Edição 138
Dia 29 de Agosto de 2002. Exatamente há um ano, no auge da crise de desconfiança do mundo em relação ao Brasil devido ao processo eleitoral, o país consegue mais um acordo de US$ 30 bilhões com o FMI. Três episódios foram surpreendentes naquela ocasião: a adesão ao acordo, mesmo com o ar de reprovação, dos principais candidatos até então de oposição (Lula e Ciro Gomes); a velocidade da negociação frente ao alto volume envolvido; e a fraca reação positiva do mercado após o anúncio. Estaria o Brasil, “a menina dos olhos” do FMI, destinado a ser mais um caso de fracasso do receituário do Fundo?
Por esta época, em 2003, o mercado atingiu o auge do seu stress, precificando o default com o risco-Brasil a nada menos que 2.500 pontos, com LFTs de todos os prazos embutindo a remuneração de 115% da taxa SELIC, a paridade cambial atingindo a marca de R$ 3,99/US$ e o Ibovespa chegando na casa de 8.300 pontos. Enquanto isto, o país recebia do Fundo Monetário Internacional nada menos que US$ 30 bi, sendo US$ 20 bi na linha “stand-by” (empréstimo de curto prazo para balanço de pagamentos, com desembolso entre 12 –18 meses e prazo de pagamento de dois e quatro anos) e US$ 10 bi pelo Programa de Financiamento de Reserva Suplementar (oferecido aos países que sofrem uma súbita perda de confiança do mercado – o pagamento é realizado em um prazo ao redor de dois anos e meio).
O último desembolso para o Brasil (US$ 7,4 bilhões) será realizado em novembro próximo e, depois das discussões em torno das Reformas da Previdência e Tributária, certamente a renovação do acordo com o FMI será o assunto principal do mercado a partir de outubro. Ironia do destino, já que pelo Fundo, há uma anunciada disposição inequívoca para a extensão do acordo. Depois de ter superado antigas barreiras como a decretação de juros altos para combater a inflação e a manutenção de uma política fiscal apertada, talvez tenha chegado o maior desafio do atual Governo. Como tratar o FMI neste momento?
Temos ouvido de membros importantes ligados ao Governo “a disposição de negociar somente dentro de certas condições, que não firam os interesses do país”. Mas, qualquer atitude voluntarista, proposta inclusive por economistas de renome, como a declaração de moratória ou a não renovação do acordo, pode ser um verdadeiro “tiro no pé”. A idéia de moratória não é das mais inteligentes e não merece nem ser discutida, dado que uma porta de saída de recursos se fecharia e ao mesmo tempo dez portões de entrada de dinheiro automaticamente se encerram e por muito tempo. Agora o caminho de não renovação do acordo também não parece a melhor alternativa. Senão vejamos:
O Brasil deve terminar 2003 acumulando cerca de US$ 38 bi em reservas brutas, sendo US$ 23 bi relativas ao acordo com o FMI e US$ 15 bi das chamadas reservas líquidas, ou seja, que realmente pertencem ao Governo. O cronograma de pagamento de amortizações ao FMI obedece a seguinte ordem: 20% em 2004, 47% em 2005, 25% em 2006 e 8% em 2007. Em outras palavras, se o Brasil não aceitar renovar o acordo com o FMI, o mercado saberá, exatamente, que o país tem à disposição somente US$ 15 bi para enfrentar uma potencial saída de amortizações e juros da ordem de US$ 125 bi (US$ 55 bi de dívida pública ex-FMI e US$ 70 bi de compromissos privados) até o final de 2007. Obviamente, estamos considerando aqui uma rolagem = 0%, que certamente não será verdade. Não é à toa que o risco-Brasil ainda flutua ao redor dos 700 pontos de spread over Treasury. Dado o quadro apresentado, você emprestaria com um spread menor? É uma questão de análise de risco de crédito. O México e a Rússia, por exemplo, apesar de terem dado os seus calotes respectivamente em 1995 e 1998, hoje tem o seu nível de risco um pouco acima de 200 pontos. Para justificar, é só atentarmos para o nível de reservas líquidas de cada país, acima de US$ 50 bilhões (graças à alta do petróleo). O investidor estrangeiro olha estes números e naturalmente acredita que a probabilidade de default é baixa.
Além disso, uma conseqüência indireta de uma renovação do acordo do FMI é a garantia da manutenção do superávit primário. Em sã consciência, será que nós somos já capazes de andar responsavelmente em termos fiscais com as próprias pernas? Será que rompido o acordo com o FMI, a classe política brasileira, independente de partido, já está pronta para manter, mesmo sob pressões, o superávit primário tão necessário para garantir a solvência do país no longo prazo?
Não temos, portanto, condições financeiras, institucionais e de imagem consolidada perante a comunidade financeira internacional para nos darmos ao luxo de desprezar a chance de renovar este acordo. Provavelmente um outro empréstimo, talvez na casa de US$ 20 bi nos próximos quinze meses, seja suficiente para que ganhemos tempo para acumular um nível mínimo de reservas líquidas de US$ 30 bi que nos permitirá respirar mais aliviados.
Alexandre Póvoa é economista e Estrategista – Banco Modal – apovoa@modal.com.br