Nova fronteira do investimento

Edição 379

Alperowitch,Fabio(FamaInvestimentos) 25jan
Fábio Alperowitch, CIO e fundador da gestora Fama Re.Capital

Nos últimos meses, duas normas alteraram a paisagem dos investimentos institucionais no Brasil: a Lei 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) e incide sobre seguradoras, e a Resolução CMN 5.202, que disciplina os investimentos das entidades fechadas de previdência complementar.

À primeira vista, trata-se apenas de mais um ajuste regulatório. Mas, na verdade, estamos diante de uma inflexão histórica: pela primeira vez, o regulador determina que riscos socioambientais e climáticos sejam parte integrante da análise de investimentos dos maiores alocadores de recursos do país. O erro seria reduzir isso a um checklist de conformidade. O acerto é entender que se trata de um convite a sofisticar o olhar sobre risco e retorno.

O regulador não está movido por uma preocupação moral. Sua motivação é estritamente financeira. A estabilidade do sistema depende da capacidade de seus participantes enxergarem riscos que já não são periféricos, mas estruturais. O BIS (Banco de Compensações Internacionais) classifica risco climático como risco sistêmico de primeira ordem. O NGFS, rede que reúne mais de 120 bancos centrais e supervisores, estima que eventos físicos extremos podem gerar perdas anuais equivalentes a 10% do PIB em economias emergentes até 2050. Não estamos falando de hipóteses remotas, mas de variáveis concretas que impactam valuation, solvência e liquidez.

A literatura acadêmica já sedimentou esse entendimento. Eccles, Ioannou e Serafeim, em um estudo longitudinal de 2011 na Harvard Business School com 180 empresas americanas, mostraram que aquelas classificadas como “high sustainability” superaram em média 4,8% ao ano em retorno ajustado a risco no período de 18 anos, além de apresentarem volatilidade significativamente menor.

Já Khan, Serafeim e Yoon, em artigo publicado na Accounting Review (2016), identificaram que companhias focadas em questões materiais de sustentabilidade superaram em 6% ao ano seus pares em retorno operacional e 3% ao ano em retorno de mercado, enquanto as que se concentravam em temas não materiais não apresentavam desempenho superior.

Friede, Busch e Bassen, em uma meta-análise de 2.200 estudos empíricos publicada no Journal of Sustainable Finance & Investment (2015), concluíram que aproximadamente 90% dos trabalhos encontraram relação não-negativa entre integração socioambiental e performance financeira, e cerca de dois terços indicaram correlação positiva. Em outras palavras, o peso da evidência é tão massivo que ignorá-la equivale a desconsiderar décadas de pesquisa em finanças.

Esse corpo de literatura desmonta o mito do tradeoff. No longo prazo, aquilo que chamam de tradeoff nada mais é do que a correção tardia de falhas de precificação. Um exemplo: ativos de petróleo que hoje parecem baratos podem se tornar stranded assets (ativos sem demanda) em menos de uma década caso novas regulações sobre carbono avancem. O que parece ganho no presente se traduz em perda futura. A análise convencional, que não captura esse risco, é menos sofisticada porque ignora variáveis de destruição de valor. A análise ampliada, que internaliza essas forças, é mais sofisticada porque projeta o retorno real, não apenas o retorno aparente.

Essa sofisticação é justamente o que os fundos de pensão brasileiros estão sendo direcionados a adotar. Administrando centenas de bilhões em poupança previdenciária, com horizontes de décadas, o verdadeiro dever fiduciário não é entregar o maior retorno em um ano-calendário, mas assegurar que esse retorno seja resiliente frente às transformações estruturais do mundo.

Mark Carney, quando era presidente do Banco da Inglaterra, resumiu essa questão ao falar da “Tragédia do Horizonte: os riscos climáticos estão além do ciclo político e muitas vezes além do ciclo de investimento convencional, mas certamente dentro do ciclo de vida dos beneficiários de fundos de pensão. Ignorá-los é condenar aposentados ao risco de portfólios corroídos”.

O Brasil entra atrasado nesse debate, mas entra em um momento crucial. Somos simultaneamente detentores de ativos naturais estratégicos e altamente vulneráveis a choques climáticos. Ignorar isso seria um erro duplo: de risco e de oportunidade.

O desafio é se despir da visão reducionista de que estamos falando de “cumprir regras” e assumir a convicção de que estamos falando de melhorar portfólios. Não se trata de acrescentar uma camada cosmética ao processo de investimento, mas de redesenhar a forma como se calcula risco, se projeta retorno e se aloca capital.

Investimento sustentável é a evolução natural da teoria financeira. É ver mais onde antes se via menos. É compreender, como mostram Eccles, Serafeim, Khan, Friede e tantos outros, que a maximização de retorno só faz sentido quando acompanhada da maximização da resiliência. É isso que o regulador brasileiro — consciente ou não — acabou de nos exigir.

Fábio Alperowitch é CIO e fundador da gestora Fama Re.Capital