A mundialização das finanças previdenciárias | Paulo Rabello de C...

Muita gente se questiona com sinceridade por que motivo o gestor de fundos de pensão deveria aplicar recursos “lá fora”, usando uma expressão corriqueira para denotar a distância virtual e afetiva que as pessoas de finanças institucionais no Brasil ainda sentem quando convidadas a pensar em aplicações no exterior. Também pudera. A geração que atualmente comanda as decisões de investimentos nas entidades fechadas de previdência complementar provém de uma experiência de penúria cambial no País, quando o Brasil andava com o pires na mão para renegociar seus compromissos externos. Naquele ambiente de escassez absoluta de divisas, o investimento em moeda estrangeira tinha a estrita conotação de defesa contra as flutuações ruinosas na moeda nacional.
O panorama cambial brasileiro mudou radicalmente a partir da introdução do regime de taxa flutuante do câmbio em janeiro de 1999. É uma década de experiência que mudou o Brasil e, portanto, a maneira de se encarar as finanças corporativas e a poupança de longo prazo. Não deixa de ser relevante a contribuição que o conjunto das commodities de exportação brasileiras vem dando à recomposição das reservas cambiais do Brasil, hoje beirando US$260 bilhões, um múltiplo de dez vezes (!) sobre o valor de uma década passada, quando estávamos de joelhos diante da banca internacional. Isso não incorpora, todavia, os fluxos futuros que advirão da exploração das fontes de energia, tanto as fósseis, do fundo do mar, quanto as renováveis, da nossa biodiversidade e de maior aproveitamento da capacidade de fotossíntese no trópico agricultável, grande potencial brasileiro.
A nova realidade macro-financeira do Brasil na próxima década (2011-2020) nos abre situações totalmente distintas dos limites apertados de opções de investimentos confrontados pelos administradores de fundos, em confronto com os trinta e poucos anos anteriores de vivência das EFPCs. Esta é a razão que teria motivado o Conselho Monetário Nacional, ao fim de 2009, a ampliar o escopo de aplicações permissíveis aos fundos fechados no ambiente jurisdicional externo, criando uma nova classe de ativos, de investimentos no exterior. Pela nova norma, até 10% do total dos ativos aplicados podem estar enquadrados nesta categoria, e assim sujeitos, em termos de desempenho final, não só a um risco cambial ou de mercado, como também a riscos operacionais e legais em jurisdição não brasileira.
Por que teria ousado tanto o CMN, logo numa hora em que a crise global, iniciada em 2008, ainda mostra sua cara temível em termos de controle dos fluxos de entradas e saídas de capitais? Seria esse um capricho do nosso Banco Central? Tudo indica que não. As autoridades brasileiras têm tomado suas principais decisões com olho pregado na segurança financeira dos ativos sob sua responsabilidade supervisora. Aquilo que, visto na superfície, poderia até sugerir uma permissão para assunção de riscos adicionais na área externa, torna-se, na realidade, uma decisão prudente da autoridade monetária, ao permitir às EFPCs a possibilidade de uma administração mais diversificada do portfólio da riqueza nacional, da qual faz parte integrante a riqueza financeira em poder dos fundos de pensão. Ao mirar no longo prazo, o Conselho Monetário Nacional acompanhou, mutatis mutandis, a aprovação do chamado Fundo Soberano do Brasil, pelo Congresso Nacional, que foi criado não só para neutralizar parcialmente a entrada de novos recursos externos, hoje abundantes entre nós, como para “mundializar” gradualmente as aplicações financeiras da União federal.
Esta é, sem dúvida, uma realidade macroeconômica inteiramente nova, que põe o Brasil entre aqueles atores globais privilegiados, os quais dispõem de uma diversificação de seus ativos em amplitude mundial. Em acréscimo, tal diversificação potencial vem lastreada em considerações técnicas que, embora não venham ao caso neste breve comentário, trazem aos administradores institucionais a faculdade de reduzir de modo significativo o risco ponderado de seus portfólios atuais (para qualquer nível dado de retorno esperado da carteira), tal fato ocorrendo na medida da baixa correlação observável entre os ativos que hoje compõem a carteira das EFPCs e os novos papéis “lá de fora” que a comporão no futuro próximo. A mundialização de uma carteira de aplicações quase sempre expandirá a fronteira de risco-retorno de um investidor, ou seja, lhe dá a chance de combinar menos risco para o mesmo retorno, ou simetricamente, mais retorno esperado para qualquer nível de risco! Curiosamente, quanto maior for o grau de exposição cambial de uma percentagem moderada dos ativos de uma EFPC, maior será o potencial de expansão da sua fronteira de risco-retorno! Isso nos obriga a derrubar o mito de que correr um risco cambial sempre fará mal à saúde financeira de uma EFPC. Muito pelo contrário.

Paulo Rabello de Castro é economista e presidente da SR Rating.