Edição 72
Entre os principais avanços da Reforma Constitucional de dezembro de 1998 (Emenda Constitucional nº 20), estão a desconstitucionalização da regra de cálculo dos benefícios previdenciários para os trabalhadores da iniciativa privada e a explicitação da necessidade de organização do sistema com base em critérios que assegurem o seu equilíbrio financeiro e atuarial. Com estas modificações, tornou-se possível o envio ao Congresso e aprovação do Projeto de Lei no. 9.876/99 que instituiu novo método de cálculo dos benefícios introduzindo critérios atuariais no sistema. A nova fórmula permitirá o estreitamento da relação entre contribuições e benefícios no regime de repartição, eliminando subsídios implícitos e contribuindo para a melhoria dos resultados financeiros da Previdência Social.
As reformas previdenciárias ocorridas no mundo, independente do modelo adotado, têm perseguido continuamente o aumento da equivalência entre contribuições e benefícios. No regime de repartição esta equivalência é obtida, de um lado, na medida em que se amplia o período de referência para o cálculo do benefício, de modo que este passe a refletir o salário médio do segurado sobre o qual incidiu a contribuição. Outras medidas geralmente utilizadas para ajustar o regime de repartição são o aumento do limite de idade e da carência para os benefícios programáveis ou ainda elevação de alíquotas de contribuição e diminuição das taxas de reposição. Medidas como essas têm sido adotadas em reformas ocorridas nos regimes básicos de repartição dos EUA e de países europeus como Inglaterra, Alemanha e Espanha.
Já no regime de capitalização com contribuição definida, a equivalência entre benefícios e contribuições é automática, pois a aposentadoria corresponde a uma renda mensal vitalícia ou de saque programado, cujo valor é equivalente à divisão das reservas acumuladas nas contas individuais, remuneradas a determinada taxa de juros, pelo número de meses previsto para o recebimento do benefício. Este é o caso da reforma chilena que instituiu um regime de capitalização puro e de outros países latino-americanos como Argentina, Uruguai, México, Peru e Bolívia que introduziram componentes de capitalização compulsória complementar ou alternativa aos regimes de repartição preexistentes.
No Brasil, a opção de passagem para o regime de capitalização foi considerada inviável no curto prazo devido às restrições fiscais e ao enorme custo de transição referente ao financiamento dos benefícios em manutenção e ao reconhecimento das contribuições passadas. Estimativas realizadas por especialistas do Banco Mundial, IPEA e FGV entre 1995 e 1997 apresentam custo de transição oscilando entre 188% do PIB e 250% do PIB.
Alguns países como Suécia, Itália, Polônia e Lituânia adotaram a alternativa da capitalização escritural. Este modelo funciona em regime de repartição, sendo que cada segurado tem uma conta específica, onde são depositadas as suas contribuições e capitalizadas segundo determinada taxa de juros. As contas são imaginárias, pois os recursos arrecadados são utilizados para o pagamento dos benefícios em manutenção. O cálculo do benefício é feito com base na divisão do valor acumulado contabilmente na conta individual pela expectativa de sobrevida do segurado no momento da aposentadoria.
No modelo de capitalização escritural, a equivalência entre contribuições e benefícios está assegurada e existem mecanismos que garantem o ajuste do sistema ao risco demográfico, já que a tábua de mortalidade que serve para o cálculo do benefício é uma variável da equação que pode ser alterada conforme a dinâmica do envelhecimento populacional.
O resultado financeiro e atuarial do sistema de capitalização escritural é extremamente sensível à taxa de juros utilizada para atualizar as contas individuais. Na Suécia, a taxa de capitalização é equivalente à taxa de crescimento do salário nominal médio nos últimos três anos. Na Itália as contribuições são capitalizadas de acordo com a média móvel dos últimos 5 anos da taxa de crescimento do PIB nominal. A Polônia e a Lituânia utilizam a taxa de crescimento da massa salarial coberta para efeito de determinação da taxa de juros.
No Brasil, devido a deficiências cadastrais, ao invés de se utilizar o registro individual de cada uma das contribuições dos segurados, optou-se por considerar o salário médio apurado em um período, que se estende gradualmente dos últimos cinco anos a toda vida laboral dos segurados, como base de referência para o valor depositado na conta individual. Por outro lado, o problema da determinação da taxa de juros foi resolvido com a endogeneização desta na fórmula de cálculo do benefício.
A proposta recém aprovada de cálculo do benefício previdenciário faz com que a concessão de benefícios, no regime de repartição simples, seja dada não apenas por parâmetros de elegibilidade, mas também pela equalização do tempo de contribuição e o tempo de usufruto do benefício de cada segurado.
Com isso, a concessão de benefícios passa a depender da escolha individual, onde, cada segurado, respeitando padrões mínimos, buscará maximizar intertemporalmente sua renda de acordo com sua curva de preferência.
A partir de determinados parâmetros básicos, o cálculo da aposentadoria de cada segurado, será determinado de acordo com a seguinte equação:
Sb = M x f
Onde :
Sb = salário de benefício.
M = média dos 80% maiores salários-de-contribuição do segurado, apurados entre julho de 1994 e o momento da aposentadoria, corrigidos monetariamente.
Onde:
f = fator previdenciário;
Tc = tempo de contribuição do segurado;
a = alíquota de contribuição do segurado = 0,31;
Es = expectativa de sobrevida do segurado na data da aposentadoria, fornecida pelo IBGE, considerando-se a média única nacional para ambos os sexos;
Id = idade do segurado na data da aposentadoria.
A primeira parte da fórmula, representada por M, apura o salário médio de contribuição entre julho de 1994 e a data da aposentadoria, considerando-se os 80% maiores salários observados neste período. Nota-se que, gradualmente, o período de referência irá se estender de modo a abarcar toda a vida laboral dos segurados que ingressarem no sistema após a promulgação da Lei1. Portanto, a base para o cálculo do benefício deverá corresponder gradualmente à remuneração média do segurado (sob a qual incidiu a contribuição) durante todo o período contributivo, equiparando contribuições e benefícios em termos de valor.
O fator previdenciário, por sua vez, equipara tempo de contribuição e de usufruto do benefício. Ao se multiplicar o tempo de contribuição pela alíquota, o resultado representa o número de meses que o segurado destinou seu salário ao sistema de seguridade. Quando da divisão deste valor pela expectativa de sobrevida, está se alcançando a equalização entre número de meses pagos e número de meses recebidos para cada salário médio contribuído, já calculado anteriormente. A multiplicação pela idade e tempo de contribuição vezes alíquota, normalizados, representa o prêmio concedido a cada segurado por permanecer no sistema. Quanto maior a idade e o tempo de contribuição, maior será seu prêmio.
A fórmula analisada também pode ser reescrita do seguinte modo:
Sb = M x a x Tc x ( 1 + Id + Tc x a )
Es 100
No numerador do primeiro componente da equação, a multiplicação do salário-de-contribuição médio (M), pela alíquota (a) e pelo tempo de contribuição (Tc) indica o montante de recursos acumulados por cada segurado em sua conta individual. Ao dividirmos este fundo nocional pela expectativa de sobrevida, encontra-se o valor do benefício, considerando-se uma taxa de juros igual a zero.
Entretanto, mesmo no regime de repartição, é razoável supor algum tipo de remuneração para as contas individuais. O segundo componente da equação funciona justamente como uma taxa de juros implícita que aumenta conforme a idade e tempo de contribuição dos segurados. Ao se adicionar o prêmio definido pela idade e tempo de contribuição, pode-se dizer, por aproximação, que o prêmio representa uma taxa de juros, apropriada de forma endógena pelo sistema e que será tanto maior quanto mais tarde o indivíduo decidir se aposentar.
Supondo-se o exemplo do segurado médio do sistema previdenciário brasileiro que se aposenta com 52 anos de idade e 33 anos de contribuição em 1999, observa-se que, neste caso, o fator previdenciário é de 0,713, o que comparado a um regime de capitalização, é equivalente a uma taxa de juros real de 2,77% a.a.. Se este segurado, no entanto, apresentar idade de 62 anos e tempo de contribuição de 35 anos, a taxa de juros real deverá ser de 2,93%.
Nesta sistemática de cálculo, a taxa de juros passa a ser definida pelo próprio segurado, na medida em que é ele quem toma a decisão de quando sair do sistema. Logo, aposentadorias precoces, que são prejudiciais ao sistema de previdência em termos de fluxo de caixa, serão compensadas por uma taxa interna de retorno mais baixa a ser paga aos segurados. Por outro lado, a medida em que se aumenta a idade e o tempo de contribuição, maior será a taxa interna de retorno.
Em decorrência desta estrutura de prêmios, no novo método de cálculo do benefício o ganho marginal do segurado para cada ano adicional de permanência no sistema é sempre crescente para cada perfil de segurado, sendo que os segurados que ingressarem no mercado mais cedo conseguem atingir níveis mais elevados.
Os ganhos percentuais são sempre marginalmente crescentes, chegando a níveis acima de 15% ao ano para idades maiores que 66 anos. Observa-se assim, que os incentivos procuram contrabalançar o aumento da propensão à aposentadoria que cada segurado possui e que tende a ser crescente com a idade. No entanto, é pertinente lembrar que a decisão sobre a aposentadoria será dada de acordo com a curva de preferência de cada segurado.
Outra característica fundamental do fator previdenciário reside na perspectiva de atualização constante da tábua de mortalidade. Está previsto que, anualmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, divulgará nova tábua de mortalidade para a população brasileira, que é a tábua existente que mais se aproxima da população coberta do Regime Geral de Previdência Social, o que fará com que o valor dos benefícios seja ajustado periodicamente de acordo com as mudanças demográficas.
A opção adotada no sistema de previdência no Brasil coloca uma nova perspectiva para o sistema de repartição simples. A nova fórmula de cálculo soluciona endogenamente o problema da transição demográfica. Ao se calcular o salário de benefício utilizando-se como um dos parâmetros a expectativa de sobrevida, tem-se que os aumentos desta variável alteram automaticamente as taxas de reposição, eliminado a necessidade dos ajustes periódicos necessários aos sistemas de repartição.
No novo método de cálculo, o sistema continuará a funcionar dentro da lógica da repartição. No entanto, o valor do benefício passará a apresentar estreita correlação com as contribuições realizadas, que passarão a ser capitalizadas de acordo com uma taxa de juros que varia entre 2% a.a. e 4,5% a.a em razão do tempo de contribuição e idade do segurado.
Concluindo-se, o fator previdenciário introduz no regime de repartição simples a equalização atuarial da relação entre contribuição e benefício, permitindo que os ajustes demográficos sejam realizados de forma endógena ao sistema. O aumento da expectativa de sobrevida dos segurados ou a mudança no perfil de entrada e saída do segurado no sistema estão colocados no próprio cálculo do benefício. Com o aumento da correlação entre contribuição e benefício permite-se ainda, a eliminação de subsídios implícitos ao sistema que muitas vezes acabam por gerar transferência de renda das camadas mais pobres para as de renda mais elevadas.
1 A data de julho de 1994 foi escolhida em razão das contribuições referentes a este período estarem inteiramente cobertas nos registros do INSS e também em decorrência do fato de representar um período de estabilização de preços, o que evita problemas judiciais com a atualização monetária dos salários de contribuição.
Vinícius C. Pinheiro é secretário de Previdência Social do MPAS
Solange Paiva Vieira é assessora econômica do MPAS