Edição 354
O regime de metas não vem servindo a seus objetivos já faz algum tempo. Os principais bancos centrais do mundo não conseguiram entregar as metas entre 2009 e 2020 sem praticar juros zero e programas enormes de “quantitative easing”. Depois de 2020, não entregam a meta apesar da forte alta nos juros e da contração de seus balanços.
Os bancos centrais dos emergentes penaram para ficar por perto das metas de 2009 até 2020, quando o choque da pandemia, agravado pela guerra, os fez elevar fortemente os juros sem atingir igualmente seus objetivos. Tanto os bancos centrais como os participantes do mercado estão alongando o “horizonte relevante” para atingir as metas há vários trimestres. O que corresponde a aceitar mais inflação por mais tempo.
O ineditismo da situação enganou ao longo de 2020 e parte de 2021 e levou os bancos centrais a forte virada a partir daí. Uns saíram na frente, como o BCB, outros depois. No período recente, os bancos centrais interromperam ou passaram a moderar as altas dos juros, mas a resistência da inflação, mesmo passados alguns choques, ainda desafiam e levam os rendimentos dos títulos públicos dos EUA para cima.
O BCB entrou comparativamente cedo no ciclo de alta dos juros e comete o “erro” oposto ao de alguns pares. Entende que um choque de juros pode enfrentar os efeitos secundários dos choques de modo a levar a expectativa de inflação para a meta no horizonte relevante. A resistência dos preços dos serviços e o distanciamento artificial entre o índice cheio e seus núcleos têm mostrado que, sem choque deflacionário, teremos inflação alta por mais tempo do que se pensava.
Desde o início do novo governo Lula, e do ponto de vista estrito do mercado financeiro, o assunto tem sido a política fiscal em toda sua extensão. Imprensa, analistas e operadores do mercado destacam a trajetória da política fiscal dos governos do atual presidente e de sua sucessora como a referência para a formação de opinião.
Tal opinião consiste em aplaudir a trajetória do primeiro mandato de Lula e passar a criticar no período seguinte, até 2016. De modo que existe dúvida relevante sobre o compromisso do atual governo com a chamada responsabilidade fiscal. O governo tem lidado com o tema com medidas pragmáticas de modo a compatibilizar posições de governo e posições partidárias pela decisiva participação do presidente.
Assim desde a tramitação da “PEC da transição” como condição para a aprovação do orçamento de 2023 e a continuidade do nível do programa de transferência de renda elevado na campanha eleitoral. Assim na apresentação do “pacote de janeiro”, com modestas medidas de corte de gastos e ambiciosas – no escopo e no valor estimado – medidas de arrecadação.
Assim, recentemente, na reoneração parcial dos combustíveis e no recurso – extraordinário? – à tributação de exportações para cobrir a diferença entre a reoneração e o previsto no orçamento.
Assim na mudança da data prevista para o envio da proposta de arcabouço fiscal pelo governo para o Congresso. Enquanto a Emenda Constitucional determinava o mês de junho, Haddad prometeu para abril e depois para março. Talvez, antecipe novamente para antes da reunião do Copom de 23 de março. Isto pois os fatos de fevereiro deixaram claro que existe espaço para negociação.
De um lado, o embate entre Lula e Campos Neto levou à delimitação do espaço para discussão dos temas envolvidos. Não a autonomia do BC, hipótese descartada pelos presidentes das duas Casas legislativas. Mas a atual meta de inflação e o nível da Selic. De outro lado, consolidaram tal espaço 3 expoentes do mercado financeiro e o presidente do Conselho de importante banco.
Em paralelo, caminha a primeira etapa da reforma tributária, referente à tributação indireta. A que trata da questão federativa, dos interesses dos setores prestadores de serviços e de beneficiários de regras favorecidas, subsídios, etc. Embora decisiva para o aumento da eficiência econômica, tal etapa não deve “fazer preço”, na medida em que deve afetar pouco a perspectiva de arrecadação e despesas tributárias.
Os juros futuros subiram forte (200 pontos no DI para janeiro de 2031) quando Lula começou a falar sobre eventual conflito entre política fiscal e política social. O mercado trata o tema como contido na limitação do gasto, em regra que permita algum cálculo.
Claro que o Copom vai aguardar a transformação do projeto de lei complementar em lei complementar. Mas terá que sugerir o que pensa dos passos dados pela Fazenda e ajustar seu cenário para os resultados bastante fracos da atividade econômica. Se sua projeção de inflação cair abaixo dos 2,8% em 2014, o cenário alternativo da reunião de fevereiro, com a manutenção da taxa neutra de juros no máximo a 4,0%, a queda da Selic em novembro próximo passa ser o cenário básico.
José Francisco de Lima Gonçalves é professor da FEA-USP e economista chefe do Banco Fator