Edição 368
Num momento histórico em que o país discute a reforma tributária e as consequências para os diversos setores econômicos, a preocupação de suas repercussões para a previdência complementar torna-se latente, diante das diferenças materiais entre planos operados por seguradoras e entidades abertas e aqueles administrados por entidades fechadas sem fins lucrativos.
É de se supor, por premissa, que apenas os planos de benefícios comercializados como produtos de capitalização estariam abarcados pela reforma tributária sobre o consumo, estando fora da incidência dos novos tributos – IBS (imposto sobre bens e serviços), que substituirá o ICMS e o ISS, e CBS (contribuição sobre bens e serviços), que substituirá o PIS e a COFINS –, inclusive diante do teor da Súmula STJ 563 (“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas.”).
Mas o texto da Emenda Constitucional nº 132/2023 incluiu a “previdência privada” no conceito de “serviços financeiros”, para efeitos do disposto no inciso II do § 6º do art. 156-A inserido na Constituição Federal, juntamente com as instituições bancárias, seguradoras e outras financeiras1. Esclareça-se: a nova previsão inserida em dezembro de 2023 não faz qualquer distinção entre a previdência complementar empresarial ou individual, previdência complementar pública (servidores públicos desde a Emenda Constitucional 103/2019 sujeitos obrigatoriamente a este regime) ou privada, com ou sem fins lucrativos, e considera apenas uma etapa do desenho real da previdência complementar (acumulação); ignorando dados de que quase 90% dessa acumulação é revertida como pagamento de benefício (concessão).2
Com isso, cabe à regulamentação da reforma tributária afastar essa equiparação nefasta e manter a coerência com a natureza jurídica das entidades e seus planos, em vista do disposto na Constituição Federal – que inclui a previdência complementar no Título VIII (“Da Ordem Social”) e Capítulo II (“Da Seguridade Social”), e não no Título “Da Ordem Econômica e Financeira”) e capítulo do Sistema Financeiro Nacional – e na Lei Complementar nº 109/2001, que trata distintamente as entidades abertas e as fechadas (sendo estas últimas regidas pelos arts. 31 a 35 e as abertas, dos arts. 36 a 40) e planos operados (arts. 26 a 30 e 12 a 25, respectivamente).
Ademais, há que se atribuir tratamento isonômico às instituições sem fins lucrativos, como regra, corrigindo-se a distorção histórica de considerar as entidades fechadas das fundações, associações, sindicatos, entre outras que também estão impedidas de auferir lucro.
Um importante avanço neste direção ocorreu na previsão contida no texto do PLP 68/2024 aprovado na Câmara dos Deputados em 10 de julho p.p.. Segundo o art. 26 “§ 9º Não são contribuintes do IBS e da CBS as seguintes pessoas jurídicas sem fins lucrativos, desde que cumpram os mesmos requisitos aplicáveis às instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, para fins da imunidade desses tributos, não podendo apropriar créditos nas suas aquisições: (…) II – entidades de previdência complementar fechada”.
Resta acompanhar os próximos capítulos desta histórica a serem definidos na tramitação do projeto no Senado Federal de modo a manter tal previsão às entidades que cumpram requisitos idênticos às demais instituições isentas e imunes, com atendimento ao princípio da igualdade tributária assegurado constitucionalmente.
1 Art. 10. Para fins do disposto no art. 156-A, § 5º, V, ‘b’, da Constituição Federal, consideram-se: I – serviços financeiros: a) operações de crédito, câmbio, seguro, resseguro, consórcio, arrendamento mercantil, faturização, securitização, previdência privada, capitalização, arranjos de pagamento, operações com títulos e valores mobiliários, inclusive negociação e corretagem, e outras que impliquem captação, repasse, intermediação, gestão ou administração de recursos; […]
2 https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-complementar/painel-estatistico-da-previdencia-complementar
Patricia B. Linhares Gaudenzi é advogada do escritório Linhares & Advogados Associados