Edição 195
A penúltima capa da Revista Investidor Institucional – “Começa a abertura” – trouxe-me recordações sobre a evolução dos fundos de pensão no Brasil. Vejo com satisfação a discussão sobre um tema polêmico, mas parece incrível que os agentes só consigam enxergar a questão por um ângulo: “Qual é o risco de um fundo de pensão investir no exterior?”. Por que será que ninguém nunca inverteu a pergunta: “Qual o risco de um fundo de pensão ter seus investimentos restritos a ativos locais ?”.
Alguns tabus são históricos. Por exemplo, quando trabalhei em uma destas instituições na década de 90, prevalecia uma restrição a investimentos em dólar. Lembro ter escutado, em uma reunião de Conselho, a interrogação: “Se as metas atuariais dos fundos de pensão são estabelecidas em Reais, como justificar uma aplicação em dólares?” A minha resposta veio em forma de pergunta: Utilizando a mesma lógica, se a meta atuarial é inflação + 6%a.a., como explicar o investimento, por exemplo, em ações? Ninguém precisa ser um profundo conhecedor de ALM para concluir ser interessante a aquisição de títulos atrelados à inflação para fundos de pensão. A partir daí, qualquer outra aplicação passa a ser uma aposta de superação do benchmark, sem similaridades da relação risco/retorno.
A história de vedação de aplicações no exterior ultrapassa a discussão teórica acerca da diversificação de portfólio. Nos últimos trinta anos no Brasil, dois problemas incomodavam as autoridades: A vulnerabilidade externa e a noção anacrônica de que cabia aos fundos de pensão, como geradores de poupança de longo prazo, o papel de “fomentador de desenvolvimento”.
Em relação à limitação cambial, uma simples conta mostra que os motivos para preocupação acabaram. Se os 10% propostos de permissão de investimentos no exterior fossem utilizados, isto significaria uma saída de recursos do país, no pior cenário, de aproximadamente US$ 25 bilhões (10% do patrimônio total dos fundos de pensão). Esta cifra representaria apenas cerca de 12% das reservas internacionais do país. Destaco que esta hipótese é extremamente agressiva, dado que a exposição total provavelmente não seria usada. Além disto, muitos prefeririam usar instrumentos no mercado local e de forma muito gradativa.
O discurso fácil – “os fundos de pensão devem direcionar sua poupança para o desenvolvimento nacional” – acabou servindo como justificativa para desvios de governança em passado de triste memória. Ressalte-se que os fundos de pensão pertencem aos funcionários das respectivas patrocinadoras. Os gestores destes recursos têm o mandato de fazer com que a poupança garanta a aposentadoria ao nível acordado, seja no sistema de benefício ou contribuição definida. E ponto final. Se os gestores seguirem este simples preceito lógico, certamente a alocação de recursos, na média, ocorrerá em segmentos de maior potencial de retorno e a economia (a arte de alocar recursos escassos) será brindada com maior eficiência.
Só há vantagens na liberação de investimentos de fundos de pensão no exterior. Hoje, estas entidades só conseguem diversificar o risco de investimentos em diferentes mercados locais e setores em geral (em aplicações em renda variável). Porém, o risco-Brasil continua permeando todo o portfólio, sem a possibilidade de proteção na ocorrência de uma catástrofe política ou econômica em nosso país.
A globalização dos mercados já não permite gerenciarmos, por exemplo, uma carteira de ações no Brasil sem um estrito acompanhamento do mercado norte-americano. Como negociar o Real sem entender o movimento do dólar no mundo e das commodities? Como entender o comportamento da curva de juros (sobretudo na parte longa, ponto de maior interesse dos fundos de pensão) sem observar a tendência dos juros internacionais ? Portanto, a resposta da pergunta – “Qual o risco de um fundo de pensão não investir no exterior ?” é simples: O participante está sendo prejudicado duas vezes – Primeiro, ao abrir mão de uma gama infindável de alternativas de investimento no mercado internacional; adicionalmente, ao dispensar instrumentos de proteção e alavancagem da parte mais relevante do portfólio – ativos no mercado local.
Diferentemente da parcela de 3% em investimento livre definido pela Resolução 3456 – muito tímida até como ponto de partida – considero o patamar de 10% de liberdade para aplicações no exterior como apropriada. O avançado estágio de profissionalização dos fundos de pensão já permite uma maior sofisticação, com cada entidade conhecendo o seu equilíbrio ideal de auto-gestão e terceirização. Maior liberdade de investimento, nem por isto menor fiscalização. O participante agradece.
Alexandre Póvoa é diretor do Modal Asset Management e autor do Livro “Valuation, como Precificar Ações”