Edição 69
Mário Garnero, do grupo Brasilinvest
O presidente do grupo Brasilinvest, Mário Garnero, é uma figura controvertida. No início dos anos 80, na presidência da Volkswagen e da Anfavea, a associação que reúne os fabricantes de automóveis, ele era um dos mais prestigiados empresários do país. Mas em pouco tempo seu reinado entrou em declínio, quando a Receita Federal começou a escarafunchar sua contabilidade e declarou as suas empresas sob intervenção. Foram anos duros, nos quais ele tentou conseguir de volta as empresas, o que finalmente veio a ocorrer alguns anos depois. Com estreitos laços com o capital estrangeiro, Garnero já chegou a ser chamado pela esquerda de “vendido”, o que hoje o diverte. “Hoje, também a esquerda está atrás do capital externo”, diz ele. Veja, abaixo, os principais trechos da sua entrevista à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Qual a sua avaliação da presença do capital estrangeiro no país?
Mário Garnero – Eu acho que o Brasil ainda é um país extremamente fechado, para um PIB de US$ 1 trilhão nossas exportações giram em torno de US$ 56 bilhões, o que representa 5% do PIB. É muito pouco!
II – Há quem atribua esse raquitismo ao protecionismo adotado pelos países desenvolvidos.
MG – Não é por causa disso. A China sofre o mesmo protecionismo, talvez não no suco de laranja, mas tem em outras áreas, e mesmo assim exporta US$ 360 bilhões. E, economicamente, é um país do mesmo tamanho do Brasil.
II – Qual seria o caminho do Brasil para elevar suas exportações?
MG – Primeiro, nós temos que mudar a estrutura de custos brasileiros. O custo Brasil, que é o custo do frete, o custo das telecomunicações (está caindo com a privatização), ainda é extremamente elevado. O nosso sistema produtivo e tributário também é muito complicado. O segundo ponto diz respeito a uma política de apoio à pequena e média empresa
II – O governo diz que está apoiando as pequenas e médias.
MG – Vamos voltar novamente ao caso da China, pois ela tem muitas semelhanças com o Brasil: ela não é uma potência em termos de cérebro, não tem uma população de altíssimo nível educacional, seu desenvolvimento também foi feito aos saltos. Mas hoje ela exporta desde bonecas – pois todas as Barbie’s do mundo estão sendo feitas lá –, até todo tipo de pequeno artesanato, o que gera uma fortuna enorme.
II – A pauta de exportação deles é parecida com a do Brasil?
MG – Se você pegar os US$ 360 bilhões que a China exporta, não tem produtos de altíssima tecnologia mundial. É parecida com a nossa, também tem algumas partes de maior valor agregado, como peças de avião, de automóvel e outras coisas parecidas de alta tecnologia. Nós também poderíamos estar exportando muito mais se houvesse apoio à pequena e média empresa.
II – Mas a competitividade das exportações chinesas também se baseia em baixos salários, bem menores que os do Brasil.
MG – O que é mais baixo na China é o custo produtivo, o custo das exportações, o custo dos portos, o custo dos transportes. Não é só salário.
II – Então, nossa saída é pelas exportações?
MG – Quando eu era presidente da Anfavea, no começo dos anos 80, o discurso que se fazia era que o Brasil precisava estar exportando US$ 100 bilhões. O Figueiredo dizia que a meta era US$ 100 bilhões, logo depois o Sarney toma posse e repete essa meta de US$ 100 bilhões. Quando é que foi isso? 1980! Quanto é que nós estamos exportando? Metade da meta daquela época. Passaram-se mais de vinte anos e o produto bruto cresceu enormemente, mas as exportações não acompanharam. Onde está o grande gargalo do futuro do Brasil? Claro, na nossa balança comercial!
II – Para exportar mais precisamos modernizar nossa infra-estrutura, e de investimentos para isso. Esses investimentos virão?
MG – Entre os países que mais receberam capital estrangeiro neste ano, em primeiro lugar estão os Estados Unidos e em segundo não está mais a China, mas o Brasil. Neste ano, nós estamos recebendo US$ 25 bilhões, mesmo sem ter tido uma grande privatização. Há condições extraordinárias para receber de US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões para a infra-estrutura no ano que vem, para as áreas de água e esgoto, por exemplo, cujo atrativo é tão grande ou maior que a telefonia. Se você pegar outras áreas, como geração privada de energia, há espaço para usinas de pequeno porte para vender energia à grandes consumidores como a Suzano, a Copersul, ao conjunto predial que o Brasilinvest vai construir no centro de São Paulo, que sozinho demandará 105 MW. Isso é mais que o consumo de uma cidade como Paulínia (SP) e o equivalente ao que o estado de Rondônia consome em um ano, e nós vamos terceirizar isso. Então, eu acho que o Brasil vai continuar recebendo investimentos maciços na infra-estrutura.
II – Os investidores costumam dizer que estão cautelosos com o Brasil.
MG – Ainda há alguns requisitos básicos de estabilidade em algumas áreas, por exemplo, na área de pedágio, na questão da propriedade da água. Nos pedágios precisa-se ver como fica a questão dos aumentos, como fazer isso, e na questão da água precisa-se saber quem é o dono da água, é o município ou o estado, quem é o poder concedente? Enquanto o Supremo não julgar quem é, ninguém vai botar capital. Esses são pontos legais que estão atrapalhando.
II – O rompimento do contrato da Cemig com o investidor estrangeiro cria um problema?
MG – Claro, eu acho que a Cemig é um problema, todo pacto deve ser respeitado. Se há uma política nacional e você começa a contestar lá no Pará, em Minas, em vários lugares, você põe em dúvida essa política nacional. E o Brasil pode ser o repositório do capital internacional, tem tudo para ser e encontrar um grande parceiro no capital internacional. Mas as oportunidades estão crescendo nos países desenvolvidos, então o sujeito que mora em Washington ou Nova York prefere investir no Alabama do que pegar um avião e vir investir na Patagônia, na China ou mesmo no Japão. As oportunidades hoje são competitivas, a economia dos EUA está florescendo, a Europa está recomeçando e para se atrair o capital nesse novo século tem que se estabelecer condições vantajosas.
II – Para que tipo de investimento viria este capital?
MG – O que, no Brasil, é prioritário e nós fazemos precariamente é a infra-estrutura, que é água, telecomunicações, fibras óticas. Sempre haverá necessidade de se investir em infra-estrutura e a infra-estrutura privatizada dá um retorno compatível. Então, há oportunidades de investimento nessas áreas, mas claro que também há uma grande demanda nas áreas de tecnologia de ponta, como as empresas de internet. Houve uma época que a indústria automobilística era a indústria de ponta, hoje não é mais. Mudou.
II – Onde o Brasil tem que investir para se tornar um grande exportador?
MG – Você não pode ser um grande exportador se o serviço de telefonia não funcionar. Se transportes não funcionam, se os portos não funcionam e se os custos produtivos em geral não são compatíveis com o resto do mundo, as exportações também não funcionam.
II – Quer dizer, se o país não funciona?
MG –Claro, exportar depende de uma série de condições, inclusive de capacidade gerencial. E, nesse último caso, devemos muito à indústria automobilística. Não foi pelo capital que trouxe que a indústria automobilística foi importante para o Brasil, nem pelos empregos diretos que ela está gerando, foi pela capacitação de management que ela trouxe para toda uma sociedade. O sujeito que passou a ser fornecedor de autopeças, de salsicha, de alface para a Volkswagen teve que se adequar às exigências da Volkswagen, ele teve que mudar. O sujeito que vendia alface de qualquer maneira teve que mudar para passar a vender para a Volkswagen.
II – O ganho foi na cultura empresarial brasileira?
MG – Isso. Essas pequenas e médias empresas ganharam, e hoje elas podem exportar. Nós temos que treinar para exportar volumes, para dar mão-de-obra, porque haverá uma concentração mundial em torno das grandes empresas. Nós estamos agora no limiar das empresas de trilhão de dólares.
II – Que tipo de empresa serão essas?
MG – Serão, no fundo, grandes montadoras, porque elas não podem mais se verticalizar. Então, elas terão uma capacitação internacional enorme, porque serão empresas com faturamento de US$ 1 trilhão, e nós vamos ter que tentar entender o que vai acontecer no mundo com essas empresas. Elas terão, embaixo delas, um rosário de outras empresas, que vão ser fornecedoras de produtos intermediários, de mão-de-obra e de tecnologia intermediária.
II – Pequenas e médias empresas?
MG – Veja a Itália, por exemplo. Lá tem uma grande montadora, que é a Fiat, mas o que faz a força do país, que gera 80% do PIB italiano? As pequenas e médias empresas, que exportam. Se você vai hoje aos EUA, ou a qualquer outro lugar do mundo, você encontra aquela máquina de lavar carpete italiana, o sujeito criou aquilo sozinho. Será que nós não temos condições de criar aqui, tecnologicamente, alguns nichos? Precisamos de apoio do BNDES, do Banco do Brasil, precisa de um esforço indutor de governo, mas há condições do Sebrae funcionar nessa linha.
II – Quais seriam esses nichos?
MG – O mundo está mudando, temos que fazer uma análise prospectiva do que vai ser o consumo daqui a dez anos, porque o consumo de hoje já está suprido. Não dá para fazer máquina de café melhor que a Itália, por exemplo. Nós fomos o maior produtor de café do mundo, tínhamos um parque industrial que dava para fazer máquina de café e não inventamos o expresso. Por quê?
II – Não inventamos a máquina de café expresso e ainda perdemos a própria produção de café!
MG – Lógico. Outro dia vi o Guga jogando e atrás estava escrito “Café da Colômbia”. Quer dizer, nem isso nós mantivemos.
II – Porque não conseguimos manter?
MG – Falta de visão. Eu vejo setores industriais, setores do governo, dizendo serem contra a ALCA. Me parece um disparate total! Nós temos um déficit comercial de US$ 6 bilhões com os EUA, que por sua vez tem um déficit comercial de US$ 200 bilhões com o resto do mundo. O México, quando fez o Nafta, exportava US$ 42 bilhões, sabe quando exporta hoje? US$ 84 bilhões, dobrou em 4 a 6 anos. Nós teríamos as mesmas vantagens do México na Alca e iríamos renegociar para isso. Eu acho que nós não queremos ver as coisas, e isso me espanta um pouco no novo século, um século que projeta empresas de US$ 1 trilhão.
II – É o PIB de um país.
MG – Exatamente, uma empresa de US$ 1 trilhão é igual ao PIB do Brasil hoje. E elas estão à mão, com mais duas ou três aquisições algumas empresas de telecomunicações vão chegar lá, serão as primeiras a chegar lá.
II – E o papel das empresas brasileiras nesse contexto, vão ser só coadjuvantes ou podem aspirar também ao papel principal, em algum momento?
MG – Temos que começar com empresas daqui, como fez a Europa e os EUA. Primeiro as empresas locais viram estaduais, depois nacionais e finalmente mundiais. Na comunidade européia as alemãs começaram a crescer para o resto da Europa. Eu acho que temos que começar isso no Brasil, já temos algumas multinacionais na área de Mercosul, temos que avançar para a América Latina e, quando houver essa negociação de Nafta ou Safta, nós teremos condições de ter algumas empresas intermediárias de peso, nas áreas de álcool e cimento, por exemplo. A Votorantim, por exemplo, tem todas as condições de ampliação de mercado, alguns bancos brasileiros também.
II – Mas essas empresas brasileiras ainda não estão se voltando para o mercado de fora.
MG – O Brasil não realizou ainda o que está acontecendo no mundo em termos de mutação econômica financeira. Isto não é uma crítica, estou apenas analisando, e acho que nós estamos perdendo funções importantes. Há parceiros importantes que o Brasil não cultiva, a Índia é um parceiro importante, no mesmo estágio de desenvolvimento tecnológico, mercados grandes, problemas iguais, empresas do porte das brasileiras. A África do Sul também, uma união de bancos brasileiros com bancos da África do Sul daria uma penetração naquele continente. A Austrália também.
II – Não temos essa perspectiva de internacionalização?
MG –Ela existe, mas não está bem compreendida em toda sua dimensão. Nós estamos mudando a relação de tempo e espaço no mundo todo e na economia em especial. No novo século vamos ter dois tipos de países, países rápidos e países lentos. Infelizmente, o Brasil está caminhando para se tornar um país cada vez mais lento, porque nós perdemos muito na transmissão de comunicações, na absorção de novas tecnologias. Vamos esperar que a Internet faça uma revolução.
II – Algumas iniciativas no sentido de se criar empresas do tipo mundial, como é o caso, por exemplo, da Ambev (Brahma e Antarctica) encontram uma resistência imensa. Porquê?
MG – São resistências cartoriais, porque o Brasil é um país lento, a estrutura brasileira é uma estrutura montada ainda sob padrões pós-coloniais, é muito difícil a inovação ganhar lugar. Ela ganha à custo de muito empurrão, há uma mentalidade de que tudo que é novo é ruim, é um país que se burocratizou. Espero que a Internet e os seus 3,8 milhões de usuários brasileiros, que vão se transformar em 7 milhões daqui a 2 anos, sejam um fator desagregador, no bom sentido, dessa mentalidade. É a única chance que nós temos de mudar esta posição, de um país lento para um país novo.
II – Mudando um pouco de assunto, qual a cara da Brasilinvest daqui para a frente?
MG – Por uma característica nossa, estamos buscando fazer aquilo que acreditamos será parte da próxima onda. Foi assim com o carro a álcool, por exemplo. Foi assim com a informática, quando criamos a Labo em associação com a Nexdorff alemã. Foi assim na nacionalização das empresas de telefonia, quando compramos a Nec, que produziu o primeiro celular no Brasil. Foi assim na área imobiliária, quando fizemos os prédios da avenida Faria Lima. Nesse momento, estamos projetando aquele prédio no centro velho de São Paulo, que dará início a uma recuperação do centro paulistano, será um marco indutor importante.
II – Quais os novos projetos da Brasilinvest?
MG – Nós continuamos produzindo, investindo na área imobiliária e na produção. Agora, estamos entrando na área de telefones celulares que tem conexão direta com internet, para produzir localmente esses equipamentos em associação com um grupo estrangeiro, e também estamos analisando uma parceria com uma empresa estrangeira da área de seguros, para a criação de uma nova empresa de seguros.
II – Que tipo de seguro?
MG – Seguro institucional de grandes empreendimentos, de fórmulas mais avançadas que não estão sendo adotadas ainda no Brasil.