Impactos da desindexação da economia nas fundações | Jorge João S...

Edição 206

A queda da taxa real de juros no Brasil traz para o nosso contexto o desafio de viver sem os altos ganhos financeiros, com baixo risco, vividos na economia até recentemente, e leva o País a uma situação similar à realidade das economias mais consolidadas.A queda dos juros era esperada há muito tempo, entretanto, alguns aspectos da economia brasileira ainda precisam de respostas. Um desses aspectos, que exploraremos aqui e que impactam diretamente os fundos de pensão, é sobre a eliminação da indexação na economia.Neste cenário, os gestores de fundos de pensão, com a futura redução em sua carteira de títulos indexados a inflação, deverão repensar a sua forma de gestão dos investimentos — para buscar a meta atuarial do plano e dos passivos — para manutenção real do poder de compra dos benefícios.Na gestão dos investimentos, teremos uma tendência de maior exposição aos ativos de alto risco (por exemplo, as ações e o mercado de crédito), uma vez que as aplicações futuras de renda fixa devem proporcionar retornos inferiores à meta atuarial atual no médio e longo prazos, aumentando a demanda por uma gestão mais ativa. Vale ressaltar a necessidade de se repensar os atuais limites de investimentos em renda variável impostos pela legislação vigente.Os fundos estão rediscutindo as suas estratégias de investimento para os próximos anos. Embora os títulos indexados à inflação tenham ajudado a garantir a meta atuarial e ainda existam boas oportunidades, todos já estão avaliando novas perspectivas, como por exemplo, os investimentos imobiliários, IPOs, copyright, etc. Obviamente a estratégia deve ser atrelada a uma revisão das metas atuariais.Além da revisão da gestão dos investimentos e das premissas, pode-se dizer que a eliminação da indexação automática para reajuste dos benefícios do plano será uma tendência para a manutenção do equilíbrio atuarial.Atualmente, os benefícios definidos são corrigidos, em sua grande maioria, por algum índice geral de preços (INPC, IGP, IPCA, etc.). Em países com baixa inflação não é comum a utilização de tal artifício, ou seja, pode haver uma redução do poder de compra dos benefícios em patamares ínfimos, uma vez que a inflação também não é expressiva, se o retorno dos investimentos não recuperar inflações passadas.A eliminação da indexação automática dos benefícios não é um assunto que possa ser decidido por decreto, requer uma discussão ampla com o mercado, para avaliarmos os impactos dessas medidas, sua aplicabilidade e quais as formas alternativas de correção dos benefícios para o futuro.Para a substituição à indexação automática, a nova metodologia consideraria a reposição da inflação alcançada pelo desempenho dos investimentos, reduzindo-se esta reposição caso não se atinja a meta atuarial, ou, caso contrário, utilizando-se parte da rentabilidade acima da meta atuarial para corrigir o benefício.Poder-se-ia adotar uma transição para esta metodologia utilizando-se índices compostos parcialmente pela inflação passada e parcialmente pelo desempenho dos investimentos, até alcançar o objetivo de 100% de desindexação ou de uma indexação apenas parcial.Esta metodologia poderia inclusive reduzir a problemática atual de distribuição do superávit e suas contestações, pois a mesma contribui para o equilíbrio atuarial e evita o excedente financeiro do plano no período atual.De outra forma, ou seja, se não houver a desindexação do plano, um potencial retorno dos investimentos insuficiente para cobrir o reajuste dos benefícios e a taxa de juros atuarial, implicará na necessidade de revisão do plano de custeio. O novo plano de custeio poderá ser extremamente oneroso para as partes, participante e patrocinador, dependendo do tipo do plano.Com essas alterações, as metas dos gestores devem estar vinculadas a uma manutenção do poder de compra dos benefícios do plano, dentro do limite de risco aceitável, e devem ser estabelecidas para um período maior que o período de gestão de cada administrador, em linha com a governança da entidade.Preparar os planos para o desafio da desindexação da economia é uma necessidade de todo o sistema e que, se não for devidamente planejada agora, poderá causar impactos severos dentro de alguns anos.Tal situação pode, em menores proporções, ser comparada ao início do plano de estabilização econômica, que provocou a ruína dos bancos que não se prepararam para viver sem os recursos fáceis da ciranda financeira.As questões de ordem para o sistema de previdência complementar são prudência, planejamento e monitoramento.
Jorge João Sobrinho é Consultor Sênior de Previdência Privada da Mercer