Ideias sobre a Revisão Normativa das EFPCs _ Flavio Martins Rodri...

Edição 358

Estamos vivendo um formal processo de discussão sobre o aparato normativo incidente sobre a previdência complementar fechada. O recente Decreto 11.543/2023 instituiu um Grupo de Trabalho para elaborar propostas de revisão da regulação desse segmento.
Primeiramente, deve-se apontar que as Leis Complementares 109/2001 e 108/2001 trouxeram muitas inovações, que têm, majoritariamente, mantido boa governança nas entidades de previdência e os planos sólidos. Passados mais de vinte anos, o texto dessas leis permanece atual, em grande medida porque, ao estabelecer princípios e regras de índole mais geral, proporciona expressiva atividade regulatória, que mantém o dinamismo normativo do setor. Ao mesmo tempo, alguns de seus dispositivos ainda estão sendo sedimentados (e de forma positiva) pelos nossos Tribunais Superiores. Em nossa opinião, não seria o caso de uma revisão nessa estrutura superior legal, pois haveria o risco de retrocessos.
Há, contudo, muito o que se fazer com relação à normatização infralegal. O Decreto 4.942/2003, que trata do processo sancionador, foi útil, mas se mostra ultrapassado. A atividade fiscalizatória deve ser efetuada, preferencialmente, de forma preventiva, tal como indicado nos parâmetros da Supervisão Baseada em Risco. O aparato de fiscalização precisa possuir efetivos meios informatizados para atuar em tempo real, evitando que as estruturas estatais cheguem depois de irreparáveis danos. De outro lado, o ato regular de gestão precisa ser protegido. É da essência dos planos de previdência o convívio com diversos riscos. Por conseguinte, haverá perdas nos investimentos, os cálculos de passivos atuariais precisarão ser refeitos etc. O ponto central é prestigiar processos consistentes, capazes de gerar, de forma consolidada e ao longo do tempo, resultados alinhados com a média de mercado.
A revisão deste Decreto precisará conter regras capazes de estimular uma governança capacitada e eficiente nas entidades de previdência, evitando uma estrutura que implique em custos de observância excessivos e que afaste pessoas qualificadas desse segmento por temor derivado de um ambiente de insegurança jurídica.
Há vários outros temas que precisam ser enfrentados. Citamos dois indicados no Decreto 11.543/2023: a retirada de patrocínio e o processo de escolha de dirigentes. Os assuntos podem ser chamados de hard cases (ou casos difíceis de resolver).
Num ambiente de previdência complementar facultativa, a retirada é um direito constitucional. Os patrocinadores podem ter razões que levem a pedidos de desvinculação com planos de benefícios. O desafio será trabalhar posições intermediárias para evitar o fim da poupança previdenciária coletiva. Seria possível, a nosso ver, estimular estruturas de planos nos quais as reservas garantidoras possam ser mantidas em estruturas que contem com diluição de riscos (total ou parcial) entre os próprios participantes. No Brasil, há precedentes importantes dessa forma de compartilhamento de riscos. A criação de fundos de longevidade junto ao plano ou a externalização de alguns riscos também podem ser bons caminhos.
A judicialização dos procedimentos de retirada, como se vê atualmente, é um problema a ser enfrentado, pois, na maioria das vezes, coloca o plano em grave risco, expondo os participantes e assistidos a situações de incerteza. As novas regras poderiam estimular negociações mais maduras e com melhores resultados.
É preciso também revisitar o processo de escolha dos dirigentes das entidades de previdência. Estamos aqui tratando das entidades como um todo e não somente das entidades com patrocinadores estatais. É necessário ter uma gestão qualificada de uma forma geral, pois a execução de planos de previdência é uma atividade cada vez mais complexa e está vinculada a elemento essencial para a sobrevivência digna dos participantes e de suas famílias. De outro lado, a nova redação do art. 202, § 6º da Constituição Federal garante a “inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação” em todas as entidades fechadas.
O assunto desafia discussões no âmbito de vários países: como compor a formação capaz de gerir planos de previdência de forma eficiente e a inserção dos participantes nesse processo? Precisamos ter uma visão mais ampliada para dar forma a uma estrutura de governança que mescle a visão técnica com o acompanhamento pelos participantes e assistidos. A transparência baseada num modelo de amplo compartilhamento de informações sobre os processos de gestão pode ser uma solução para as entidades de previdência. Diversas grandes empresas já enfrentaram esse tema e possuem boas soluções para resolvê-lo.
O reconhecimento pelo atual Governo de que é o momento para elaborar propostas novas para a regulação das entidades fechadas é, em si, um bom sinal, pois indica que o debate é bem-vindo e é preciso evoluir na regulação para ampliar a oferta de planos fechados de previdência em nosso País.

Flavio Martins Rodrigues é mestre em direito e sócio sênior do escritório Bocater Advogados