Edição 70
São amplamente conhecidas as razões que sustentaram a decisão de elevar a alíquota da CPMF. Trata-se de mais uma das medidas de natureza quase emergencial, adotadas com o objetivo de atingir as metas de superávit primário ajustadas com o FMI, resultado esse considerado importante para ajudar na recuperação da credibilidade interna e externa.
Vários dos efeitos negativos da CPMF e do próprio sistema tributário existente sobre a competitividade da economia brasileira tem sido objeto de um grande número de trabalhos e pronunciamentos. É generalizada a percepção de que o atual sistema, ao onerar exportações, bens de capital, folha de salários e custos em geral, responde por parcela importante das distorções alocativas e da deficiência competitiva da produção doméstica, no mercado interno e internacional.
Não obstante, têm merecido pouca atenção os impactos do sistema tributário e da própria CPMF sobre o custo de capital e, em geral, sobre o sistema financeiro privado no desempenho de sua função básica, a de mobilizar recursos de poupança e financiar o setor produtivo. Parece evidente que o desenvolvimento, a operacionalidade e a eficiência dos bancos e do mercado de capitais tem sido seriamente comprometidos pelo impacto direto e indireto do sistema tributário.
O efeito da CPMF sobre o custo de transação das Bolsas brasileiras, principal responsável pela migração de negócios de papéis de empresas brasileiras para bolsas internacionais, objeto de ampla divulgação, corresponde apenas à ponta do iceberg. Mesmo que venham a ser superadas as condições macroeconômicas desfavoráveis que têm prevalecido nas ultimas duas décadas, reduzindo a diferença das taxas básicas de juros domesticas às internacionais, é difícil visualizar uma reversão significativa quanto à oferta de recursos em condições adequadas ao financiamento de investimentos.
A redução da taxa de juros é uma condição indispensável para a retomada dos investimentos e do crescimento econômico. Entretanto, existem razões para acreditar que esse movimento não será suficiente para assegurar as condições adequadas de financiamento para a grande maioria das empresas do setor produtivo.
No crédito bancário, a cunha fiscal é responsável pela maior parte do enorme diferencial entre taxas de captação e de empréstimo. Mantida a tributação atual, agravada ainda pelo alto coeficiente de depósitos compulsórios, o custo final para o tomador provavelmente ainda será superior à taxa de retorno dos ativos produtivos, na maioria dos casos.
No mercado de capitais, o impacto da tributação se dá de várias formas, das quais devem ser destacados pelo menos dois efeitos negativos. O primeiro é a elevação dos custos de transação, movimento incompatível com o desenvolvimento de mercados secundários ativos e líquidos. Como se observa em todos os países com sistemas financeiros eficientes, somente mercados secundários ativos permitem realizar o milagre de compatibilizar a oferta de liquidez para os investidores com recursos a longo prazo para o setor produtivo e para o financiamento imobiliário. Nesse processo, os títulos de dívida ou de capital são transacionados um sem número de vezes desde sua emissão até o resgate, em mercados de bolsa ou de balcão. É desnecessário realizar qualquer cálculo para concluir que isso somente é viável com baixos custos de transação.
O segundo tem a ver com o forte incentivo que o atual sistema tributário tem demonstrado em favor do setor informal. Os indicadores disponíveis sugerem um forte crescimento da economia informal no Brasil, segmento que se caracteriza pela falta de transparência e informações. Esse movimento é acompanhado da queda do número de empresas abertas desde o inicio da década de 80, estas discriminadas pela alta carga tributária.
O resultado desse processo de informalização é óbvio. Uma parcela crescente das empresas e da economia brasileira não é elegível para acessar crédito e muito menos o mercado de capitais. Mesmo aqueles instrumentos desenhados para oferecer recursos de capital e de empréstimo para empresas fechadas, tais como fundos de empresas emergentes, private equity e venture capital, enfrentam enormes dificuldades para se desenvolver, não conseguindo ultrapassar freqüentemente a etapa de “due diligence”.
Baixos custos de transação, liquidez e informação são os componentes essenciais para o desenvolvimento do mercado de capitais e para a eficiente alocação de recursos na economia. Sem qualquer exagero, os efeitos negativos do atual sistema tributário e da CPMF em particular, representam sérias ameaças à retomada dos investimentos e do crescimento econômico.
Carlos Antonio Rocca é sócio-diretor da Rocca Prandini & Rabatt