Edição 349
Um enorme esforço educacional que os fundos de pensão fazem especialmente junto aos participantes dos planos de contribuição definida vai na linha de orientá-los acerca de comparações inadequadas entre diferentes investimentos. Os equívocos são muitos e passam por comparar o desempenho de investimentos cuja precificação é distinta (mercado vs. curva), investimentos de longo prazo contra índices de curto prazo (o CDI voltou!) e o fatídico caso dos planos CD contra fundos multimercados, sempre em janelas de curto prazo.
Muitas vezes sob o olhar desconfiado dos participantes, os gestores de investimentos de EFPC têm a tarefa hercúlea de discorrer sobre conceitos financeiros complexos como rentabilidade ajustada ao risco (e não só ao risco de mercado, mas também ao risco de crédito e ao risco de liquidez) ou sobre “o que é longo prazo no Brasil?”, justamente o país da renda fixa de curto prazo, líquida e rentável.
O fato é que passamos por uma rápida e profunda transformação do mercado de capitais no Brasil nos últimos anos, que veio acompanhada, em boa medida, do empoderamento dos investidores e da democratização do acesso à extensa prateleira de investimentos que antes eram restritos aos mais abastados. E, com tudo isso, os investidores se tornaram mais críticos e mais atuantes, embora nem sempre com sabedoria.
Os números a seguir ilustram bem a transformação do mercado de capitais no Brasil nesses anos:
• 2,0 milhões de investidores ativos no Tesouro Direto (julho/2022), mais de 2 vezes o que se via em 2019;
• 4,4 milhões de CPFs cadastrados na B3 operando ações, FII, ETF, BDR e outros produtos listados (junho/2022), mais de 3 vezes a quantidade de 2019; e
• R$ 7,0 trilhões em fundos de investimento distribuídos entre mais de 850 instituições financeiras (julho/2022), sendo que, em agosto/2017, eram R$ 3,8 trilhões e 540 instituições (Anbima) – um crescimento real do patrimônio de quase 50% no período, volume certamente alavancado pelo advento das plataformas abertas nas corretoras.
É inegável que essa pujança foi catalisada pelos juros mais baixos que vigoraram especialmente a partir de 2017, e que algum retrocesso do mercado de capitais deve haver à medida que voltamos a conviver mais recentemente com um patamar de juros mais compatível com os padrões brasileiros, por um período que se supõe ainda longo. O fato é que o Brasil voltou a ser, pelo menos por ora, o país da renda fixa líquida e rentável.
Aquele período de juros baixos que ficou para trás desafiou toda indústria de investimentos, inclusive os fundos de pensão, e, em especial, os planos de contribuição definida, a serem melhores. Gestão ativa na busca por prêmios de retorno e assunção adequada de riscos passaram a ser ainda mais determinantes, justamente em um ambiente de maior concorrência entre os gestores de recursos por um espaço no bolso dos investidores, que passavam a ter inúmeras opções de investimento à sua escolha.
E, naquele ambiente, os fundos de pensão estavam extremamente bem-posicionados, por conta de suas características intrínsecas: longo prazo e iliquidez, atributos que passaram a ser, como nunca antes na história do Brasil, importantes diferenciais competitivos, afinal são características compatíveis com classes de ativos como fundos de private equity, venture capital, desenvolvimento imobiliario, investimentos offshore, fundos de ações small caps (inclusive pipe), créditos estruturados e créditos high yield, para citar alguns exemplos que passaram a merecer mais espaço nas carteiras dos investidores institucionais brasileiros (sem falar no uso mais intensivo de derivativos na gestão de riscos). O fato é que, finalmente, a rentabilidade desses investimentos ilíquidos e de longo prazo – sem a sombra da renda fixa de curto prazo, líquida e rentável – passou a implicar em prêmios de risco atraentes para os investidores institucionais, em detrimento daqueles que priorizavam liquidez.
Ainda que esse tempo tenha ficado para trás, foi justamente nesse período em que a iliquidez poderia ter sido valorizada pelas EFPC como importante diferencial competitivo, as discussões na indústria de previdência fechada foram na direção contrária: aumentar o apelo comercial de seus produtos, por meio do incremento de sua liquidez e facilitação do resgate dos recursos acumulados pelos participantes dos planos junto às EFPC, ainda que, devemos reconhecer, isso tenha ocorrido de forma sensível aos efeitos econômicos da pandemia que levaram à redução da renda de muitas famílias.
Mas, e agora? Avanços obtidos a partir do florescimento do mercado de capitais brasileiro ao longo dos últimos anos são irrevogáveis: maior quantidade de opções de investimentos, estratégias de gestão mais avançadas (os fundos sistemáticos locais são exemplo eloquente), profissionais mais tarimbados, investidores mais críticos. Tudo isso continua presente.
Por outro lado, é inevitável que a renda fixa de curto prazo, líquida e rentável, volte naturalmente a ocupar, pelo menos por um tempo, um espaço maior nas carteiras dos investidores institucionais, em detrimento de ativos menos líquidos e de maior risco, principalmente no caso dos planos de contribuição definida com alocação mais balanceada.
Enquanto isso, é razoável esperar que a trajetória do país, em especial de seu mercado de capitais, ainda que muitas vezes sujeita à volatilidade típica de países em desenvolvimento, continue seguindo na direção de sua normalização e de seu amadurecimento rumo a padrões internacionais, tal que o longo prazo e a iliquidez possam ser reafirmados como importantes atributos de diferenciação para os fundos de pensão brasileiros, a serem valorizados especialmente pelos investidores críticos e com propósito previdenciário.
André Natali Schonert é diretor de investimentos da Fundação Promon