mercado internacional. Nesse âmbito, a migração da matriz energética para fontes mais limpas deve continuar pressionando os preços, com a China restringindo o uso de carvão, os EUA adotando um ritmo menor de perfurações de poços de petróleo e a Europa demandando mais gás natural.
Sabemos, no entanto, que a variável de menor previsibilidade para definirmos a inflação será o câmbio. Parte do comportamento do dólar dependerá da evolução do cenário econômico externo, que acreditamos que será menos benigno que o que vivemos ao longo desse ano. Isso, porque enfrentaremos um mundo de menor liquidez, no qual os EUA cessarão as compras de ativos e caminharão em direção ao aumento de juros, enquanto a China permanecerá com uma política de crédito prudente. A outra parte do movimento do câmbio será afetada por fatores domésticos, como o nível de incerteza gerado pelas eleições e por decisões fiscais, do lado negativo, e a atratividade de uma taxa de juros mais elevada, do lado positivo.
Em meio ao trade-off entre frear a inflação e sustentar o crescimento econômico, o Banco Central terá que elevar a taxa de juros a um nível significativamente contracionista, que acreditamos ser de pelo menos 9%. A maior tarefa do Banco Central será manter as expectativas de inflação de 2023 sob controle, que já têm dado sinais de desancoragem, com a média da pesquisa Focus subindo e com a mediana do Top 5 indicando uma inflação acima da meta. Após entregar uma inflação próxima a dois dígitos esse ano e possivelmente acima da meta no ano que vem, o Banco Central não terá margem para cometer erros se quiser preservar sua credibilidade. Diante disso, além de elevar a taxa a um patamar bem mais restritivo que o atual, o Banco Central terá que sustentar essa taxa elevada por um período mais prolongado que a média dos últimos ciclos monetários – higher for longer .
Mesmo que o Banco Central faça seu papel no controle da inflação, o respeito às regras fiscais é o que vai garantir a organização da nossa economia. O cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e a manutenção do teto de gastos devem ser as maiores prioridades de qualquer governo que venha pela frente. Caso contrário, entraremos facilmente em uma espiral de estagflação, cujo custo de saída será muito maior do que o pragmatismo fiscal necessário para evita-la.
Andressa Castro é economista-chefe da BNP Paribas Asset Management